Por Memória Globo

Globo

Cleber Schettini entrou para a emissora bem jovem, aos 20 anos. Formado dentro dos corredores, salas e estúdios da Globo, viveu as transformações tecnológicas, que tiveram tanto impacto sobre o trabalho dos repórteres cinematográficos, com o mesmo olhar vivo do iniciante atento a tudo o que se passava ao seu redor. E pronto a aproveitar as oportunidades surgidas. Quando começou na profissão, há mais de quatro décadas, o processo de captação e transmissão de imagens era completamente diferente. As reportagens eram registradas em filme preto e branco, quando se usava um gravador separado para sincronizar o som – “tempos de glamour”, para ele –, e viu a chegada do filme colorido e dos equipamentos eletrônicos que facilitam a atuação no dia a dia e exigem dos repórteres cinematográficos, de forma crescente, uma preocupação menos técnica e mais jornalística com o que acontece em seu entorno.

“Para ser um repórter cinematográfico, você deve ter um olhar diferenciado. Se não tem esse olhar diferenciado, deve procurar fazer as coisas com mais dedicação, ser o mais dedicado. Antigamente, o cara tinha que saber fazer fotografia, ver a temperatura de cor, hoje a câmera dá tudo para você. Aí vai do seu talento.”

Cleber foi formado por colegas da profissão — Foto: Globo

Cleber Schettini do Rosário, é filho do militar da Aeronáutica Durval do Rosário e da dona de casa Ivete Schettini do Rosário. Quando entrou na Globo, a emissora ainda não havia completado sua primeira década. Ela seguia se estabelecendo e muitas contratações eram feitas como se deu com Schettini. Seu pai trabalhava nas horas vagas na Líder Aviação e, por isso, tinha contatos frequentes com executivos da Globo, como Walter Clark, Paulo César Ferreira e Boni, que usavam aviões e helicópteros para se deslocar com rapidez. Um dia, Durval tomou coragem e pediu a eles uma oportunidade para o filho, que gostava muito de TV. Foi atendido, e o novo funcionário ganhou uma oportunidade como cinegrafista.

“Eles mandaram eu vir para cá. Entrei, fui direto para a sala do Walter Clark, dali eu desci para o jornalismo e fiquei. Não fiz faculdade, fui formado por colegas da profissão, aí passei a ser assistente. Antigamente era diferente, era película, as pessoas aprendiam a trabalhar como se fosse no cinema. Não é como hoje, uma câmera eletrônica, que você liga no automático e faz tudo. Atualmente, poucos profissionais sabem o que é um fotômetro.”

A chance de se tornar repórter cinematográfico surgiu no mesmo ano em que começou na Globo. Antes das 7h, atento à atividade de rádio escuta, pelo qual se monitorava a movimentação da polícia e dos bombeiros, Schettini soube de uma fuga na penitenciária que ficava na Quinta da Boa Vista. Mesmo como assistente, sem acesso direto às câmeras, conseguiu convencer um motorista da Globo a levá-lo lá. Pegou o equipamento e gravou imagens de impacto, exibidas no 'Jornal Hoje' com autorização da editora-chefe à época, Alice-Maria.

Nos primeiros anos de profissão, quando não havia uma grande estrutura no Departamento de Esportes, os repórteres cinematográficos do jornalismo eram convocados para fazer as transmissões de jogos e competições. No momento em que o setor se consolidou, Cleber Schettini foi a primeira pessoa de sua área a fazer parte do departamento. “Depois, foram para o Esporte os cinegrafistas Daniel Andrade, Sergio Costa, Marcio Torres. Os repórteres nesse início eram Leonardo Gryner, J. Hawilla, Hedyl Valle Júnior”, relembra.

Sua primeira Copa do Mundo foi a de 1978, na Argentina, prêmio pelo bom trabalho desempenhado durante a cobertura de uma excursão da seleção brasileira pela Europa. Mas o próprio futebol tirou o repórter-cinematográfico dos campos argentinos.

“Quando soube que iria, fiquei emocionado. Mas cheguei no Brasil e, fominha, fui jogar uma pelada. Levei um tombo e bati com o cotovelo no chão, coisa de nada. O cotovelo foi trancando, trancando, até que eu fui ao médico, que falou: ‘Tem de operar, você está com uma cartilagem no meio da articulação’. Eu disse: ‘Não dá para dar um jeito aí? Eu tenho a Copa do Mundo para fazer, minha primeira Copa’. Ele respondeu: ‘Essa não vai ser, não’. E marcou a operação para o dia do embarque da equipe”

Cleber Schettini foi da primeira geração de câmeras do jornalismo a ir para o esporte — Foto: Memoria Globo

NA COPA DA ESPANHA, SORTE NO AZAR

Em 1982, na Copa da Espanha, Cleber Schettini queria acompanhar a seleção brasileira, como todos na época. Mas foi escalado para fazer dupla com Ernesto Paglia, um jovem jornalista de 22 anos que nunca havia participado de coberturas de futebol e, por falar italiano, acabou convocado para cobrir a Azzurra. Quando o mundo do futebol achava que a seleção italiana seria derrotada, ela venceu os brasileiros, no fatídico jogo do estádio Sarrià, seguindo na Copa. E a equipe Paglia-Schettini passou a ser a número um da cobertura.

