Ministro Cristiano Zanin é o relator da ADI movida pelo Partido NovoFabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Políticos e entidades do setor de turismo e entretenimento seguem se posicionando contra a MP 1.202, editada pelo governo em dezembro, que estabeleceu a reoneração gradual da folha de pagamentos, além de alterar os benefícios do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). A MP limitou ainda a compensação de valores reconhecidos em decisões judiciais. Ela pretende extinguir gradualmente, durante o ano de 2024, as concessões a alguns setores e já foi alvo, inclusive, de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF), movida pelo Partido Novo.
Justificando necessidade de austeridade fiscal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a renúncia fiscal de R$ 100 bilhões associada ao programa traria "insustentabilidade" à meta estabelecida pelo governo. Segundo o ministro, a Receita Federal já havia feito um alerta de que a renúncia fiscal poderia ficar acima de R$ 20 bilhões.
Durante uma entrevista ao Roda Viva, na segunda-feira, 24, Fernando Haddad afirmou que os presidentes da República, Luiz Inácio Lula da Silva, da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), "não pareceram refratários a dialogar reoneração", o que foi negado por Lira. Segundo o presidente do senado, o ministro havia feito um acordo de R$ 25 bilhões com o Congresso, e não os R$ 20 milhões anunciados na televisão.
A MPa, que afeta diretamente o setor do turismo — segunda atividade que mais emprega no Brasil, de acordo com relatório da Confederação Nacional do Comércio (CNC) —, segue dividindo opiniões entre políticos e empresários do setor, preocupados com os futuro dos negócios após o fim do benefício, em abril deste ano.
Ação judicial
A medida já foi alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Superior Tribunal Federal (STF), movida pelo Partido Novo. Na ação, que foi distribuída ao ministro Cristiano Zanin, alegenda questiona a MP editada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por não preencher o requisito de urgência e desrespeitar o princípio da separação de Poderes.
De acordo com o Novo, o texto editado pelo governo federal desrespeita a decisão do Congresso, que derrubou veto do presidente Lula e estendeu o benefício da desoneração a 17 setores da economia até 2027. "A bem da verdade, o que aconteceu foi uma postura ditatorial do Presidente da República em querer modificar, na mesma semana, a vontade da maioria absoluta dos 584 (quinhentos e oitenta e quatro) parlamentares acerca de determinada matéria", disseram os advogados na petição.
O partido ressaltou que uma possível mudança no texto da MP só deveria passar pelo congresso. "Entender de forma contrária é o mesmo que dizer que o chefe do Poder Executivo está investido de maior poder democrático representativo do que os parlamentares", concluiu.
Por fim, a ADI questiona que a medida provisória contraria artigo 178 do Código Tributário Nacional, que diz que "a isenção, concedida por prazo certo e condicionada, gera direito adquirido ao beneficiário, impedindo sua revogação anteriormente ao prazo estipulado para sua fruição".
Manifesto em favor do Perse
Parlamentares se mobilizaram em Brasília para criar um manifesto contra a MP da Reoneração. O senador Luiz Carlos Heinze (Progressistas-RS) está entre os parlamentares que assinaram o documento. "Assinei o manifesto em defesa do Perse, programa vital para o setor de eventos e turismo gerar empregos e impulsionar a economia. Sou contrário à MP 1.202, que além de ameaçar o Perse, é a mesma da reoneração da folha", disse. "O desgoverno desrespeita o Legislativo. A MP é mais um retrocesso e precisa ser devolvida", acrescenta.
A deputada federal Roberta Roma (PL-BA) também se posicionou contra a medida. Ela acredita que o fim do benefício trará prejuízo a uma das atividades econômicas mais importantes da Bahia, seu estado. "O setor de eventos será bastante afetado com essa medida, principalmente em um estado como a Bahia, que é forte no turismo e em patrimônio artístico-cultural, atraindo turistas o ano todo que movimentam a nossa economia", afirma.
Segundo o relator da lei que instituiu o Perse, deputado Felipe Carreras (PSB-PE), esses setores foram os mais penalizados durante a época da pandemia: "Estamos falando de setores que foram proibidos de trabalhar e nunca tiveram nenhum benefício fiscal".

"Levando em consideração que o Brasil concede cerca de R$ 500 bilhões para outros setores, esses, que são os maiores empregadores, nunca obtiveram nenhum benefício e precisam ter uma atenção especial por parte do governo', destaca.
Ele anunciou uma reunião com o ministro Haddad em 6 de fevereiro, na qual pretende tratar do assunto. Segundo o deputado, o incentivo fiscal é importante, inclusive para que as empresas possam pagar empréstimos contraídos durante o período. "Não queremos excessos, mas achamos justo que esses setores, pela primeira vez, tenham incentivos igual outros já tem há décadas", destaca.
Carreras acredita que é necessário respeitar o texto original de 60 meses, para que as empresas possam se organizar e recuperar a saúde financeira.
"Perse é meritório e merece continuar"
Doreni Caramori Júnior, presidente da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), que representa um dos setores mais prejudicados pela pandemia de Covid-19, se posicionou contra a MP. Segundo Caramori Júnior, a medida "causa preocupação nos segmentos de cultura, entretenimento e turismo". Ele ainda argumenta que a apresentação de Haddad apresenta "equívocos e informações inconsistentes sobre o período de vigência das medidas do programa, os índices de geração de empregos e os benefícios sociais e fiscais da Lei".
Doreni Caramori Júnior, presidente da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape) - Foto: Divulgação/Abrape
Doreni Caramori Júnior, presidente da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape)Foto: Divulgação/Abrape
Em um documento, a associação ressaltou que, segundo dados do IBGE e do próprio Ministério do Trabalho, em saldo acumulado entre janeiro e outubro de 2023, o segmento teve um crescimento de 46,6%, enquanto outras áreas como agropecuária (- 9,1%), serviços (23,4%) e construção civil (-12,4%) registraram um decréscimo, comparado ao mesmo período do ano passado.
Além disso, Caramori Júnior destacou que  governo federal recuperou, como consequência do Perse, mais de R$ 20 bilhões de reais de débitos negociados entre a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e as empresas do setor até o momento. Segundo a Abrape, "é o maior programa de transação fiscal da história do país".
Por fim, a entidade demonstrou confiança no Congresso para manter o programa. "O Perse é meritório e temos certeza que o Senado e Câmara vão reconhecer que todos os investimentos suportam as medidas proporcionadas pelo programa", destaca o documento.
"Prejuízo imenso"
A presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav), Ana Carolina Medeiros, destaca a possibilidade de "prejuízo imenso", caso o Congresso não derrube a MP. "Se houver a manutenção da MP editada ao fim do ano passado, o Turismo terá um prejuízo imenso. Retirando fôlego financeiro para contratações, investimentos e projetos no geral. Teremos certamente uma trava no giro da economia do setor", disse.
Ana Carolina Medeiros, presidente da Abav, acredita em diálogo para solucionar questão - Foto: Divulgação/Abav
Ana Carolina Medeiros, presidente da Abav, acredita em diálogo para solucionar questãoFoto: Divulgação/Abav
Ana Carolina também reforçou que, após o retorno do recesso parlamentar, é fundamental a necessidade de um diálogo entre Executivo e representantes do setor para solucionar a questão. "Acreditamos que o melhor caminho é o diálogo, entendendo e se fazendo entender. Demonstrando os resultados positivos que o setor, mostrando o giro econômico que o turismo faz", destacou. 
Procurado, o Ministério da Fazenda não retornou os questionamentos sobre a repercussão da MP. O espaço segue aberto para manifestação.