Renato Velasco/Memória Globo

Olimpíadas, Copas do Mundo, desastres naturais, guerras, carnaval. Um repórter deve ser capaz de cobrir a mais variada gama de assuntos. Para isso, só a curiosidade não basta: é preciso que a busca por conhecimento seja também uma escolha de vida. Foi assim com Marcos Uchoa, que hoje tem no currículo uma quantidade impressionante de reportagens que ensinam a conhecer melhor o mundo e as pessoas que nele vivem. Uchoa fez um ano de sociologia e um ano de medicina, antes de se decidir pelo jornalismo. Filho de uma professora de inglês e um sociólogo que precisou se exilar no período da ditadura, cedo viajou pelo mundo e aprendeu línguas, o que facilitou com que fosse escolhido pela TV Manchete para participar da cobertura dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, com apenas cinco meses de televisão. Três anos depois, surgiu a chance de cobrir férias na Globo, onde logo se destacou.

Para você entender a floresta por trás da árvore demanda experiência, ter bagagem para saber o que aquela história representa. A reportagem é isso, um trabalho de cartografia: um mapa é uma coisa irreal, mas tudo tem que estar ali representado.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Depoimento exclusivo do repórter Marcos Uchoa sobre a série “Carnaval no Céu”, do Bom Dia Brasil.

Depoimento exclusivo do repórter Marcos Uchoa sobre a série “Carnaval no Céu”, do Bom Dia Brasil.

Início da carreira

A mãe de Marcos Uchoa Cavalcanti, Norma Boyd Walker, foi professora de inglês e, depois, psicanalista. Seu pai, o professor de sociologia Pedro Celso Uchoa Cavalcanti Neto, foi exilado no governo militar e morou durante 16 anos em diversos países. Então, logo cedo, Uchoa começou suas viagens pelo mundo. “Minha mãe nos mandava, a mim e a minhas irmãs, para a Polônia, Paris, Itália, Estados Unidos, para vê-lo onde estivesse”.

Uchoa fez um ano de sociologia e um ano de medicina, antes de se decidir pelo jornalismo, que cursou nas Faculdades Integradas Hélio Alonso. Aos 19 anos já falava inglês, francês, italiano e espanhol – e conseguiu um emprego no Hotel Sheraton do Rio atendendo aos pedidos dos quartos. Depois de seis meses, passou em um teste para trabalhar na Air France. Chegou a ficar em dúvida entre qual carreira seguir. Como viajava muito durante as férias, perdia aulas na faculdade. Mas acabou fazendo um concurso e começou a trabalhar na TV Manchete, que estava começando em 1983.

Acumulava as funções de atendente da Air France e repórter da TV Manchete. Uchoa explica que as experiências se complementavam: “Eu fazia check in muito rápido e tinha que atender muitos passageiros, às vezes de manhã cedo, quando o avião chegava de Paris e seguia para Buenos Aires e para Santiago. Isso ajudou muito em televisão depois, o negócio de trabalhar sob pressão, concentrado, sem poder errar”.

Apesar de jovem, Uchoa conhecia vários países e falava línguas e, por isso, foi escolhido pela TV Manchete para participar da cobertura dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984. Ele só tinha cinco meses de televisão. Dois anos depois, em 1986, foi para a Copa do Mundo no México. Sua carreira na Air France começou a deslanchar, e ele quase largou o jornalismo, desestimulado com a TV Manchete, que enfrentava uma crise. Em 1987, apareceu uma chance de ir para a Globo, para cobrir 45 dias das férias de Isabela Scalabrini, então repórter do Esporte.

Primeiros passos na Globo

Sua primeira aparição de destaque na Globo aconteceu por acaso. Em poucos meses na emissora, Marcos Uchoa fez uma matéria para o 'Jornal Nacional' sobre o Mundial de Motociclismo em Goiânia. Depois disso, acompanhou um treino do América no mesmo dia da apuração dos resultados do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. A Mangueira estava desacreditada, por isso não tinha nenhum repórter na quadra. Quando a escola foi anunciada a campeã, era Uchoa quem estava mais próximo, e ele acabou fazendo os primeiros flashes.

