Por Memória Globo

Acervo/Globo

Desde o início dos anos 1980, o 'Fantástico' vinha mostrando o drama da população que enfrentava as secas no Nordeste.

Em 11 de maio de 1980, o repórter Francisco José acompanhou a situação de calamidade no interior da Paraíba, onde centenas de pequenos produtores rurais perderam colheitas por causa da seca. O desespero fazia com que, mais de uma vez, feiras livres fossem saqueadas.

Reportagem de Francisco José sobre como a seca no Nordeste estava afetando a vida das pessoas no sertão da Paraíba. 'Fantástico', 11/05/1980.

Reportagem de Francisco José sobre como a seca no Nordeste estava afetando a vida das pessoas no sertão da Paraíba. 'Fantástico', 11/05/1980.

O auge do problema e da cobertura, contudo, seria em 1983. Foram muitas as reportagens sobre o assunto em vários programas jornalísticos da Globo, como se pode ver neste destaque do Memória Globo sobre o tema. Com a possibilidade de realizar matérias mais longas e profundas, o 'Fantástico' mergulhou sobretudo no drama humano.

Em 16 de janeiro, uma reportagem mostrou que não chovia sobre 1,4 mil municípios nordestinos havia quatro anos. Em 21 de agosto, o tom já era de mobilização: no Rio de Janeiro, a Igreja estava coletando doações para as vítimas, nas missas. Em 4 de setembro, mais uma reportagem mostrou a tentativa de construção de um açude no sertão da Paraíba, e o lançamento da campanha que a TV Globo estava realizando junto com a LBA (Legião Brasileira de Assistência), para arrecadar donativos pelo país.

Um dos principais focos das matérias do 'Fantástico' foi em mulheres abandonadas pelos maridos. Enquanto eles partiam para as metrópoles em busca de oportunidades, elas ficavam com os filhos, sem emprego e sem comida no prato. Nas palavras de Francisco José, em depoimento ao Memória Globo:

Euclides da Cunha fala que o sertanejo é antes de tudo um forte, mas a mulher sertaneja é que é antes de tudo forte, porque elas seguravam as barras. E aí eu dei o título dessas mulheres de 'viúvas da seca', eram as mulheres que perdiam os maridos e ficavam mantendo as famílias.
— Francisco José

A reportagem inicial a tratar desse abandono das mulheres, em 11 de setembro de 1983, foi tão impactante que acabou rendendo suítes (quando há novas matérias repercutindo ou destrinchando aspectos da original), que mostraram também como a campanha Nordeste Urgente estava mobilizando milhares de pessoas.

O repórter João Batista Olivi foi ao interior do Ceará para mostrar como se viravam algumas delas, consideradas "viúvas da seca", por conta do abandono dos maridos. A matéria registrou uma fila de emprego apinhada de mulheres e deu um dado trágico: no cemitério da cidade havia 13 covas de adultos e 40 de crianças. Por conta da falta de espaço, a população acabou criando uma espécie de cemitério clandestino para enterrar mais crianças. O lugar ficou conhecido como "Cemitério dos Anjinhos".

Olivi foi à casa de dona Maria Rosa, uma dessas "viúvas": ela tinha cinco filhos e esperava o sexto. O marido havia partido há alguns meses, e o orçamento familiar era composto apenas pelo salário do filho de 13 anos.

Uma cena impactante, ao fim da reportagem, causou comoção, fazendo inclusive o repórter chorar: um dos filhos de Maria Rosa, José Clayton, brincava com ossinhos de animais mortos por causa da seca. Em sua imaginação, ele montava uma fazendinha, em que cada ossinho representava um bicho. Um deles tinha até nome: o touro Azulão.

O repórter João Batista Olivi mostra a situação das 'viúvas da seca', mulheres do interior do Ceará abandonadas pelos maridos, sem trabalho e sem comida para manter os filhos. 'Fantástico', 11/09/1983.

O repórter João Batista Olivi mostra a situação das 'viúvas da seca', mulheres do interior do Ceará abandonadas pelos maridos, sem trabalho e sem comida para manter os filhos. 'Fantástico', 11/09/1983.

No dia 18 de setembro, reportagem sobre a adesão de gente de todo o país à campanha Nordeste Urgente contou com depoimento do Cardeal Dom Eugênio Salles e show para uma multidão em São Paulo.

O cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, dom Eugênio Salles, faz a abertura da campanha "Nordeste Urgente". Ancoragem de Cid Moreira. 'Fantástico', 18/09/1983

O cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, dom Eugênio Salles, faz a abertura da campanha "Nordeste Urgente". Ancoragem de Cid Moreira. 'Fantástico', 18/09/1983

Em 9 de outubro, foram mais três reportagens sobre a campanha. No dia 16, cerca de um mês depois da primeira visita, João Batista Olivi voltou a encontrar dona Maria Rosa, o menino José Clayton e seus irmãos. Mostrou que a situação havia melhorado um pouco por conta das doações. Levou inclusive encomendas enviadas à TV Globo por gente que viu a primeira matéria, como brinquedos e roupas.

Um mês depois da primeira reportagem, João Batista Olivi volta e mostra que Maria Rosa, uma das 'viúvas da seca' no Nordeste, estava recebendo doações. 'Fantástico', 16/10/1983.

Um mês depois da primeira reportagem, João Batista Olivi volta e mostra que Maria Rosa, uma das 'viúvas da seca' no Nordeste, estava recebendo doações. 'Fantástico', 16/10/1983.

Após mais algumas matérias em novembro sobre a campanha, o programa de 25 de dezembro teve mais uma visita à família de Maria Rosa, dessa vez pelo repórter Francisco José. O objetivo foi mostrar que o novo bebê havia nascido com saúde, apesar de tantas dificuldades. A mãe resolveu dar o nome de João Batista, em homenagem ao repórter que fez a primeira matéria. Clayton brincava agora também com bichinhos de plástico, sem nunca abandonar, contudo, os ossinhos que emocionaram o país.

O repórter Francisco José visita Maria Rosa, uma das 'viúvas da seca' e mostra que seu filho nasceu com saúde, apesar de ter passado fome durante a gestação. 'Fantástico', 25/12/1983.

O repórter Francisco José visita Maria Rosa, uma das 'viúvas da seca' e mostra que seu filho nasceu com saúde, apesar de ter passado fome durante a gestação. 'Fantástico', 25/12/1983.

A família seria visitada ainda uma última vez no ano seguinte. Foi em 20 de maio, mais uma vez com João Batista Olivi. Neste dia, Maria Rosa e a família almoçaram feijão e até carne de ovelha.

Repórter João Batista Olivi volta à casa de Maria Rosa para mostrar que, a partir das doações, sua família voltou a ter alguma dignidade e não passava mais fome. 'Fantástico', 20/05/1984.

Repórter João Batista Olivi volta à casa de Maria Rosa para mostrar que, a partir das doações, sua família voltou a ter alguma dignidade e não passava mais fome. 'Fantástico', 20/05/1984.

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