Por Memória Globo

Rogério Domingos/Globo

Antes mesmo de saber ler, Edney Silvestre já esboçava interesse pelas palavras. Criança, gostava de fábulas e ganhava livros de presente. Via ilustrações, imaginava histórias e logo estava na biblioteca de sua cidade natal, Valença, no interior do Rio de Janeiro. Lia tudo o que suas mãos alcançavam, sem saber quem eram os escritores que viriam a despertar sua imaginação: Jack London, Ernest Hemingway e Thomas Mann. Tornou-se tradutor, publicitário, jornalista e escritor. Correspondente da Globo em Nova York de 1996 a 2002, participou de coberturas jornalísticas, como a dos atentados terroristas de 11 de Setembro, em 2001. Foi vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Jabuti 2010 com o romance 'Se Eu Fechar os Olhos Agora', que virou minissérie escrita por Ricardo Linhares para a Globo, e chegou a disputar o Emmy.

“Eu entrei na Globo e ocupei um espaço vago que havia, do interesse pelas artes, em pleno boom nos Estados Unidos: o cinema, o teatro, a literatura. Os correspondentes, antes de mim, estavam mais próximos da política e economia”.

Depoimento de Edney Silvestre ao Memória Globo, 2012 — Foto: Renato Velasco/Memória Globo

Início da carreira

Edney Célio Oliveira Silvestre, desde criança, mostrava interesse pelas palavras e talento para o texto. Aos 12 anos, enviou um conto que escreveu para o suplemento literário do jornal Correio da Manhã. O texto não foi publicado, mas mereceu elogios e sugestões de estilo na seção de cartas do jornal.

Mudou-se para o Rio de Janeiro para completar o segundo grau. Estudou no Instituto La-Fayette e, em seguida, no Colégio de Aplicação, na Tijuca. Prestou vestibular para a faculdade de história, mas teve de abandonar o curso devido a dificuldades financeiras. Na época, trabalhava como datilógrafo e tradutor na Manchete Press, agência de notícias da Bloch Editores. Escrevia a versão em inglês dos textos e traduzia as notícias enviadas pelas agências internacionais para o português. Logo foi convidado a escrever reportagens, primeiro para a revista Fatos e Fotos, depois para a Manchete.

No início dos anos 1970, deixou a Bloch e passou a trabalhar com publicidade na agência BCA – Barcellos, Câmara & Associados. Também colaborou com o semanário O Pasquim e escreveu artigos para jornais gaúchos. Na mesma época, dirigiu o curta-metragem em 16 mm 'O Noivado', com o qual ganhou o prêmio de melhor filme experimental em festival organizado pelo Jornal do Brasil. Pouco depois, estava dirigindo documentários para o cinejornal Canal 100, de Carlos Niemeyer.

Nova York 1991

Em 1990, foi selecionado para participar do festival de publicidade Clio, em Nova York, com uma peça publicitária em que homenageava o diretor italiano Federico Fellini. O produtor Manny Kivowitz gostou do filme e convidou Edney Silvestre para trabalhar em sua produtora, a KSK. Mudou-se, então, em 1991, para Nova York, nos Estados Unidos.

Após curta experiência na produtora – quando dirigiu videoclipes de artistas de hip hop –, passou a colaborar com o jornal O Globo, enviando textos que eram publicados no caderno 'Ela', então editado por Mara Caballero. Convidado a enviar notas sobre comportamento, logo Edney estava redigindo crônicas para o suplemento e reportagens para o 'Segundo Caderno'. Também escrevia matérias sobre economia e política para O Globo. Um ano e meio depois, tornou-se correspondente do jornal em Nova York. “Minha primeira matéria de algum impacto foi uma entrevista com o escritor e pensador Norman Mailer, que nunca tinha falado com nenhum repórter brasileiro. Logo em seguida, Paulo Francis escreveu uma coluna com um bloco inteiro de comentários elogiosos à entrevista”, lembra.

