Por Memória Globo

Renato Velasco/Memória Globo

Foi fazendo pautas especiais – no Brasil e no exterior –, cobrindo assuntos comunitários pelo Globo Cidade, com a repórter Leila Cordeiro, desfiles de escolas de samba, réveillon, entre outros fatos, que José Carlos Azevedo foi se destacando entre os colegas. Levou bronca de chefes como Toninho Marins e cinegrafistas, como Marcelo Alexim, José Andrade e Marco Aurélio, mas também aprendeu com eles que “filmar é saber contar uma história”. Para Marco Aurélio, seu colaborador na supervisão, uma referência especial: “Ele me acompanha desde o início, foi quem me contratou, me indicou para ser correspondente duas vezes; é um cinegrafista completo”. Outro profissional que tem a admiração de José Carlos é Orlando Moreira, de Nova York: “Uma das minhas frustrações foi não ter sido assistente dele”.

Por anos, José Carlos foi supervisor dos repórteres cinematográficos e se dedicou ao programa que selecionava e formava futuros colegas de trabalho, seguindo a linguagem e linha editorial da Globo.

José Carlos Azevedo dá entrevista ao Memória Globo, em 2015 — Foto: Renato Velasco/Memória Globo

“Uma coisa é ser apertador de botão e outra é ser repórter cinematográfico. Filmar é saber contar uma história”

Vindo da geração que ainda filmava com película, José Carlos se adaptou às tecnologias que miniaturizaram as câmeras, sem deixar de lado sua preocupação com a qualidade da imagem que é captada. Ele sabe o quanto é importante estar pronto para cobrir qualquer notícia, mas, como habilidoso profissional da imagem, acredita também que se o foco estiver correto e o enquadramento bem feito, com um contraluz cuidadoso, é melhor ainda: “Você tem que sair preparado, porque o jornalismo é uma 'guerra', você não sabe o que vai encontrar pela frente, você pode sair daqui para fazer uma entrevista com o governador e no meio do caminho tem um tiroteio, você vai cobrir o tiroteio”.

Orgulhosamente botafoguense, José Carlos Azevedo é filho da funcionária pública Therezinha de Jesus Azevedo. Tinha um sonho quando jovem: ser locutor esportivo. Na oportunidade que apareceu, foi trabalhar perto dos seus ídolos Jorge Curi e Waldir Amaral no Sistema Globo de Rádio. A concorrência na época, porém, era acirrada, e José Carlos teve que desistir. Ruim para o rádio, excelente para a TV. Assim ele se tornou supervisor executivo dos cinegrafistas da Globo do Rio de Janeiro, e sempre foi apaixonado pelo que faz: “Parafraseando João Saldanha: ‘se o bom goleiro dorme com a bola, o bom cinegrafista dorme com a câmera’”.

A troca de mídias não foi automática. Ele teve a ajuda de um dos nomes mais famosos da televisão brasileira: Sérgio Chapelin. O apresentador ia semanalmente à Rádio Globo gravar um comercial e, em uma dessas idas, José Carlos o abordou pedindo conselhos para realizar seu segundo sonho: ser cinegrafista. Chapelin lhe informou que havia um curso técnico na Uerj, preparatório para quem quisesse aprender a manejar uma câmera. E lá foi José Carlos.

Após o curso, pediu demissão da rádio e foi novamente pedir apoio a Chapelin, que lhe ajudou a conseguir sua primeira posição na Globo: assistente do assistente de cinegrafista.

Jornalismo - memoriaglobo/Jornalismo-José-Carlos-Azevedo-I0000737.jpg — Foto: Arquivo pessoal

O início

Sua estreia foi no dia 26 de julho de 1976. Passou meses carregando cabo e levando malas, como estagiário. Contudo, aprendia diretamente com os grandes nomes da área como Toninho Marins, Marcelo Alexim, José Andrade, Ricardo Strauss, a “seleção brasileira”, como ele a chama. Deu resultado. No dia 1º de abril de 1977, José Carlos subiu um degrau e foi contratado como assistente. Eram outros tempos, de estruturas bem mais modestas. A cinegrafia ficava em uma casinha na Rua Pacheco Leão, também no Jardim Botânico, longe da redação. A câmera Canon, apelidada de mudinha, usava filme. José Carlos lembra de algumas pautas de fim de semana com Rubem Braga: “Rubem Braga tinha uma crônica no 'Jornal Hoje' em que falava sobre exposições. Eu ia fazer as mostras e trazia as informações. Com ele, você aprendia a ser jornalista. Não é só pegar uma câmera e filmar os quadros, é também apurar”.

Essa necessidade de ser mais que um competente cameraman sempre foi uma preocupação para José Carlos. Em determinadas pautas, ele diz, nem é necessário o repórter, ele mesmo dá conta do recado, recolhendo todas as informações. “Uma coisa é ser apertador de botão e uma outra coisa é ser repórter cinematográfico. É igual jogar futebol, ninguém ensina o Messi a ser o Messi, o Pelé a ser o Pelé, você ensina o cara a dominar a bola, a bater lateral, a ter uma disciplina tática, aqui também”.

