Por Memória Globo

Geraldo Modesto/ Memória Globo

Paulo Ubiratan era conhecido pela destreza com a qual escalava o elenco de suas novelas. Muitas vezes o próprio ator duvidava que aquele personagem tivesse de fato a ver consigo. Mas o diretor, quase sempre, provava que estava certo. Foi assim com Arlete Salles em 'Pedra sobre Pedra', ou Renata Sorrah em 'A Indomada' – “ele sempre me escalava para fazer coisas que não eram óbvias”, conta a atriz. Há também quem diga que os pares românticos formados por ele são inesquecíveis. O que dizer de Cassiano (Márcio Garcia) e Dalila (Carla Marins), de 'Tropicaliente'? Ou ainda Milena (Carolina Ferraz) e Nando (Eduardo Moscovis), de 'Por Amor'?

Paulo acreditava que televisão era obra coletiva, e não fruto do trabalho individual de um diretor ou autor. E dessa forma exerceu seu ofício por mais de 20 anos na Globo. Foram 27 novelas, entre elas, grandes sucessos de público como 'Roque Santeiro', 'O Salvador da Pátria', 'Meu Bem, Meu Mal'.

Paulo Ubiratan era uma pessoa de bom senso, com a capacidade extraordinária de montar elencos. Quando percebia que tinha reunido a equipe adequada, que tinha reunido o elenco que se ajustava, que tocava a mesma música, ficava olhando essa música ser tocada.
— José Wilker

Paulo Ubiratan Fontes Gaspar, ainda adolescente, foi contínuo e auxiliar de escritório. Pensou em fazer arquitetura, mas acabou se encantando pela televisão. Na TV Tupi foi operador de VT, produtor, assistente de vídeo e editor. “Ele era o braço direito do Cassiano Gabus Mendes na Tupi. Sempre foi uma pessoa não só dedicada, mas talentosa.”, conta Luis Gustavo, que trabalhou com Paulo em 1969, na época da novela Beto Rockfeller, de Bráulio Pedroso.

Chegou à Globo no início dos anos 1970 como editor e produtor. Editou novelas – como 'O Bem-Amado' (1973) e 'Os Ossos do Barão' (1973) –, passou pelo Fantástico, pela linha de show e foi o responsável pela reedição de programas que eram exportados pelo Departamento Internacional da emissora.

Lima Duarte, amigo de Paulo Ubiratan desde os tempo de TV Tupi, lembra quando o diretor precisou, às pressas, transformar os quase 200 capítulos de 'O Bem-Amado' em 60 para substituir 'Despedida de Casado'. A novela de Walter George Durst havia sido censurada 15 dias antes de sua estreia. “Paulo Ubiratan foi meu editor em 'Beto Rockfeller'. Eu falava: ‘Anota aí, emenda aqui, emenda lá.”, essas coisas de editor. Depois ele veio a ser meu diretor na Globo. Mas ele começou assim, como editor.

O Boni o chamou e disse: “Olha, pega 'O Bem-Amado' ” e condensa, faz 60 capítulos, 60 dias, enquanto eles preparam outra novela para pôr no ar.’ É muito difícil você fazer isso com uma novela. Imagina pegar 200 capítulos e, sem perder o fio, fazer 60. Fica muito interessante, mas é muito difícil. Ele passava noites inteiras editando e chegava para mim: ‘Lima, aquele dia que você fez isso, por que que foi? Você lembra o que vai acontecer?’. ‘Ah não, depois ele vai…’ Então, ele ia para lá procurava a fita, emendava, remendava. Paulo fez um trabalho lindíssimo. Daí é que ele foi guinado à direção”, conta Lima Duarte.

Encontrando seu caminho na direção

Seu primeiro trabalho como diretor de novela foi em 1978, quando Walter Avancini lhe delegou as cenas externas de 'O Pulo do Gato', de Bráulio Pedroso. Com Avancini, a quem considerava seu mentor, aprendeu a dirigir. Logo depois, fez 'Sinal de Alerta', de Dias Gomes, na qual, além de assistente de direção, atuou também como produtor. A partir de então, não saiu mais de trás das câmeras. A primeira novela como diretor veio já no ano seguinte: 'Feijão Maravilha', uma comédia com referências às famosas chanchadas escrita por Bráulio Pedroso

Na década de 1980, se tornaria um dos principais diretores de dramaturgia da emissora. Por indicação de Mário Lúcio Vaz, na época diretor artístico da Central Globo de Produção, assumiu, ao lado de Roberto Talma, a direção das novelas das oito. A estreia da dupla no cobiçado horário foi com 'Água Viva' (1980), de Gilberto Braga.

