Bob Paulino/Memória Globo

Vindo de uma família em que os irmãos optaram por administração e contabilidade, Jorge Sacramento sabia desde pequeno o que queria: trabalhar com comunicação. Talvez tenha sido o amor pela televisão que o pai comprou antes mesmo de seu nascimento, sendo um dos primeiros donos de uma telinha em Pelotas, sua cidade natal. Talvez fosse confluência astral: Jorge nasceu em 31 de agosto de 1969, um dia antes da estreia do Jornal Nacional, um marco da história da TV no Brasil. O certo é que ele se esforçou muito – e teve uma ajudinha da sorte – para ser jornalista. O resultado pode ser visto diariamente no Jornal da Globo, onde trabalha como editor-chefe, desde 2012.

Não importa onde o telespectador esteja vendo: se é na telinha da televisão, no , se está no trem, em casa ou no ônibus. Eu acho que se o conteúdo tiver relevância, ele viaja e, depois, compartilha o conteúdo
Jornal da Globo 40 anos: bastidores (2022)

Jornal da Globo 40 anos: bastidores (2022)

Trajetória

O pai de Jorge Barbosa Sacramento, o mestre de restaurante Jorge Rodrigues Sacramento, tinha um cliente médico com várias casas e nenhuma televisão. Era a década de 1960 e estamos em Pelotas, no Rio Grande do Sul. O médico ficou fascinado com aquele aparelho tecnológico e propôs: “Você não quer me dar uma televisão de entrada e eu te vendo uma casa”? O pai aceitou a troca. “Depois, ele comprou uma outra televisão”, diz Jorge, o filho (nascido da enfermeira Celi Barbosa Sacramento) que sempre foi fascinado pela hipnótica telinha. Seu destino parecia estar ligado ao da televisão brasileira desde o seu nascimento. “Eu nasci no dia 31 de agosto de 1969, nessa casa que foi trocada por uma televisão. No dia seguinte, foi a estreia do 'Jornal Nacional'”.

Desde pequeno, Jorge tinha duas certezas, portanto. Além de querer trabalhar com comunicação, ele também buscava independência. “O trabalho para mim foi uma busca pela minha liberdade. E eu a conquistei muito cedo, porque de 14 para 15 anos, eu já comecei a trabalhar”. Foi office boy, escriturário, caixa, trabalhou em bancos, empresa de seguro, e chegou ao estágio na Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], no meio da faculdade de jornalismo, da Universidade Católica de Pelotas.

Sete horas da manhã eu chegava na Embrapa e fazia as matérias rurais. Comecei como auxiliar de cinegrafista, depois eles me ensinaram a filmar. Quando eu comecei a filmar bem, fui trabalhar com os repórteres. Depois disso, eu passei a editar e a montar o programa rural, que chamava Terra Sul.

Carona salvadora

Desde cedo, Jorge sempre se mostrou proativo, mas a sorte também se apresentou. Um dia ele foi filmar um casamento em outra cidade para ganhar um dinheirinho extra e, na volta, em vez de esperar o ônibus, pegou carona na estrada. Conversando com o motorista, que era veterinário e tinha passado um tempo na África pesquisando uma vacina para uma doença de bovinos, pensou: pronto, já tenho o tema de conclusão de curso. A sua ligação com esse motorista veterinário ainda renderia mais frutos.

Após o fim da faculdade, um amigo que estava em Itapiranga, uma cidadezinha de Santa Catarina, arranjou seu primeiro emprego formal com comunicação, em uma produtora de vídeo. Começou a fazer casamentos pela região e vídeos para o prefeito da cidade. Em seguida, criou um programa rural no oeste de Santa Catarina, exibido na Rede Bandeirantes. Quando se desentendeu com os donos da produtora, ligou para o irmão daquele motorista que havia lhe dado a carona lá no parágrafo anterior – irmão este que trabalhava na RBS de Joinville. “Aí começo no jornalismo diário, que era uma coisa que eu não tinha feito ainda”. Estávamos em 1997.