Serra Pelada e o Papa

O cinegrafista não esquece um de seus primeiros grandes furos. Ainda assistente, foi com o repórter Pedro Rogério e o cinegrafista Toninho Marins cobrir o garimpo de Serra Pelada, no sudeste do Pará, em 1980. O planejado era ficar poucos dias para registrar o formigueiro humano que tentava encontrar no garimpo a sorte grande.

O avião para buscá-los, contudo, não chegou na data combinada. Os três jornalistas tiveram que se virar com as poucas roupas levadas e arranjar mais comida com os garimpeiros. Até que um dia chegou o coronel Curió, militar designado pela ditadura para organizar o garimpo daquela área. Era uma informação que ninguém tinha. José Carlos se orgulha da “exclusiva”, como se diz em jargão de jornalistas.

No mesmo ano, o Papa João Paulo II veio ao Brasil – era a primeira visita de um pontífice ao país – e lá estava José Carlos tentando fazer “algo diferente”. Antes do Papa entrar na passarela para falar com os fiéis, ele reparou em um cadeirante muito emocionado e previu o que aconteceria. “Eu que puxei o braço do papa, e ele chegou para dar benção nesse senhor na cadeira de rodas. Nós ficamos lado a lado com o Papa. Foi emocionante”.

Amazônia: a melhor fase

Demorou um pouco para José Carlos ser efetivado como cinegrafista, por falta de vaga. No mesmo período, início da década de 1980, a Amazônia começava a ficar em evidência internacionalmente, pela importância de sua floresta. O diretor de jornalismo na época. Armando Nogueira, criou uma equipe para ficar baseada no Pará, cobrindo a região. O repórter Pedro Rogério convidou José Carlos para ser um dos responsáveis pelo projeto. Só que, ao mesmo tempo, apareceu uma vaga para ele ir para Londres. Londres ou Amazônia? Diante da dúvida, e após os pedidos insistentes de Pedro Rogério, ele partiu para Belém, com contrato assinado. Não se arrependeu.

“Acertei na minha escolha, foi um momento importantíssimo da minha vida. O trabalho na Amazônia consagrou a minha carreira. Acabei até arrumando uma namorada lá, cheguei a casar. Hoje, sou separado dela e temos um filho. Vivi uma vida fantástica”.

Eles cobriam toda a região, do Amazonas ao Pará, de Rondônia a Roraima, passando pelo Acre e pelas fronteiras. José Carlos chegou a ir até a Guiana Francesa. “Eu tive a honra, junto ao Pedro Rogério, de mostrar boa parte da Amazônia para o mundo”.

Promessa frustrada de uma Copa

Na volta da Amazônia, Armando Nogueira sugeriu que Pedro Rogério fosse cobrir a Copa de 1982, como forma de premiá-lo pelos trabalhos realizados. O repórter, novamente, disse que só iria se José Carlos fosse junto. Tudo parecia certo, só faltou um pequeno detalhe: o cinegrafista não foi credenciado a tempo. José Carlos, então, foi enviado para o Japão. Fez reportagens para o 'Globo Repórter', 'Fantástico', 'Jornal Nacional' sobre o parque industrial e as novas tecnologias japonesas. Quando pretendia retornar ao Brasil, estourou a Guerra das Malvinas. Como o escritório londrino da Globo estava desfalcado por conta da Copa, José Carlos foi enviado para lá para mostrar o lado inglês do conflito. Trabalhou com o repórter Roberto Feith, a quem dedica vários elogios, rodou a Inglaterra e ainda deu um pulo na Alemanha. Depois do périplo europeu, voltou para o Brasil, direto para cobrir a Alerj (a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro).

Fim da ditadura

Em 1982, o Brasil realizou eleições gerais. Eram os primeiros deputados eleitos por voto direto desde o golpe militar de 1964. Mas o clima, de vez em quando, parecia ainda o da ditadura. Em uma oportunidade, ele saiu para cobrir uma manifestação dos rodoviários que estava sendo reprimida pelo Bope (Batalhão de Operações Especiais, da Polícia Militar do Rio). Foi ele ligar a câmera e ser agredido. “Era eu levantar, ele me dava um golpe, e eu caía. Caí três vezes e o tempo inteiro filmando. Aquilo me rendeu prêmios na Globo, na época”. Ou quando ele e a repórter Sônia Pompeu foram presos por desacato. A razão? Ele ter pedido a um policial federal tratar com respeito a repórter. “A ditadura foi um momento dificílimo. Eu tenho mais lembrança de quando eu era assistente durante o governo Geisel. A primeira coisa que eles queriam era não deixar você filmar, fotografar. Tudo era censurado, tudo era ‘não pode, não pode’, era uma repressão. No governo Figueiredo já foi um pouco melhor, mas a gente também teve muita dificuldade para trabalhar com eles”.