“Eu falei para o Boni: ‘Vou entregar essa novela do Gilberto ao Talma e ao Paulo’ – um estava acabando Pai Herói e o outro, Feijão Maravilha. ‘Você está ficando maluco? Botar esses dois moleques aí, não…’, Boni falou. Era a primeira novela que os dois estavam dirigindo. Eles dirigiam muito com o Avancini, foram editores dele, e realmente aprenderam bem pra burro. Eu queria juntá-los para fazer Água Viva. Boni falou: ‘Enquanto eu estiver aqui, você não faz uma maluquice dessas…’ ‘Não. Vou juntar, vou juntar…’, e acabei conseguindo isso. Funcionou tão bem que um dia o Boni me chamou para dizer: ‘Temos que separar os dois, para criar mais dois…’ Eu os chamei numa noite e disse assim: ‘Até o final da novela, cada um tem que apresentar um diretor novo, porque vocês vão se separar no final’, explica Mário Lucio Vaz.

Paulo Ubiratan e Roberto Talma ainda dirigiram juntos 'Coração Alado' (1980), de Janete Clair, e 'Baila Comigo' (1981), de Manoel Carlos, quando contaram com dois jovens assistentes, que se revelariam promissores: Guel Arraes e Jorge Fernando.

Em 1985, Paulo Ubiratan foi diretor-geral de Roque Santeiro, marco da teledramaturgia brasileira. A novela, impedida de ir ao ar dez anos antes pela Censura Federal, ganhou uma nova versão e foi uma das maiores audiências da emissora. Devido a problemas de saúde, no entanto, o diretor precisou se afastar três meses após a estreia. Seu retorno ao trabalho aconteceu no ano seguinte em 'Roda de Fogo', de Lauro César Muniz e Marcílio Moraes. Paulo Ubiratan voltaria a dirigir um grande sucesso do autor Lauro César Muniz em 1989 – a novela 'O Salvador da Pátria', que trazia Lima Duarte no papel do jardineiro Sassá Mutema e Maitê Proença como a professora Clotilde.

Escalação de Elenco

Parte do sucesso de uma novela depende de uma boa escalação de elenco. E disso Paulo Ubiratan entendia. Muitos atores creditam ao diretor os melhores personagens que receberam na TV. Foi assim com Arlete Salles, quando foi convidada para interpretar o papel que seria um dos principais de sua trajetória na televisão: “Um dia tocou o telefone e era alguém me convidando para voltar para a Globo, para fazer uma novela das seis, eu acho, com um bom personagem. Eu disse: ‘Vou passar aí para a gente conversar. Eu quero fazer, sim.’ Tocou o telefone outra vez, era Paulo Ubiratan, que me disse: ‘Olha, você não vai mais fazer a novela da 18h.’ ‘Meu Deus do céu!’, eu disse. Ele falou: ‘Você vai fazer a novela das 20h. Eu quero você interpretando um personagem em 'Tieta'. Você vai gostar. O personagem é a sua cara, tem o seu jeito. Eu tenho certeza que você vai fazer bem.’ Além de ser um grande diretor, Paulo Ubiratan sabia escalar, era uma das coisas que ele fazia muito bem: encontrar o ator certo para o personagem certo. Eu disse: ‘Veja lá, hein! O personagem das 18h é muito bom, dizem que é excelente! É boa essa personagem? Essa Carmosina é boa?’ ‘Confia em mim’, ele falou. Eu confiei e me encontrei com talvez o melhor personagem de todo o meu trabalho em televisão. Carmosina é inesquecível. Uma personagem lírica, poética, íntegra, terna, bonita.”, lembra a atriz.

José Wilker, que trabalhou com o diretor em diferentes momentos, também destacava o bom-senso como uma de suas principais qualidades: “O Paulo era uma pessoa de bom senso, com a capacidade extraordinária de montar elencos. Não era um diretor de inventar movimentos de câmera, de perder tempo com discussão de personagem, com estudos mais elaborados. Era puro instinto e senso comum. Então, quando ele percebia que tinha reunido a equipe adequada, que tinha reunido o elenco que se ajustava, que tocava a mesma música, ficava olhando essa música ser tocada. Eu achava muito sensível isso. Muito. De vez em quando, nós atores temos uma certa tendência a complicar. Inventamos uma história para abrir e fechar uma porta. O Paulo falava assim: ‘Não! Abre a porta e entra.’ Ou seja, go straight to the point.”

