Por Memória Globo

Cícero Rodrigues/Memória Globo

Apaixonado por literatura, Aguinaldo Silva se descreve como um “leitor compulsivo”. Tudo o que ouve ou lê tem potencial para se transformar em história. Faz isso com as novelas, mas há muitos anos, quando era adolescente, já tinha o costume de observar e ouvir o som ao redor. Tornou-se jornalista e, depois, autor de tramas de sucesso na televisão: assinou com Dias Gomes Roque Santeiro (1985), colaborou com Vale Tudo (1988) e Tieta (1989). Em seus maiores sucessos estão A Indomada (1997), Senhora do Destino (2004), Fina Estampa (2011) e Império (2014). Esta última levou o Emmy Internacional de melhor novela.

Sou um leitor compulsivo. Leio três jornais por dia e todas as revistas semanais. Estou sempre tirando do noticiário histórias que, eventualmente, poderei vir a utilizar. Também tiro histórias do cotidiano, trechos de conversas que escuto no supermercado ou em qualquer outro lugar. Minha fonte de inspiração é sempre a vida.
Entrevista exclusiva do autor Aguinaldo Silva ao Memória Globo sobre o início de sua carreira como escritor.

Entrevista exclusiva do autor Aguinaldo Silva ao Memória Globo sobre o início de sua carreira como escritor.

“Uma coisa que aprendi escrevendo novela é que não existe tema proibido. Não há tema que o público rejeite, desde que você saiba como tratá-lo”, autor Aguinaldo Silva em entrevista ao Memória Globo, 01/08/2000.

“Uma coisa que aprendi escrevendo novela é que não existe tema proibido. Não há tema que o público rejeite, desde que você saiba como tratá-lo”, autor Aguinaldo Silva em entrevista ao Memória Globo, 01/08/2000.

Entrevista exclusiva do autor Aguinaldo Silva ao Memória Globo sobre seu universo ficcional.

Entrevista exclusiva do autor Aguinaldo Silva ao Memória Globo sobre seu universo ficcional.

Início da carreira

Aguinaldo Silva nasceu em Carpina, Pernambuco, em 7 de junho de 1943. Aos 13 anos, começou a escrever os primeiros poemas, passando depois aos romances. Em 1961, com apenas 17 anos, lançou o livro Redenção para Job. No mesmo ano, começou a trabalhar como jornalista em Pernambuco, na sucursal do Última Hora. Em 1964, após o golpe militar, mudou-se para o Rio, passando a trabalhar na redação carioca do mesmo jornal e, depois, no Jornal do Brasil, quase sempre fazendo reportagens policiais. Em 1969, Aguinaldo Silva ingressou em O Globo, onde exerceu funções de redator, subeditor e editor.

Enquanto fazia carreira no jornalismo, Aguinaldo Silva continuava a se dedicar à literatura. Em 1965, lançou um novo romance, Cristo Partido ao Meio, e, no ano seguinte, Canção de Sangue, que recebeu menção honrosa em concurso literário promovido por O Globo. Em 1966, aos 22 anos, candidatou-se a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. A candidatura não foi levada a sério pelos acadêmicos e foi definida por ele, na época, como um protesto contra a instituição, que não teria o respeito dos jovens. Desde então, Aguinaldo Silva nunca deixou de publicar livros, escritos entre seus trabalhos para imprensa ou televisão. Fazem parte da sua lista títulos como República dos Assassinos (transformado em filme), Sentimental Reasons, No País das Sombras, Lili Carabina, O Homem que Comprou o Rio, Memórias da Guerra e Lábios que Beijei.

Durante os anos de governo militar, envolveu-se na militância política. Em 1969, chegou a ficar preso 72 dias na Ilha das Cobras por ter escrito o prefácio do Diário de Che. Dedicou-se, ainda, à luta contra a discriminação de homossexuais, tendo sido editor do jornal O Lampião, lançado em 1977.