Com um ano de Globo, em 1988, foi para a Olimpíada de Seul. Em Barcelona (1992), realizou uma reportagem sobre o jogo de basquete entre o Brasil e o Dream Team americano. “Cobrir esses grandes eventos é um privilégio. Você vê, conhece; bate papo com o coleguinha ao lado, um holandês, um japonês, um argentino. Assim, você percebe um enfoque diferente, passa informação, recebe informação. Você aprende muito. Os Jogos Olímpicos talvez sejam o único momento em que podemos imaginar e nos sentir vivendo num planeta. Nenhuma outra experiência é parecida.”

O poliglota Marcos Uchoa foi aprendendo mais línguas ao longo de sua carreira. Decidiu, depois de Seul, que tinha que saber pelo menos um pouco de russo, porque percebeu que nenhum repórter conseguira entrevistar os atletas que ganharam um terço das medalhas. Nas Copas do Mundo, especializou-se em cobrir os adversários do Brasil.

Olimpíada de Barcelona (1992)

Olimpíada de Barcelona (1992)

Correspondente em Londres

Uchoa foi para Londres em 1996, como correspondente de Esporte. Permaneceu na função até meados de 1998, fazendo matérias sobre a Fórmula 1 e acompanhando a trajetória vencedora do tenista brasileiro Gustavo Kuerten. Nesse período, também começou a participar com mais frequência da cobertura do noticiário geral.

De 1998 a 2000, Uchoa interrompeu sua carreira para se dedicar à família. Quando voltou ao trabalho, recontratado como repórter da editoria Geral, passou a fazer de Londres o programa 'Sem Fronteiras', da GloboNews, um painel semanal que analisa de maneira mais profunda os acontecimentos internacionais. Na mesma época, estreou uma coluna no 'Bom Dia Brasil'.

Sempre querendo buscar um aprofundamento das notícias, Marcos Uchoa se especializou em produzir diversas séries especiais. Com o repórter cinematográfico Paulo Pimentel, viajou para a Rússia e mostrou em detalhes, no 'Jornal Nacional', como estava o país dez anos após o fim do comunismo. Outra série veio depois do atentado às Torres Gêmeas em Nova York, nos EUA, em 2001. O clima na Europa era de prenúncio de guerra. Marcos Uchoa e Paulo Pimentel viajaram por vários países do Oriente Médio para mostrar outro ângulo daquele novo cenário de conflitos internacionais que se descortinava: “Na origem dessa história toda, estava a política externa americana, a questão de Israel, a questão das ditaduras, da falta de poder político do cidadão do mundo árabe em geral. Você não consegue explicar um atentado sem explicar isso. Você só conta um pedacinho da história se não contar as razões pelas quais se chegou a esse ponto”.

Foi nessa época que o desenvolvimento da internet permitiu o surgimento do chamado kit correspondente, tecnologia que facilitou muito a captação e geração de imagens produzidas fora do Brasil. Uchoa e o repórter cinematográfico Sergio Gilz estão entre os pioneiros na utilização do novo equipamento. Com um laptop, uma câmera, um telefone por satélite e uma antena, os dois foram cobrir a Guerra do Iraque. Entravam ao vivo três vezes por dia: para os telejornais 'Bom Dia Brasil', 'Jornal Hoje' e 'Jornal Nacional'.

Com muita dificuldade, por causa do cerco dos soldados americanos, eles conseguiram entrar em Bagdá e ficaram hospedados na casa de uma família iraquiana, onde viviam 16 pessoas. “Nós tínhamos esse privilégio de estar vendo o que era, de fato, viver uma guerra. Não é estar num hotel cheio de jornalistas em volta, e cada um fala de uma coisa. Foi uma experiência incrível”.

Marcos Uchoa também foi responsável por acompanhar viagens do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Lula era um fato jornalístico muito impressionante na Europa e no mundo”, conta. De 2003 a 2008, Uchoa cobriu o Fórum Econômico de Davos na Suíça, evento que reúne, anualmente, líderes dos países mais ricos do planeta.