Diretor Artístico

Ainda na década de 1980, assumiu a função de diretor artístico.

“Não havia diretores de núcleo, havia diretores-executivos. O Paulo Ubiratan era diretor da Executiva 1, que abrangia novela; Roberto Talma era diretor da Executiva 2, que também fazia dramaturgia e variedades; e Walter Lacet era da Executiva 3, responsável pela linha de shows”, explica Ruy Mattos que durante muitos anos trabalhou ao lado de Paulo Ubiratan como diretor de produção.

Paulo Ubiratan passou a ser responsável pela concepção e produção executiva das novelas, além da escalação de elenco. Muitas vezes dirigia apenas os capítulos iniciais, em outras, assumia a direção-geral da obra. Novelas que marcaram época passaram pelas mãos de Paulo Ubiratan, como 'Tieta', 'Meu Bem Meu Mal', 'Pedra sobre Pedra', 'A Próxima Vítima' e 'A Indomada'. Aguinaldo Silva, seu parceiro em diversos trabalhos, destaca a generosidade do diretor: “Paulo Ubiratan era o grande diretor de novelas. Eu tive a sorte de ser escolhido por ele como parceiro. Nós fizemos juntos cinco novelas e uma minissérie de 40 capítulos, 'Riacho Doce'. E o Paulo me acostumou muito mal, porque ele era aquele parceiro que sempre acrescentava coisas à novela. Eu me lembro que tinha uma cena em 'Fera Ferida' em que a Claudia Ohana, depois de vários meses dormindo, acordava e levitava. Ela acordava porque sentia o cheiro de uma comida que estava lá na cozinha. Era uma cena completamente absurda, a mulher estava dormindo há seis meses, acordava com o cheiro de um prato de bacalhau e ainda levitava. Normalmente um diretor ligava para o autor uma hora dessa e perguntava: ‘Pô, que isso? Que coisa maluca é essa, né?’ O Paulo Ubiratan ligou para mim e falou assim: ‘Olha, eu não vou fazer ela levitar só no quarto não, vou fazer ela descer a escada levitando, ir até a cozinha.’ E fez.”

Objetivo, sensível, competente – assim aqueles que trabalharam com o diretor costumam defini-lo.

“Paulo Ubiratan foi o homem que mais transpirava televisão que eu já vi. Ele tinha um raciocínio muito adequado para a televisão. Um homem direto, de uma franqueza admirável. E profundo conhecedor da arte da escalação, além de um líder dentro da televisão. A televisão sob a regência dele tem obras memoráveis, grande amigo Paulo Ubiratan.”, reforça José Mayer, dirigido por Paulo Ubiratan em diferentes novelas.

“Nós éramos muito amigos. O Paulo não tinha papas na língua, ele era direto, intuitivo. Tinha uma extrema sensibilidade. Para mim, o Paulo era assim. Se tinha de dirigir uma cena cômica, a cena era cômica; se tinha de dirigir uma dramática, era dramática. Não tinha, vamos dizer, um aprimoramento em cima disso: ele era direto, pragmático, objetivo, e fim de papo. Chegava lá, fazia e resolvia. Para mim, esse era o Paulo Ubiratan. Eu, às vezes, ficava muito assustado com ele e com sua forma de trabalhar. Mas em cada estilo de trabalho, em cada gênero de espetáculo, ele ia na mosca. Ele pegava aquilo e botava na tela. Ele era o cara que não tinha uma formação intelectual brilhante, mas tinha uma perspicácia e uma sensibilidade extraordinária. Isso aí, para mim, era o Paulo Ubiratan”, descreve Reginaldo Faria.

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Paulo Ubiratan morreu aos 51 anos, em 29 de março de 1998, vítima de um infarto fulminante. Meses antes, assumira o cargo de Diretor de Criação da Central Globo de Produção, atual Estúdios Globo, ao lado de Daniel Filho e Carlos Manga. Ficou responsável pelas novelas, exibidas entre 18h e 21h30. 'Por Amor', de Manoel Carlos, foi seu último trabalho na TV.

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