Primeiro trabalho em televisão

Em 1978, Aguinaldo Silva decidiu abandonar o trabalho como jornalista e aceitou o convite para fazer parte da equipe de roteiristas do seriado Plantão de Polícia, lançado em 1979. O seriado tinha por objetivo reproduzir diferentes situações vividas no cotidiano carioca, a partir da ótica de um repórter policial, o Waldomiro Pena, vivido por Hugo Carvana. O fato do personagem central não ser um policial, mas um jornalista, permitiu maior liberdade no desenvolvimento dos episódios, abrindo a possibilidade, inclusive, de criticar a ação da polícia. Para essa experiência, Aguinaldo Silva valeu-se da rica bagagem acumulada em anos de jornalismo, o que o ajudou a dar um tom realista ao programa.

Após o fim de Plantão de Polícia, em 1981, Aguinaldo Silva passou a escrever para outro seriado, Obrigado, Doutor. Nesse mesmo ano, escreveu um episódio do Caso Especial, Maria Bonita, que acabou originando, no ano seguinte, a primeira minissérie da Globo, Lampião e Maria Bonita, assinada em parceria com Doc Comparato. A experiência com minisséries se repetiria no ano seguinte, 1983, quando, novamente em parceria com Doc Comparato, escreveu Bandidos da Falange. A obra era a adaptação de um livro seu de mesmo nome, sucessivamente rejeitado para publicação. Ironicamente, após ser transformado em minissérie, o texto despertou a atenção de editoras, que passaram a sondá-lo sobre a possibilidade de “transformar” a minissérie em livro.

Novelas

O trabalho em minisséries continuou em 1984, assim como a parceria com Doc Comparato, que levou à elaboração de Padre Cícero. Este ano marcou também a estreia de Aguinaldo Silva como autor de novelas, escrevendo Partido Alto com Gloria Perez. Em seguida, escreveu com Regina Braga a minissérie Tenda dos Milagres e dividiu com Dias Gomes os capítulos de Roque Santeiro.

Em 1987, Aguinaldo Silva assumiu efetivamente a responsabilidade de escrever sozinho sua primeira novela, O Outro. No ano seguinte, voltou a participar como colaborador com Vale Tudo, de Gilberto Braga. Em seguida, assumiu Tieta (1989), em parceria com Ana Maria Moretzon e Ricardo Linhares. A colaboração entre ele e Ana Maria Moretzon apareceria também em seus trabalhos seguintes: a minissérie Riacho Doce (1990) e a novela Pedra sobre Pedra (1992), que contou ainda com a redação de Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn.

Em 1993, foi ao ar uma nova novela de Aguinaldo Silva: Fera Ferida. Para esta novela, o autor adaptou diferentes personagens da obra de Lima Barreto. O desejo de trabalhar a partir do escritor surgiu no final da novela Pedra sobre Pedra, quando pensou em adaptar o conto Nova Califórnia para uma minissérie. A ideia amadureceu e, no ano seguinte, a trama de Fera Ferida foi definida a partir de diferentes textos de Lima Barreto. No processo de adaptação, Aguinaldo Silva se preocupou em ser fiel não às tramas ou aos personagens de Lima Barreto, mas ao que ficou consagrado como o estilo do escritor, ou seja, à utilização constante da ironia e da sátira política das cenas.

A novela é uma grande fofoca. É como se você morasse numa rua e ficasse prestando atenção: ‘Olha, fulano fez isso, beltrano fez aquilo’. O segredo é trazer o público para dentro desse universo, tornar a sua história parte do cotidiano do telespectador. As pessoas encontram um ator na rua e o chamam pelo nome do personagem. Porque elas estão tão imbuídas de que aquela história é verdadeira que fazem isso.

Vilãs inesquecíveis

Em 1997, Aguinaldo Silva escreveu A Indomada, criando a fictícia Greenville, cidade nordestina colonizada pelos ingleses. A fusão do sotaque nordestino com expressões inglesas na fala dos personagens propiciou momentos bastante engraçados na novela. Mais uma vez, o autor usou na trama o realismo fantástico, que se tornou uma marca do seu estilo. Situações como a do delegado Motinha (José de Abreu) – que cai num buraco e vai parar no Japão – ou a de Altiva (Eva Wilma) – que vira fumaça jurando voltar para se vingar – são exemplos dos recursos empregados pelo autor.

