Por Memória Globo

Jarbas Oliveira/Globo

O papel que fez de Antonio Fagundes um astro da TV foi o do conquistador Petrucchio, em 'O Machão' (1974). Durante muitas décadas assumiu o tipo com desenvoltura: basta lembrar que fez par romântico com Camila Pitanga em 'Insensato Coração' (2011). Engana-se, porém, quem o vê apenas como galã. Até o Todo-Poderoso ele já encarnou, no filme 'Deus é brasileiro' (2003), de Cacá Diegues. Antonio da Silva Fagundes Filho nasceu no Rio, mas se mudou para São Paulo logo aos oito anos de idade. Em 1966, ainda garoto, ganhou o seu primeiro prêmio de ator, e, no mesmo ano, entrou para o elenco do Teatro de Arena de São Paulo. Entretanto, desde então, já desejava trabalhar na TV: “Sempre quis fazer televisão. E para os meus colegas do Arena, que era um teatro voltado para a análise e discussão da realidade brasileira, uma coisa mais engajada, fazer televisão naquela época era quase uma afronta”, diz.

O ator tem que ter um domínio muito grande de tempo e da relação com o espectador. Precisa ter conhecimento de dramaturgia para conduzir a atuação para a graça. Tem que ter domínio técnico.

Antonio Fagundes como César, da novela 'Amor à Vida', 2013. — Foto: Acervo Globo

Início da carreira

Antonio da Silva Fagundes Filho nasceu no Rio , mas se mudou para São Paulo logo aos 8 anos de idade. Em 1963, quando ainda era um garoto, fez a peça 'A Ceia dos Cardeais', de Júlio Dantas, no Colégio Rio Branco, onde estudava. “Era uma peça conhecida por ser encenada por atores mais velhos. Nós tínhamos 12 ou 13 anos na época. Nossa montagem na sala de aula fez tanto sucesso que levamos para o teatro do colégio, depois levamos para uma paróquia. Nós fizemos assim uns quatro ou cinco espetáculos e isso despertou a chama do teatro”, conta.

Essa primeira experiência bem-sucedida levou Fagundes a montar um grupo de teatro com colegas de escola, e em 1966 ele ganhou o seu primeiro prêmio de ator, no IV Festival de Teatro Amador, com 'Atlantic’s Queen', de Eugene O’Neil. No mesmo ano, entrou para o elenco do Teatro de Arena de São Paulo, onde trabalhou com Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e Paulo José, entre outros, participando de montagens históricas como 'Arena Conta Tiradentes', e 'A Resistível Ascensão', de Arturo Ui.

O ator participou de outras companhias que fizeram história, como o Teatro Popular do Sesi, montou o seu próprio grupo, a Companhia Estável de Repertório, e escreveu as peças 'Pelo Telefone' (1980) e 'Sete Minutos' (2002), além de interpretar clássicos como 'Gata em Telhado de Zinco Quente' (1976), de Tennessee Williams, e 'Macbeth' (1992), de William Shakespeare. Entretanto, desde os tempos do Arena desejava trabalhar na TV.

Sempre quis fazer televisão. E para os meus colegas do Arena, que era um teatro voltado para a análise e discussão da realidade brasileira, uma coisa mais engajada, fazer televisão naquela época era quase uma afronta.

Fagundes encarou o preconceito e foi tentar a sorte na TV Cultura, onde fez pequenas participações em teleteatros. Na Tupi, trabalhou em alguns capítulos de 'Antônio Maria' (1968), até ser convidado para ser o Cadu de 'Bel-Ami' (1972). Participou ainda da primeira versão de 'Mulheres de Areia' (1973), de Ivani Ribeiro, e interpretou o seu primeiro protagonista em 'O Machão', da mesma autora, inspirada na peça 'A Megera Domada, de Shakespeare'. “Era uma comédia rasgada, quase uma chanchada. Não tinha intervalo e era curta, de 20 minutos. A Tupi colocava a novela no meio da programação da Globo”. 'O Machão' ficou mais de um ano no ar (teve 365 capítulos), sendo uma das novelas de maior duração da TV brasileira.

Entrada na Globo

Somente em 1976, começou a trabalhar na Globo, na novela 'Saramandaia', de Dias Gomes, onde interpretou o popular Lua Viana. Para Fagundes, fazer televisão foi o maior desafio de sua carreira, porque “as condições são adversas”: muito texto e pouco tempo para decorar. Ser protagonista de novela não é fácil, ainda mais quando não se abre mão de espetáculos de teatro, como ocorreu com Fagundes. Para segurar as pontas, é preciso estudar. “O ator tem que ter um domínio muito grande de tempo e da relação com o espectador. Ele precisa ter conhecimento de dramaturgia para conduzir a atuação para a graça. Tem que ter domínio técnico”, observa.