Empresa família

Na Globo por tanto tempo, José Carlos sempre percebeu os chefes próximos aos subordinados. Além dos episódios com Armando Nogueira, José Carlos lembra também da ex-diretora Alice-Maria, de Sílvia Faria, diretora de Jornalismo, de Ali Kamel, diretor geral de Jornalismo, e do atual diretor geral da Globo, Carlos Henrique Schroder, quem, segundo ele, fala a mesma “língua” dos funcionários. José Carlos também conta que se transformou em uma espécie de cinegrafista oficial das comemorações da família Marinho. Lembra do aniversário de Roberto Marinho, da aproximação com os parentes, da posse na Academia Brasileira de Letras. Quando o patrão morreu, foi um momento de tristeza para os funcionários da Globo, na sua opinião. “O doutor Roberto Marinho, na verdade, não era o presidente do Grupo Globo, era nosso companheiro. Era assim que ele gostava de ser tratado, ele demonstrava isso”.

Carnaval e réveillon

José Carlos esteve presente em muitas coberturas relevantes da editoria Rio da Globo, como coordenador dos cinegrafistas. Todos os Rock in Rio (com exceção do primeiro), os Hollywood Rock. O caso do sequestro do ônibus 174, em 2000. O assassinato do repórter Tim Lopes em 2002. O desabamento do morro do Bumba em 2010. A invasão da Vila Cruzeiro, no mesmo ano. As manifestações em 2013. Escolha uma e José Carlos terá uma história. Mas não há nada que José Carlos goste mais de cobrir que carnaval e réveillon. O carnaval, inclusive, é o único evento em que ele ainda assume uma das câmeras, com prazer. Desde 1979, quando fez sua primeira cobertura, até 2023, com apenas duas interrupções (em 1981, quando estava na Amazônia, e em 1985, quando quebrou a perna – mas ainda assim foi assistir ao desfile como espectador) – ele trabalhou no Sambódromo, no Rio. Por cerca de 20 anos, filmou a bateria das escolas de samba.

Bate-e-volta em Londres

Convidado para voltar a Londres, José Carlos não se adaptou direito. “Foi a única fase na minha carreira que eu fiquei frustrado”. Mas teve pelo menos um encontro memorável: acompanhou o comentarista Reginaldo Leme na assinatura do contrato de Ayrton Senna com a Lótus. Era o primeiro carro competitivo do piloto que ainda seria tricampeão mundial de Fórmula 1. Logo retornou ao Rio e estava inovando. Fosse com as entrevistas produzidas em estúdio, e conduzidas por Leda Nagle no 'Jornal Hoje', fosse com a praticidade do 'Globo Cidade', em que ele chegou a fazer até 13 transmissões ao vivo em um dia, às vezes com diferenças de 20 minutos entre um flash e outro. A melhor recompensa? Assinar a reportagem. “Nós, cinegrafistas, somos vaidosos. Às vezes você atura até não ter aumento, o que você não gosta é fazer uma baita matéria e não ter crédito”.

Mudanças tecnológicas

Com a captação de imagens em aparelhos cada vez menores e, ao mesmo tempo, mais potentes, a busca única pela imagem perfeita, com enquadramento intocável, ficou para trás. “O mais importante é a notícia”, reforça José Carlos, que desde 1997 assumiu o cargo de supervisor dos cinegrafistas, e saiu do dia-a-dia de gravações. Um exemplo do impacto das mudanças tecnológicas foram as imagens exclusivas do ex-presidente americano Barack Obama feitas na Cidade de Deus por jovens do programa Parceiros do RJ com uma microcâmera (o projeto ligado ao 'RJTV' treinava jovens de comunidades de periferia). Mas, ele insiste, há momentos, como coletivas, entrevistas exclusivas, ou reportagens produzidas, com hora e lugar marcados, em que não há qualquer razão para não se usar o melhor equipamento possível. Cada um dos equipamentos tem o seu espaço e a sua utilidade. “Para fazer o verão na praia de Ipanema não precisa de drone. O drone é para ser usado na hora certa”.

Reformulação de equipe

Para atender às demandas novas, e porque, segundo ele, o quadro de profissionais no mercado estava ruim, foi criado na Globo um programa para treinar os futuros cinegrafistas, em 2005. “Queria deixar esse legado, quando sair da empresa. Saber que nós temos profissionais para dar continuidade ao trabalho que nós fizemos aqui”. Na primeira turma, 600 pessoas concorreram. Apenas 100 passaram para a segunda fase. A tesoura de José Carlos e equipe fez o último corte e selecionou apenas dez. Começaram a instituir que era importante o futuro cinegrafista ter curso superior, mas o indispensável, para José Carlos, é o candidato falar o “idioma” da câmera. “É igual jogar bola, você dá uma bola para o cara fazer embaixada, você sabe se o cara é craque. A mesma coisa acontece com o cinegrafista: dá para saber se o cara leva jeito, o jeito pela maneira que ele segura a câmera”.

“Filmar é igual a jogador de futebol. É o momento em que você está ali que algo acontece. Nessas coberturas, a parte técnica é importante, mas é o improviso quem manda”.

José Carlos Azevedo deixou a emissora em abril de 2023.

FONTE:

Depoimentos concedidos ao Memória Globo por José Carlos Azevedo em 28/09/2015
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