Tsunami na Ásia

Em 2004, Marcos Uchoa foi com Sergio Gilz para a região devastada por um tsunami, que incluía a Tailândia, o Sri Lanka e a Indonésia. Durante 15 dias, eles dormiram duas horas por noite e percorreram as localidades atingidas pelo desastre natural – de moto, caminhão, pegando carona. Banda Aceh, na Indonésia, foi a cidade mais afetada. “Aquela imagem de Hiroshima, que todo mundo vê em filme: uma cidade totalmente destruída, com uma paredezinha aqui, uma paredezinha ali – foi o que vimos em Banda Aceh. O mar entrou quilômetros adentro, mas destruindo com uma força, uma coisa impressionante. Pouquíssima coisa, realmente, ficou de pé”. Uchoa e Sergio Gilz foram entrevistados ao vivo no 'Jornal Nacional' para relatar os bastidores das reportagens que produziram no sudeste asiático. A cobertura do tsunami de 2004 também rendeu aos dois um prêmio concedido pela Globo para as melhores produções do ano.

Marcos Uchoa ficou no escritório de Londres de 1996 a 2007. Produziu inúmeras séries, sempre com destaque: cobriu a eleição de Ahmadinejad, no Irã; os dez anos do fim da Guerra da Bósnia; o terremoto na Caxemira, fronteira entre o Paquistão e a Índia; e os preparativos para a primeira viagem espacial de um astronauta brasileiro, Marcos Pontes. Uchoa e Gilz voltaram ao Paquistão, em 2009, para uma viagem de três semanas pelo interior do país, e fizeram uma série de reportagens sobre as áreas tribais, na fronteira com o Afeganistão.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Webdoc sobre Tsunami na Ásia (2004), com entrevistas exclusivas.

Webdoc sobre Tsunami na Ásia (2004), com entrevistas exclusivas.

Retorno ao Brasil

De novo baseado na redação do Rio de Janeiro, trabalhou durante três anos para o noticiário local – o que não impediu que ele cobrisse o terremoto no Chile. Queria que seus três filhos, criados em Londres, tivessem a experiência de viver no Brasil. “Eu tinha esse fascínio de ver esse Rio de Janeiro que eu não conhecia, fazendo matérias que eu nunca tinha feito”. O fascínio foi demonstrado em marcantes trabalhos sobre o Carnaval, entre eles, o projeto 'Carnaval no Céu', para o 'Bom Dia Brasil', que reuniu mais de 70 profissionais da Globo e muitos dos principais nomes do samba. Uma série de matérias sobre pessoas desaparecidas também foi um destaque do período que Uchoa passou no Rio de Janeiro, além da cobertura das enchentes de 2010 e da ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão pelas forças de segurança pública, que rendeu uma matéria especial exibida pelo 'Fantástico'.

Correspondente em Paris

No início de 2011, Marcos Uchoa voltou para a Europa, para assumir o posto de correspondente da Globo em Paris. De lá, retomou sua rotina de viagens, acompanhando de perto muitos dos principais acontecimentos do noticiário internacional, desde o casamento do Príncipe William com Kate Middleton, passando pela radicalização dos protestos de jovens nos subúrbios de Londres; até o terremoto e o tsunami que assolaram o Japão e a guerra civil na Líbia. Também em 2011, foi ao Afeganistão mostrar como estava o país dez anos depois dos atentados a Nova York. No ano seguinte, voltou a cobrir os Jogos Olímpicos, dessa vez realizados em Londres. Em 2013, Uchoa acompanhou a eleição de Papa Francisco, primeiro latino-americano e primeiro jesuíta a ser nomeado pontífice. Nesse mesmo ano, ele cobriu o acidente do ex-piloto alemão, Michael Schumacher. O ex-atleta sofreu uma grave queda enquanto esquiava em Méribel, na França. No ano seguinte, fez a Liga dos Campeões da Europa e veio ao Brasil para cobrir a Copa do Mundo.