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Webdoc sobre a novela Saramandaia - 1ª versão (1976)

Webdoc sobre a novela Saramandaia - 1ª versão (1976)

Em seguida, atuou em 'Nina' (1977), de Walter George Durst, no papel do imigrante italiano Bruno, que lhe rendeu o prêmio de Melhor Ator da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). “Era uma novela bastante ativa politicamente. O meu personagem era um fascista convicto”, recorda-se.

No ano seguinte, fez o mocinho Cacá, de 'Dancin’ Days' (1978), sob a direção-geral de Daniel Filho. “Daniel pegou muita gente de teatro para fazer a novela, e tinha uma turma grande começando também a fazer televisão. Então, tinha esse frescor que fez com que a novela emplacasse de cara”, diz. Foi a primeira das seis novelas de Gilberto Braga em que trabalhou.

'Dancin’ Days' foi a primeira novela das 20h que Fagundes protagonizou – antes, só participara do horário das 22h. Por isso, o sucesso foi grande. Logo, o ator foi alçado à condição de galã nacional. “O sucesso, para mim, é a tradução de um bom resultado do seu trabalho, ou seja, da aceitação, por parte de um grande número de pessoas, daquilo que você está fazendo. Mas o sucesso traz a fama, e a fama me incomoda. 'Dancin’ Days' mexeu muito comigo.”

Carga Pesada

No fim dos anos 1970, o ator protagonizou, junto com Stênio Garcia, o seriado 'Carga Pesada' (1979), talvez o seu trabalho mais marcante na TV. Por meio das andanças de dois caminhoneiros, Pedro e Bino, a série retratava a diversidade cultural e a vida nas estradas no Brasil, com textos de Dias Gomes, Gianfrancesco Guarnieri, Carlos Queirós Telles e do próprio Fagundes. Foi um enorme sucesso. “Eram personagens populares, então a série pegou uma faixa diferenciada de público, pessoas que normalmente tinham vergonha de dizer que viam novela. Era uma série que tocava os homens, porque eram aventuras, e as mulheres também, porque tinha um apelo romântico. E num horário em que era permitido que a coisa fosse um pouco mais aprofundada. Os autores chegaram a abordar temas importantes como trabalho escravo, reforma agrária”, destaca.

Pedro e Bino eram tão queridos que o seriado 'Carga Pesada' voltou ao ar mais de 20 anos depois, em abril de 2003, com novas aventuras da dupla. Fagundes lembra que foi um grande incentivador da retomada da série com o elenco original. Mas, passado tanto tempo, algumas mudanças eram necessárias. “Queríamos incorporar o fato de que eles estavam mais velhos. Em uma das primeiras cenas, a gente subia e descia do caminhão correndo. Uma hora paramos para esperar mudar a luz e o Stênio estava ofegante, cansado. E falou: ‘Puxa, esse caminhão está mais alto’. E eu falei: ‘É, está 20 anos mais alto'”, brinca.

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Webdoc sobre o seriado 'Carga Pesada' (1979 e 2003)

Webdoc sobre o seriado 'Carga Pesada' (1979 e 2003)

Décadas de sucessos

Com o fim da primeira temporada de 'Carga Pesada', o ator trabalhou em outra série, 'Amizade Colorida' (1981). Fagundes vivia o fotógrafo Edu, homem solteiro perplexo ante a independência da mulher. “Na verdade, a ideia do seriado era fazer uma brincadeira com Malu Mulher, ia se chamar Edu Homem. Era um homem totalmente dominado pelas mulheres, feito de objeto”, lembra. No ano seguinte, protagonizou a minissérie 'Avenida Paulista' (1982), quando interpretou seu primeiro vilão, Alex Torres Xavier.

Ainda na década de 1980, fez mais três novelas de Gilberto Braga: 'Louco Amor' (1983), 'Corpo a Corpo' (1984) e 'Vale Tudo' (1988), em que viveu o administrador de empresas Ivan Meireles, par romântico de Raquel Accioly (Regina Duarte). “Gilberto costumava brincar comigo que eu era o James Stewart dele. Dizia que me dava um papel porque sabia que eu ia fazer, que não precisava se preocupar com aquele personagem. Eu tenho impressão que ele achava que eu lhe dava sorte”, diz. No início da década seguinte veio 'Rainha da Sucata', trama em que interpretou o professor polonês Caio Szimanski, um personagem cômico – tão tímido que ficava gago quando estava nervoso.