Em julho de 1996, teve a ideia de fazer um programa de entrevistas com personalidades das áreas de cultura, comportamento e política. Apresentou o projeto à direção de jornalismo da Globo, que estava prestes a inaugurar o canal de notícias GloboNews. O projeto foi aceito e, em outubro, quando o canal entrou no ar, estreou também o programa 'Milênio', produzido e apresentado pelo próprio Edney Silvestre e pelos jornalistas Paulo Francis, nos Estados Unidos, e William Waack, na Europa. Entre os primeiros entrevistados do programa estavam personalidades como o historiador Edward Said, o cantor Harry Belafonte, o economista John Gailbraith, o dramaturgo Tony Kushner e o educador Paulo Freire.

GloboNews - Milênio (1996)

GloboNews - Milênio (1996)

Correspondente da Globo em Nova York

Edney Silvestre foi contratado pela Globo, como correspondente no escritório de Nova York, em 1996. Ainda lembra a dificuldade que enfrentou em suas primeiras matérias para a televisão: “Eu era inibido, não sabia como me colocar, como segurar o microfone”. Depois engrenou. No primeiro ano, o jornalista enfrentou um grande desafio: cobrir a morte da Princesa Diana. Edney produziu uma reportagem para o 'Jornal Nacional' lembrando as ações humanitárias de Lady Di, como os encontros com Madre Teresa de Calcutá, Nelson Mandela e o militar brasileiro mutilado em uma mina explosiva em Honduras.

Nos Estados Unidos, acompanhou o escândalo que envolveu o então presidente norte-americano Bill Clinton e a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky, em 1998. Naquele ano, cobriu também a visita do Papa João Paulo II a Cuba. Ao lado do repórter cinematográfico Orlando Moreira, fez diversas reportagens retratando a situação social na ilha. Em 2000, viajou com o cinegrafista Helio Alvarez para o Iraque, 10 anos após a Guerra do Golfo. O país estava destruído e o povo vivia em condições precárias sob o regime de Saddam Hussein.

Guerra do Golfo: Dez anos depois (2000)

Guerra do Golfo: Dez anos depois (2000)

Edney também fez reportagens sobre os avanços da medicina e fenômenos climáticos, como a aventura que acompanhou os caçadores de tornados ao centro do furacão Floyd, no mar do Caribe em 1999, e a tempestade tropical Allison, que devastou as regiões do Texas e da Louisiana em 2001.

Atentados de 11 de setembro

Em 2001, participou ativamente da cobertura dos atentados terroristas de 11 de Setembro, em Nova York. Ao lado do cinegrafista Orlando Moreira, foi um dos primeiros jornalistas a chegar ao local dos ataques, onde registrou imagens devastadoras e o desespero da população nas ruas da cidade. Com a equipe do escritório de Nova York, formada por Jorge Pontual, Zileide Silva, Arnaldo Duran, Heloisa Vilela, Helio Alvarez, entre outros, foi responsável por boa parte das matérias exibidas naquela noite, em edição histórica do 'Jornal Nacional'. “Naquele dia, nós sentimos uma irmandade muito grande, que se tornou definitiva em nossas vidas”, lembra. Meses após a derrubada das torres gêmeas, os EUA invadiram o Afeganistão e declarou guerra ao terrorismo e à Al-Qaeda. De Nova York, Edney cobriu os principais acontecimentos políticos e militares do governo Bush.

Jornal Nacional do dia 11/09/2001, inteiramente voltado aos atentados terroristas nos Estados Unidos.

Jornal Nacional do dia 11/09/2001, inteiramente voltado aos atentados terroristas nos Estados Unidos.

De volta ao Brasil

Edney Silvestre voltou ao Brasil em março de 2002, como repórter especial da editoria Rio. “Fui assaltado duas vezes, tive dengue e, logo depois, viajei pelo Brasil, fazendo uma série sobre cidadania. Foi um senhor reencontro!”. Em 'Cidadania', série produzida nos meses que antecederam as eleições presidenciais, o repórter mostrou como era possível lutar por direitos, contribuir para a legislação e escolher melhor os representantes.

No Rio de Janeiro, Edney Silvestre passou a escrever crônicas mensais para o 'Bom Dia Brasil'. Em julho de 2003, realizou uma reportagem para a série 'Brasil Bonito', exibida no 'Jornal Nacional.' A matéria mostrava o trabalho de um professor que recolhia material de um depósito de lixo, produzia e ensinava seus estudantes a fazer brinquedos com material reciclado.