Jorge Sacramento em entrevista ao Memória Globo (2022) — Foto: Bob Paulino/Memória Globo

Período na RBS

“Aprendi televisão na RBS”, afirma Jorge. “Era uma estrutura tão complicada, tão enxuta, que era somente eu e o câmera – que era motorista também. Várias vezes ele ficava preocupado em estacionar o carro e, como eu sabia filmar, ele dizia para mim: ‘Jorge, vai filmando, enquanto eu procuro um lugar para estacionar para não ser multado’”. Jorge tinha que jogar em todas as posições: filmava, fazia a reportagem, voltava para a redação, escrevia o texto, entregava para a aprovação do apresentador e editor-chefe, gravava o off, ia para a ilha de edição, editava a reportagem, fazia a ficha, botava na exibição e saía para fazer outra. Sem parar.

Em pouco tempo, cansou e resolveu mudar a vida completamente. Sabia que não teria como progredir muito na carreira em tal estrutura. Foi trabalhar na TV Brasília, um canal local dos Diários Associados. De cara, se transformou no editor responsável pelo jornal regional.

Não ficou muito tempo, a empresa também era muito pequena. Decidiu trabalhar na Bandeirantes, ajudando a chefiar a sucursal, além de fazer algumas reportagens. Cobriu com exclusividade, por exemplo, uma manifestação reprimida com violência pela polícia do então governador Joaquim Roriz, em que uma pessoa morreu e outras ficaram feridas. Suas imagens, segundo ele, rodaram o mundo.

Apesar do sucesso da reportagem, parecia que o sonho de fazer televisão não estava dando muito certo. Resolveu, então, voltar para Porto Alegre. Queria o apoio da família, no momento difícil. E se tentasse um jornal impresso, afinal? Conseguiu uma vaga no “Correio do povo”. Durou apenas 17 dias. Assim que surgiu a primeira oportunidade, voltou para Brasília. Primeiro foi trabalhar na TV Câmara, mas logo os amigos que tinha feito na Globo, numa passagem relâmpago cobrindo férias, o chamaram para se integrar à empresa.

Jorge Sacramento em entrevista ao Memória Globo (2022) — Foto: Bob Paulino/Memória Globo

Entrada na Globo

Era 2004. Jorge começou como editor de texto na GloboNews, mas rapidamente virou coordenador. Em seguida, mostrando sua inquietude natural, já estava no Jornal da Globo, propondo pautas para todos os telejornais. Uma conversa com um taxista o fez sugerir uma mudança no formato de edição. Era uma época em que estavam testando uma estética em que se tentava diminuir as falas dos entrevistados. O taxista reclamou que parecia que estavam censurando os personagens. Sacramento contou a conversa para o editor Fábio Ibiapina e para Heraldo Pereira, que acabara de se transformar em comentarista do Jornal da Globo: nasceu o Pinga fogo. O quadro consiste em colocar dois políticos um ao lado do outro num debate ao vivo. “Nós oferecemos o produto para o Jornal da Globo. É um quadro que acompanhou e criou vida com o Heraldo Pereira”.

Ainda em Brasília, Jorge Sacramento se juntou ao editor Fábio Ibiapina para criar um grupo que imaginaria pautas para todos os telejornais da Globo. Decidiram fazer uma série sobre biocombustíveis, por exemplo. “Nós produzimos, reunimos os repórteres, pautamos e essa série foi oferecida para o 'Jornal Nacional'. Fizemos cinco reportagens”, que ganharam dois prêmios: Embrapa e CNT. Boa média.

Não foi a única série importante que participou. “Apagão Carcerário foi um marco na minha carreira”, conta Jorge. Não só pelo resultado, mas pelo trabalhão que deu. Tudo começou como nos filmes passados em redações de jornais. Jorge conheceu em um bar uma fonte na CPI do Sistema carcerário – uma comissão parlamentar de inquérito que parecia fadada ao fracasso. Era um advogado concursado da Câmara que assessorava o relator da CPI. Ele foi pedindo informações, documentos, até que pediu para colocar uma equipe de televisão dentro dos presídios. Conseguiu.

Por conta de tantos desmandos, havia muito material. Jorge chegou a pensar que não conseguiria terminar de aprontar as reportagens. Passou noites em claro trabalhando e o último capítulo da série ficou pronta apenas poucos minutos antes de ir ao ar, mas, ao menos, deu certo. “Depois da série, o Conselho Nacional de Justiça, que poderia ter feito isso há muito tempo, começou a fazer os tais mutirões para tirar os presos. A série incomodou muito porque depois eu recebi vários retornos em relação a isso”. O trabalho estava cumprido. Como prêmio, foi convidado para ir para São Paulo, ser editor-executivo do JG.

