Por Memória Globo

Memória Globo

Fanático por cinema e colecionador, na infância, de revistas especializadas no assunto, o pernambucano Eduardo Riecken sempre sonhou em trabalhar com imagem. Movimento, cenas, flagrantes, jornalísticos ou não. Os quase 50 anos de carreira como repórter cinematográfico são a prova da concretização desse desejo. Riecken destacou-se entre os melhores profissionais da Globo até se aposentar, em julho de 2020. Além do olhar crítico e sensível, o profissional foi testemunha das evoluções tecnológicas da televisão: do filme ao disco ótico. Eduardo Riecken não cursou faculdade. Aprendeu o ofício praticando no dia a dia. Câmera na mão e cabeça na notícia, entrou para a Globo em 1973, a “universidade Globo”, como costuma dizer, onde aprendeu tudo da profissão.

“A revolução tecnológica está apenas começando. Ainda estamos aprendendo. Para quem faz jornalismo, cada dia é diferente. Eu sempre digo que a gente dorme e acorda de braço com o inesperado”.

Eduardo Riecken em depoimento ao Memória Globo, 2011. — Foto: Val Santana / Globo

Foi por meio de um amigo de infância que ele soube do curso para câmera oferecido pela emissora em Recife. Depois de oito meses de estudos sobre técnicas de captação, Riecken foi contratado como repórter cinematográfico do núcleo de reportagens especiais, em 1973. Recém-inaugurada na capital pernambucana, a Globo tinha uma estrutura bem pequena, com apenas duas câmeras de externa, de filme em preto e branco. O cinegrafista saía sozinho, sem repórter: “A gente ia com a pauta e entrevistava. Eu andava com um pedestal, você botava o microfone e, com a câmera na mão, fazia a entrevista”.

Em um ano na Globo, Eduardo Riecken já havia viajado bastante pelo interior do Nordeste, produzindo reportagens para os telejornais e programas de rede. Com a substituição do filme pelo videotape, a televisão começou a viver grandes transformações. Para ele, a mudança deu mais agilidade ao jornalismo: “O VT foi um ganho muito grande. Comparado com a realidade de hoje, é uma ‘tartaruga’, mas foi um avanço, porque você não tinha mais que revelar o filme, e todo o processo que envolvia, ou seja, secar, enrolar, cortar. Com o VT, você gravava, voltava e via o que tinha registrado”.

Nas viagens pelo interior do país, Riecken conheceu a tragédia da seca no Nordeste, uma experiência que lhe deixou inúmeras lembranças marcantes. Em meados da década de 1970, a região estava castigada por anos de estiagem:

“Vi muita miséria, muita criança morrendo de fome e de sede. Lugares no meio do nada, abandonados, o desespero das mães. Era doloroso ver aquilo. A gente pegava o dinheiro da nossa diária e comprava mantimentos, mas, mesmo assim, era pouco diante de tanta carência”.

Personagens marcantes

Ele lembra de duas histórias em especial: “Uma delas parecia cena de filme. Mas era real, infelizmente”, diz o cinegrafista. Rieken lembra de uma mulher correndo atrás do carro de reportagem, toda suja de barro e chorando. Implorava por comida para a mãe, que estava morrendo: “Era em um lugar chamado Socorro. Quando viam o carro da Globo, todo mundo corria para perto. Essa mulher estava tão suja de barro que parecia um boneco do Mestre Vitalino [artesão ceramista nascido no início do século, em Caruaru, Pernambuco -1909/1963]. A gente ficou sem ação. Botamos a mulher dentro do carro e encontramos a mãe dela na cama, desfalecida”.

Outra história marcante foi a de Dona Idalice, cinco filhos e abandonada pelo marido no meio do sertão: “A gente gravou na casa dela. Tinha uma cabeça de bode dentro de uma panela fervendo, só com sal, para os filhos comerem”. Dona Idalice virou um símbolo da luta contra a miséria na região e da campanha “Nordeste Urgente”, liderada pela Globo. As viagens pelos estados nordestinos mostravam a situação dramática de toda a região.