Entrevista de Ernesto Paglia com o técnico italiano Enzo Bearzot sobre a final Itália 3 x 1 Alemanha Ocidental. 'Fantástico', 11/07/1982

Entrevista de Ernesto Paglia com o técnico italiano Enzo Bearzot sobre a final Itália 3 x 1 Alemanha Ocidental. 'Fantástico', 11/07/1982

Daí para frente, ele participou de nove Olimpíadas e outras nove Copas, algumas consideradas marcantes, outras nem tanto. Na competição de 1990, na Itália, trabalhou ao lado de Luiz Fernando Lima, de forma itinerante, e em Roma conseguiu fazer um flagrante exclusivo, comprado por emissoras de todo o mundo: Maradona brigando fisicamente com italianos na rua, depois de provocado por torcedores.

Reportagem de Luiz Fernando Lima e Cleber Schettini sobre uma briga de Diego Armando Maradona com um segurança na concentração da seleção argentina as vésperas da final da Copa do Mundo de 1990 na Itália, 'Jornal Nacional', 05/07/1990

Reportagem de Luiz Fernando Lima e Cleber Schettini sobre uma briga de Diego Armando Maradona com um segurança na concentração da seleção argentina as vésperas da final da Copa do Mundo de 1990 na Itália, 'Jornal Nacional', 05/07/1990

MODO PRÓPRIO DE FAZER CÂMERA

A Copa seguinte, apesar da vitória do Brasil, não deixou grandes lembranças; já a de 1998, na França, ficou marcada pelo início do programa 'Bem, Amigos', com Galvão Bueno. “Eu era o único cinegrafista que saía de Lésigny para fazer, viajava todos os jogos para trabalhar no programa. Eu tinha um modo de fazer a câmera que quase ninguém tinha, andando e tal, botava no ombro, saía daqui da entrevista, ia para cá, ia pra lá, a filosofia era essa. Outros começaram a fazer, mas aí o Luiz Fernando Lima pediu para me chamar, ele já era diretor, para eu fazer aquela câmera. Isso foi um diferencial da Globo naquela Copa”, explica.

Em 2002, na Copa do Mundo da Coreia e do Japão, ele e a então produtora Rosane Araújo, hoje editora-chefe do Esporte Espetacular, ensinaram um japonês e uma coreana que falavam fluentemente português a atuar como repórteres, fazendo matérias para o público brasileiro. E, em 2006, em vez de viajar para a Alemanha, onde o evento foi realizado, Cleber Schettini ficou em Paris, acompanhando a reação dos torcedores de uma das seleções favoritas.

O estádio da final da Copa de 2010 virou um templo, mesmo sem o corpo de Nelson Mandela. Ao todo, foram 120 nações representadas. O presidente Barack Obama foi o mais aplaudido pelo público. Dilma Rousseff também discursou na homenagem.

O estádio da final da Copa de 2010 virou um templo, mesmo sem o corpo de Nelson Mandela. Ao todo, foram 120 nações representadas. O presidente Barack Obama foi o mais aplaudido pelo público. Dilma Rousseff também discursou na homenagem.

À África do Sul, em 2010, ele foi com o repórter Renato Ribeiro Soares antes da Copa, com o objetivo de acompanhar os preparativos para o evento e gravar matérias sobre o país, mas precisou voltar durante a competição, por motivos pessoais. A Copa do Mundo no Brasil, a última, foi mais uma que não deixou grandes lembranças, pareceu a ele uma cobertura de rotina.

Fomos à casa do Mandela, mostrar ao povo brasileiro como é viver naquele país, que tinha um grande líder, eu o chamo de Deus. O último Deus morreu, e eu fui ao enterro dele, três anos depois

Cleber junto com Pedro Bial — Foto: Memória Globo

Cleber cobriu nove Olimpíadas e outras nove Copas — Foto: Memória Globo

ESTRUTURA DO PARIS-DAKAR

Em termos de estrutura para equipes jornalísticas, um evento esportivo que o impressionou foi o Rali Paris-Dakar: “Tem cerveja no deserto para você beber, acredite se quiser, um happy hour com tudo para comer e beber às seis da tarde, em pleno deserto. Todo dia você tem que desfazer a sua barraca, porque cada dia você está em um lugar, então todo mundo tem que sair às cinco e meia da manhã para entrar em aviões de carreira, dois deles só para jornalistas”, se impressiona.

OLIMPÍADAS MARCANTES

Cleber Schettini também cobriu nove Jogos Olímpicos. Em Los Angeles, em 1984, enquanto a jornalista Isabela Scalabrini conversava com Joaquim Cruz, para uma entrevista exclusiva com o ganhador do inédito ouro nos 800 metros rasos, o repórter cinematográfico consertava às pressas uma câmera eletrônica que deu defeito, orientado por rádio por um engenheiro da Globo. Ao final, depois de minutos de tensão, deu tudo certo, e a matéria foi exibida no 'Jornal Nacional'.