São Paulo

São Paulo é 24 horas por dia. Ela te empurra e ela te cobra um preço muito alto para isso. É o trânsito, é a competição. E é só trabalho… trabalho mesmo.

A adaptação não foi fácil. Sacramento ficou cinco anos longe da namorada, que morava então em Brasília, e teve que enfrentar uma cidade muito maior e mais frenética que qualquer outra em que ele havia morado. Com o tempo, porém, conseguiu se relacionar com a cidade. “Meus amigos falam que eu conheço mais gente em São Paulo do que muitos paulistanos”. Em 2012, se torna editor-chefe do JG, que nos últimos anos passou por inúmeras transformações, tanto no cenário, âncoras e formato das coberturas.

Jorge Sacramento em entrevista ao Memória Globo (2022) — Foto: Bob Paulino/Memória Globo.

Furacão e atentados

O primeiro teste aconteceu com o furacão Sandy na Costa Leste dos EUA, em 2012. Nova York tinha alugado o sinal de uma unidade móvel de jornalismo (UMJ) para o correspondente Júlio Mosquéra usar em sua entrada ao vivo. A expectativa era alta. Mas o vento era tão forte que derrubou a UMJ. Mosquéra não se sentiu seguro e procurou um abrigo. Para piorar, o outro correspondente, Rodrigo Bocardi, não conseguiu chegar ao seu ponto de vivo, por conta dos alagamentos. Como desgraça nunca vem sozinha, o escritório da cidade teve que ser esvaziado por conta do furacão. “Eu não tinha nada, absolutamente nada na cobertura e tinha o compromisso de cobrir a história”. Teve que improvisar.

Pediu para a arte produzir imagens dos correspondentes, conseguiu uma transmissão ao vivo de uma agência diretamente das ruas de Nova York e pediu para os repórteres entrarem por telefone, para narrar o que eles estavam vendo. “Nós fizemos nossa cobertura desse jeito, completamente improvisada e com estrutura zero. A gente só tinha as agências internacionais. E mesmo assim ficamos um tempão no ar.”

A prova de fogo foi cobrir os atentados em Paris, em 2015. Sem tempo de produzir material, o jornal foi jogando de um vivo para outro, entre o então apresentador William Waack e os correspondentes Roberto Kovalick e Jorge Pontual, com apenas uma reportagem, e durante uma hora – que era um pedido da direção de jornalismo. E, ao fim, ainda teve tempo de entrevistar um especialista.

E fizemos! Foi um marco. Ali o Jornal da Globo se voltou para o “ao vivo”, sabe? A gente não tem medo de mais nada agora. Pode acontecer o que acontecer, a gente não tem medo não

Jornalismo factual

“O factual agora manda”, brinca Jorge Sacramento, reforçando as mudanças. “O Jornal da Globo era um jornal muito amarrado. Você não conseguia preencher o jornal só com o teu factual do dia. Eu me lembro da dificuldade que tinha como coordenador [em Brasília] de fazer matérias de política, parece que havia um desinteresse das pessoas por política. Mas eram tempos anteriores ao Mensalão e à Lata-Jato. Tudo mudou. O interesse por assuntos políticos cresceu muito.

“O que eu vejo é o Brasil se rebelando contra tudo que foi mal feito durante muito tempo, estamos vivendo um momento tão complexo, mas tão sofrido também e eu tenho sentido como o jornalismo se transformou para acompanhar”. Seja na maneira de consumir as notícias – com celulares e dispositivos móveis em geral – seja na preocupação para lidar com a enxurrada das chamadas “fake news” – notícias falsas que são propagadas como verdadeiras.

“Não importa onde ele esteja vendo: se é na telinha da televisão dele, se é no Globo Play, se ele está no trem ou se ele está em casa ou se está no ônibus. Eu acho que se o conteúdo tiver relevância, ele viaja e, depois, compartilha o conteúdo”. Mesmo que tenha assistido numa pequena TV da década de 1960. Essa é a preocupação de Jorge.

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