Parceiros de trabalho

Equipe do Jornal Nacional em Recife (da esquerda para a direita): Karla Almeida (repórter), Duda Amaral ( chefe de redação), Mônica Silveira (repórter), Fernando Rêgo Barros (repórter), Eduardo Riecken (supervisor dos cinegrafistas), Jô Mazzarolo (diretora) — Foto: TV Globo

Riecken trabalhou com muitos repórteres ao longo da carreira, mas destaca dois em especial: Francisco José – “foram mais de 30 anos de parceria” – e Geneton Moraes Neto, com quem produziu uma série sobre a seca. Com Geneton, o cinegrafista fez outra reportagem que marcou época: “Mutilados pelo sal”, sobre a tragédia dos trabalhadores das salinas de Macau, no Rio Grande do Norte: “O governo entregou as salinas para as multinacionais, que passaram a ser totalmente mecanizadas. Com isso, os operários foram perdendo o emprego e se automutilavam para receberem o seguro. Virou uma matéria-denúncia”.

Com Chico José, Eduardo lembra de uma reportagem para o 'Jornal Hoje' em um dia de eleição: “Nós descobrimos um personagem inesquecível que tinha caminhado muitos quilômetros na estrada para exercer o direito do voto. Era um matuto, que nos deu um depoimento emocionante. Uma verdadeira lição de cidadania”.

Eduardo Riecken também viajou para o exterior fazendo reportagens para o 'Globo Repórter': “Antigamente, ficávamos 30 dias fazendo um Globo Repórter. Uma vez fui à África do Sul, de lá para Botsuana, depois Zimbabue, em 11 dias. A viagem rendeu dois programas fantásticos”.

Em 1988, Eduardo Riecken tornou-se supervisor dos cinegrafistas, mas não abandonou as reportagens: “Meu negócio é imagem, viver viajando, esse é o meu mundo”. Um dos flagrantes que mais se orgulha de ter feito foi do povo descendo a rampa do Palácio do Planalto, na chuva, após a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral em 1984.

Entre as imagens mais belas produzidas por ele, destaque para o Grand Canyon americano e os Lençóis Maranhenses: “Um dia, nos Lençóis, acordo de madrugada e olho para fora da barraca. Tinha uma luz batendo naquela areia branca. Era uma das coisas mais bonitas que tinha visto na minha vida. Pena que a câmera não conseguiu registrar aquilo. Na descida do Grand Canyon, quase que a gente morreu congelado, eu e o Francisco José. Mas você delira vendo aquilo. Belíssimas imagens”.

Como supervisor, uma das maiores realizações de Eduardo Riecken foi a criação de um estúdio de vidro móvel para a cobertura do carnaval de Recife. A folia pernambucana mobiliza, todo ano, um grande aparato: “Eu ponho na rua, 23 câmeras ao vivo, uma grua, três caminhões de externa, um helicóptero e cinco equipes de UPJ, transmitindo para 131 países.

Riecken se especializou na cobertura de um dos eventos mais tradicionais do Nordeste: A encenação da Paixão de Cristo: “O pessoal brinca que se faltar o Cristo, eu sei o texto. São tantos anos fazendo. Nós já gravamos o programa inteiro em HD. Nosso enfoque é jornalístico também. A gente mostra os bastidores, como funciona a máquina, as pessoas que fazem as roupas, os 500 figurantes. Fica muito interessante e é transmitido para todo o Nordeste.” Além da Paixão de Cristo, é de responsabilidade de Eduardo Rieken a logística para a transmissão do desfile do Galo de Madrugada, um dos maiores blocos de arrastos do mundo, e das Festas Juninas para todo o Nordeste.

Marcos Losekann, Jô Mazzarolo e Eduardo Riecken na festa de 50 Anos do Jornal Nacional. Paulo Belote/Globo — Foto: Memoria Globo

Eduardo Riecken considera fascinante a profissão de repórter cinematográfico e ressalta a importância de estar sempre atualizado:

“A revolução tecnológica está apenas começando. Ainda estamos aprendendo. O HD realça tudo. Nasceu para o belo. A cor é mais bonita, a textura, a definição. Mas o feio fica mais feio, o sangue será mais sangue, o esgoto vai ser mais esgoto. Essa é a nossa profissão. Vi tanta coisa bonita, mas também muita coisa horrível. Para quem faz jornalismo, cada dia é diferente. Eu sempre digo que a gente dorme e acorda de braço com o inesperado”.

Riecken dedicou-se à paixão pela imagem na Globo até 15 de julho de 2020, quando se aposentou.

FONTE:

Depoimento concedido por Eduardo Riecken ao Memória Globo 01/09/2011.
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