Já no ano seguinte, em 'O Dono do Mundo' (1991), interpretou seu primeiro vilão, o cirurgião plástico Felipe Barreto, que descreve como “o maior mau-caráter da história da televisão brasileira”. Isso porque, para o ator, o personagem “não tinha o menor pudor. Haviam cenas muito fortes, até violentas, mas ao mesmo tempo não deixava de ter humor. Era um personagem muito rico”. O ator também atuou numa minissérie do autor, 'Labirinto', de 1998.

Em 1993, interpretou um dos mais importantes papéis de sua carreira, o coronel José Inocêncio, em 'Renascer', de Benedito Ruy Barbosa. Pelo trabalho, ganhou outro prêmio de Melhor Ator da APCA. “Nós saímos pra jantar, e o Ruy falou: ‘Eu quero te contar a última cena da novela…’ E eu fiquei impressionado com aquilo, eu falei: ‘Puxa, nem começou…’ E ele me contou a última cena. E terminamos os dois aos prantos no restaurante, porque era uma cena deslumbrante, eu fico arrepiado até hoje de lembrar. Eu falei: ‘Pelo amor de Deus, eu quero fazer essa novela de todo o jeito.’ E, realmente, eu fiquei com essa cena na cabeça a novela inteira”, recorda-se.

Fagundes trabalhou em mais duas novelas do autor: 'O Rei do Gado' (1996), na qual interpretou dois personagens, Antônio e Bruno Mezenga; e 'Terra Nostra' (1999), como o fazendeiro Gumercindo. Para viver o protagonista Bruno Mezenga, Fangundes passou um tempo no Araguaia, no Mato Grosso, para se inspirar, bem como outros atores do elenco. Deu certo. “Eu conheci um cidadão chamado Gui, que era dono de uma fazenda. Quando eu olhei para ele, eu falei: ‘É o rei do gado.’ Porque ele tinha a roupa igual ao meu figurino, o cabelo grisalho penteado para trás, era gordinho e falava com sotaque. Eu pensei: ‘Vou fazer esse cara.'”

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Webdoc sobre a novela 'O Rei do Gado' (1996)

Webdoc sobre a novela 'O Rei do Gado' (1996)

Em 2001, na novela 'Porto dos Milagres' (2001), de Aguinaldo Silva, Antonio Fagundes interpretou outro personagem marcante, o vilão Félix Guerrero. “Aguinaldo aproveitou muito bem o momento político do Brasil e punha as notícias do jornal direto na boca do personagem. Então, era muito engraçado você ver o personagem agindo pelas notícias que tinham saído no jornal na semana anterior, ou seja, escancarando a falta de vergonha dos nossos políticos?”, lembra.

Do mesmo autor, fez também 'Duas Caras' (2007), como o líder comunitário Juvenal Antena. Em 2011, viveu o empresário Raul Brandão, em 'Insensato Coração', de Gilberto Braga e Ricardo Linhares. No ano seguinte, interpretou o coronel Ramiro Bastos no remake de 'Gabriela', escrito por Walcyr Carrasco a partir da obra de Jorge Amado. Em 2013, Antonio Fagundes voltou a trabalhar sob a direção de Walcyr Carrasco. Desta vez, na novela 'Amor à Vida', interpretando o médico César Khoury. No ano seguinte, 2014, viveu Giácomo na segunda versão de 'Meu Pedacinho de Chão', de Benedito Ruy Barbosa. Dois anos depois, repetiu a parceria em 'Velho Chico', na pele do Coronel Saruê. Em 2019, Antonio Fagundes deu vida a mais um personagem marcante: o escritor Alberto, um dos destaques de 'Bom Sucesso', de Rosane Svartman.

Antonio Fagundes em 'Bom Sucesso', 2019 — Foto: João Cotta/Globo

Cinema e teatro

Antonio Fagundes também fez carreira no cinema. Além de ter interpretado Deus, fez mais de 40 longas-metragens, como 'Leila Diniz' (1987), no qual viveu o cineasta Ruy Guerra; 'Eternamente Pagu' (1988), de Norma Bengell, como Oswald de Andrade; e Villa-Lobos, Uma Vida de Paixão, de Zelito Viana, no papel-título.

Mas a grande paixão de Fagundes continua sendo – desde os tempos de garoto – o teatro. Para ele, quem faz teatro consegue interpretar em qualquer mídia. “O teatro é a base do trabalho do ator, a pátria do ator. É no teatro que nos desenvolvemos e alçamos voo. Ao mesmo tempo, é um salto mortal. O público é quem escolhe e por isso a relação com a plateia tem que ser vital, energética e mágica.”

Entre as peças mais importantes da carreira estão os espetáculos 'Cyrano de Bergerac' (1983), 'Nostradamus' (1986), 'Fragmentos de um discurso amoroso' (1988) e 'Macbeth' (1992).

Fontes

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