Para o autor, a fantasia melhora a realidade: “Precisamos levar o telespectador a esse mundo absurdo onde tudo é possível. Tenho a chave que funciona: sempre vou aos poucos. As coisas começam a acontecer de uma forma estranha, os próprios personagens passam a se comportar de maneira incomum e, de repente, dou um tranco: o homem cai no buraco e vai parar no Japão. E o telespectador acha aquilo normal, pois aconteceu tanta coisa menor antes…”.

Após o término de A Indomada, Aguinaldo Silva anunciou que deixaria de escrever novelas por um tempo. A promessa não durou muito. Após um período como roteirista do seriado A Justiceira (1997), escreveu Suave Veneno (1999). A novela marcou a volta do autor às tramas urbanas, que ele havia abandonado desde O Outro.

Em seguida, escreveria Porto dos Milagres (2002), junto com Ricardo Linhares, e Senhora do Destino (2004). Nesse trabalho, criou personagens inesquecíveis, como a vilã Nazaré Tedesco, interpretada pela atriz Renata Sorrah, e o ex-bicheiro Giovanni Improtta, interpretado por José Wilker. Após o término da novela, em 2005, acabou lançando um novo livro: Prendam Giovanni Improtta. Nazaré, aliás, tornou-se uma das maiores vilãs da teledramaturgia, coroando o trabalho de Aguinaldo Silva, que sempre buscou construir antagonistas complexas. Para ele, o desafio de criar esse tipo de personagem é mostrar múltiplas faces: “O bom vilão é canastrão, faz o telespectador rir. Acho que esse é o segredo. Se você fizer o vilão sério, mau, rancoroso, terrível, as pessoas rejeitam, não gostam.”

Aguinaldo Silva gosta de destacar que, assim como suas vilãs, todas as tramas que já escreveu precisam conter boas doses de humor. “E a vida é engraçada, ridícula, grotesca – e, às vezes, dramática. Por isso, acho que o humor é importantíssimo em novela. É a janela, a válvula de escape, a porta através da qual o telespectador se distancia um pouco da barra pesada da sua própria realidade. Como sou uma pessoa bem-humorada, faço tudo para não perder a piada. Acontece muito de eu ter que adaptar algumas cenas para chegar à piada que quero fazer. O humor, para mim, é a coisa mais importante de uma novela.”

Em 2007, assinou a trama de Duas Caras, protagonizada por Marjorie Estiano e Dalton Vigh, e com Antonio Fagundes no papel do líder comunitário Juvenal Antena. Em seguida, escreveu a série Cinquentinha (2009), protagonizada por Susana Vieira, e, em 2011, a novela Fina Estampa, ambientada na Bara da Tijuca, com Lilia Cabral no papel de Griselda Pereira e Christiane Torloni como Tereza Cristina, entre outros.

O bom vilão é canastrão, faz o telespectador rir. É um pouco como o Tom, do desenho animado Tom & Jerry. Ele esmaga aquele ratinho mil vezes por dia, prepara as armadilhas mais ardilosas, mas sempre leva a pior – e todo mundo morre de rir. Os meus vilões são assim. Acho que esse é o segredo. Se você fizer o vilão sério, mau, rancoroso, terrível, as pessoas rejeitam, não gostam.

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Emmy Internacional
Em 2014, Aguinaldo Silva assinou a novela vencedora do Prêmio Emmy Internacional, Império. Dividida em duas fases, a trama conta a história de José Alfredo de Medeiros (Chay Suede/Alexandre Nero), o homem de preto, que constrói uma rede de joalheria cobiçada por seus três herdeiros.
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Outros trabalhos

Além das novelas, Aguinaldo Silva escreveu casos especiais e teleteatros para a Globo. O autor se aventurou também pelo teatro. Escreveu As Tias (1981), com Doc Comparato, Brasil Dourado (1982) e Isadora e Oswald (1984).

Aguinaldo Silva, 2008 — Foto: Cícero Rodrigues/Memória Globo

Fontes

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