Webdoc sobre a série jornalística Brasil Bonito com entrevistas exclusivas do Memória Globo, agosto de 2002.

Webdoc sobre a série jornalística Brasil Bonito com entrevistas exclusivas do Memória Globo, agosto de 2002.

Ainda em 2003, foi premiado pela Confederação Nacional do Transporte pela série 'O Rio Engarrafado', exibida pelo 'RJTV' em junho daquele ano. Também em 2003, estreou no comando da coluna 'Bate-Papo', no 'RJ1', na qual entrevistava pessoas de destaque em várias áreas; e do 'Espaço Aberto: Literatura', programa de entrevistas da GloboNews.

Edney Silvestre no programa 'Espaço Aberto Literatura' da GloboNews — Foto: Rogério Domingos/Globo

Entre as coberturas jornalísticas que Edney Silvestre participou desde sua volta ao Brasil em 2002, destacam-se diversos carnavais, o Rock in Rio IV, a Rio+20 e as eleições de 2002, 2006 e 2010. Outra grande cobertura que contou com a sua participação foi o Pan-americano no Rio de Janeiro, em 2007.

Após os Jogos, o repórter estreou o programa 'Brasileiros', que mostrou o trabalho de cidadãos que contribuem para mudar o dia a dia de pessoas sem oportunidades. No episódio de estreia, Edney Silvestre contou como o bailarino Flávio Sampaio conseguiu dar um novo rumo à vida de crianças e jovens de sua cidade natal.

No episódio de estreia de Brasileiros, Edney Silvestre conta como o bailarino Flávio Sampaio conseguiu dar um novo rumo à vida de crianças e jovens de sua cidade natal, 17/06/2010.

No episódio de estreia de Brasileiros, Edney Silvestre conta como o bailarino Flávio Sampaio conseguiu dar um novo rumo à vida de crianças e jovens de sua cidade natal, 17/06/2010.

Com a renúncia do Papa Bento XVI, em 2013, que por conta da idade avançada já não conseguia mais exercer sua função, Edney voltou às grandes pautas internacionais e apresentou no 'Jornal Nacional' do dia 12 de fevereiro como seriam as votações que elegeriam o novo Papa. Edney realiza ainda reportagens especiais para o 'Globo Repórter', como a viagem que mostrou a cultura e os sabores da Bélgica, em 2016, e uma matéria sobre os desafios de morar sozinho, em 2017, que bateu o recorde de audiência dos últimos 10 anos. Em 2019, Edney também foi o repórter do 'Globo Repórter' que homenageou Fernanda Montenegro, quando a grande dama da dramaturgia brasileira completou 90 anos. No ano seguinte, foi a vez de homenagear a própria TV brasileira, que completava 70 anos, e mais uma vez foi Edney o repórter escolhido para a missão, que foi dividida em dois programas.

O especial do 'Globo repórter' mostrou como o povo também participou fazendo TV: nas ruas ou em programas de auditório, o público também é sucesso (25/09/2020)

O especial do 'Globo repórter' mostrou como o povo também participou fazendo TV: nas ruas ou em programas de auditório, o público também é sucesso (25/09/2020)

AUTOR

Edney Silvestre é autor dos livros 'Dias de Cachorro Louco' (1995) e 'Outros Tempos' (2002), ambos com seleção de suas crônicas publicadas em O Globo; e 'Contestadores' (2003), com 18 entrevistas realizadas ao longo de sua carreira. Em 2009, estreou como romancista com 'Se Eu Fechar os Olhos Agora', que venceu o Prêmio Jabuti de Melhor Romance 2010. O livro também rendeu ao autor o prêmio São Paulo de Literatura, na categoria Autor Estreante. Em 2011, lançou 'A Felicidade é Fácil'; em 2016, 'Welcome to Copacabana e outras histórias', em 2019, 'O Último Dia de Inocência', em 2021, o romance 'Amores improváveis', e em 2022, a coletânea de textos 'Pequenas vinganças'.

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Edney Silvestre deixou a Globo em dezembro de 2022.

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