Em Barcelona, em 1992, suas duas maiores lembranças foram a confusão na cronometragem que quase tirou a medalha de prata de Gustavo Borges na prova 100 metros de nado livre. Ele gravou o atleta triste, sabendo que havia batido em segundo e esperando a decisão dos juízes. A outra boa memória foi a medalha de ouro do vôlei masculino, na quadra. “Eu falei para o Luiz Fernando Lima: ‘Se ganhar eu vou invadir’ – era proibido invadir a quadra. ‘Ah, meu irmão, eu vou invadir, vou lá fazer a festa lá do lado deles’. Aí ganhamos e eu não tive dúvida: fui para a quadra com a câmera”, se diverte. Em Sidney, em 2000, estava ao lado de Glenda Kozlowski quando viu o atleta Eric Moussambani, de Guiné Equatorial, cair na piscina para uma prova. Como ele nadava muito mal, propôs à repórter entrar ao vivo e exibiu, junto com ela, mais uma matéria no 'Jornal Nacional'.

Reportagem de Fátima Bernardes sobre a medalha de prata conquistada pelo nadador Gustavo Borges nos 100 metros livres, 28/07/1992.

Reportagem de Fátima Bernardes sobre a medalha de prata conquistada pelo nadador Gustavo Borges nos 100 metros livres, 28/07/1992.

SUPERAÇÃO EMOCIONANTE

Em Londres, em 2012, como os direitos de transmissão não eram da Globo, participou apenas das Paraolimpíadas, algo que o emocionou: “Eu chorei muito, chorei mesmo, não tenho vergonha. É só superação, é uma coisa de maluco a força de vontade das pessoas. Renova profissionalmente, é um aprendizado”.

Cleber Schettini trabalhou também em Jogos Pan-Americanos, em inúmeros eventos esportivos no país e em Fórmula 1, no programa 'Sinal verde', com Reginaldo Leme, quando teve a chance de desfrutar do convívio com os pilotos, impossível nos dias atuais pela estrutura de marketing montada em volta deles. “Uma vez eu levei meu filho, o Rafael, e o Nelson Piquet falou: ‘Bota ele aí no carro, vamos tirar uma fotografia’. Ele tirou a fotografia com meu filho, botou no colo, beijou. Qual é o profissional que vai fazer isso hoje?”

Entre os anos de 1986 e 1998, Cleber Schettini assumiu o cargo de supervisor de imagem na Globo. Nesse período, criou dois quadros especiais: o 'Foco no fato' e 'Palavra de técnico'. O primeiro, exibido no 'Globo esporte', era um minuto de imagem para contar uma história, como a passagem de bastão em uma prova de revezamento. Já 'Palavra de técnico' mostrava profissionais de futebol fora de seus ambientes tradicionais, em conversas descontraídas.

Cleber começou a trabalhar na Globo antes das câmeras eletrônicas, como a da foto — Foto: Memória Globo

CAPACIDADE INOVADORA

Não foi a primeira vez que o repórter cinematográfico inovou.

“Eu criei uma câmera que hoje em dia o mundo inteiro usa, a câmera três, uma câmera no meio do futebol. Nós não tínhamos o detalhe, o cara puxando a camisa do outro, o cara dando chute, o cara cuspindo na cara do outro ou dando uma cotovelada, então, isso eu consegui, levei dois anos para colocar aquela câmera ali, começou num jogo São Paulo e Flamengo, em 1993. O Júnior Baiano deu uma cotovelada e nós pegamos com exclusividade aquilo. O Boni viu e perguntou que câmera era aquela que estava fora do jogo. Meu diretor contou e ele falou assim: ‘A partir de hoje essa câmera tem que ficar ali’.

Por conta de seus muitos anos de experiência, Cleber Schettini foi convidado pelo diretor Carlos Henrique Schroder a transmitir seu talento aos iniciantes: “Eu não ensino o cara a ligar câmera e gravar, ensino o cara a ser repórter cinematográfico, depois vou ensinar a ele as coisas mais objetivas da profissão. Primeiro ele tem que aprender a ser repórter cinematográfico. Todas as turmas que eu formei tinham que fazer relatório todos os dias, para eu saber por que não cheguei ao ponto que ele precisava. Cada um tinha uma pauta, e cada um fazia a pauta do outro. No final, quem fazia era eu, que via individualmente cada matéria e depois mostrava a minha para todo mundo. Com isso, você dá uma formação profissional para o cara. Quando fui convidado, nem sabia que tinha esse dom de ensinar”, conclui.

O repórter cinematográfico Cleber Schettini saiu da Globo em fevereiro de 2018.

Fontes

Depoimento de Cleber Schettini ao Memória Globo em 04/04/2017.
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