Em junho de 2015, o repórter foi ao Irã mostrar como a seleção de um regime fechado se tornou uma potência no esporte. Na Liga Mundial de Vôlei, do ano anterior, os atletas iranianos jogaram cinco vezes contra o Brasil. Ganharam três partidas. Nas quadras, onde jogam homens e mulheres incentivados por suas barulhentas torcidas, uma curiosidade. Mulher joga, mas somente com o corpo todo coberto pelo uniforme. Dos pés à cabeça. A reportagem foi ao ar no 'Esporte Espetacular'.

Em 2016 cobriu as Olimpíadas do Rio de Janeiro e foi até Medellin registrar o acidente com o avião da Chapecoense, que deixou 71 mortos. Marcos Uchoa mostrou o trabalho de resgate que durou cerca de 16 horas. Em 2017, acompanhou a Copa das Confederações na Rússia, que teve a Alemanha como campeã.

Marcos Uchoa nos bastidores da cobertura da Olimpíada do Rio de Janeiro (2016) — Foto: João Cotta/Globo

Na Copa do Mundo da Rússia, em 2018, se destacou na cobertura de grandes partidas da competição como a semifinal entre França e Bélgica que terminou com a vitória dos franceses por 1 a 0.

Em suas coberturas, seja no esporte, nas guerras ou no carnaval, Marcos Uchoa tem sempre o objetivo de ir além do fato, tentar passar para o telespectador um cenário mais amplo, mais complexo. “Para você entender a floresta por trás da árvore demanda experiência, ter bagagem para saber o que aquela história representa. A explosão do palestino na pizzaria é muito mais que uma explosão numa pizzaria, aquilo tem muita história por trás. A reportagem é isso, é um pouco um trabalho de cartografia: você vê um mapa, um mapa é uma coisa irreal, pequena, mas tudo tem que estar ali, representado de maneira menor, mas tudo tem que estar ali”.

O jornalista deixou a emissora em novembro de 2021.

Fontes

Mais do memoriaglobo
Projeto Fragmentos

A cidade mineira de São João Del Rei virou palco de romance vivido em meio a discussões sobre a divisão de terras

'Voltei Pra Você' no Globoplay: seis capítulos estão disponíveis  - Foto: (Nelson Di Rago/Globo)
Escrita por Gilberto Braga

Busca de ascenção social, sede de vingança e discussão sobre racismo conduziam as principais tramas da novela

'Corpo a Corpo' estreia no Viva; novela foi exibida há 40 anos - Foto: (Memória Globo)
Show da Vida

Programa em forma de revista eletrônica, o 'Fantástico' é um painel dinâmico do que é produzido na TV Globo. Criado em 1973, é exibido aos domingos, à noite. Confira algumas reportagens que fazem parte da história de 'O Show da Vida'.

Relembre grandes reportagens exibidas pelo 'Fantástico'  - Foto: (Arte/Globo)
Projeto Resgate

Ambientada no ensolarado Rio de Janeiro, Água Viva trazia a disputa de dois irmãos pela mesma mulher.

Escrita por Gilberto Braga e Manoel Carlos, 'Água Viva' chega ao Globoplay - Foto: (Ayrton Camargo/Globo)
Perfil da semana

A atriz Isabela Garcia nasceu no Rio de Janeiro. Estrou na Globo aos quatro anos de idade, em 1971. Com mais de quatro décadas de carreira, participou de novelas de sucesso nos anos 1970 e 1980.

Isabela Garcia estreou na Globo aos quatro anos  - Foto: (Memória Globo)
O amor está no ar

O amor está no ar e o que não falta é casal apaixonado na história da teledramaturgia da Globo. Confira alguns dos mais marcantes!

Relembre casais marcantes no especial 'Namorados da Dramaturgia'  - Foto: (Arte/Globo)
Luto

A atriz Ilva Niño nasceu em Floresta, Pernambuco, em 1933. O primeira trabalho na Globo foi em 1969. Brilhou em Roque Santeiro (1985), quando interpretou a Mina, a empregada doméstica e confidente da viúva Porcina (Regina Duarte). Ela morreu em junho de 2024.

Atriz Ilva Niño morre aos 90 anos  - Foto: (Renato Velasco/Memória Globo)