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    Viagem pelo mar da Noruega revela variedade gastron�mica que vai muito al�m do bacalhau

    PRISCILA PASTRE-ROSSI
    ENVIADA ESPECIAL � NORUEGA

    29/08/2012 04h21

    Fazia cerca de 14�C, num dia de mar calmo e absurdamente azul. Era um baita calor para os noruegueses, familiarizados com temperaturas que chegam, em tempos de inverno, a -40�C.

    O desafio era o seguinte: as 12 pessoas a bordo do barco Symra - marinheiros, diplomatas, chefs e jornalistas - s� comeriam o que conseguissem pescar, fosse bacalhau ou outros peixes quaisquer. Se � que conseguiriam...

    O barco saiu de Henningsvaer, ao norte do pa�s, em dire��o a Vestfjorden, um trajeto de cerca de 30 km.

    Logo o capit�o come�ou a dar as orienta��es. Com cabelos grisalhos e pele curtida de sol, Geir Martin exibia um indefect�vel ar de Clint Eastwood dos mares: "S� vamos parar quando o 'fish finder' [um tipo de sonar] acusar um bom cardume abaixo de n�s".

    Marius Fiskum/Folhapress
    O chef Einar Halstensen prepara peixes como cavalinha e hadoque que tinham acabado de ser pescados
    O chef Einar Halstensen prepara peixes como cavalinha e hadoque que tinham acabado de ser pescados

    Depois de uns 40 minutos, o barco parou. Cada um escolheu um lugar de onde liberaria a linha, enrolada em uma manivela, at� que o anzol chegasse quase ao fundo.

    Come�ou a gin�stica, o sobe e desce do anzol para atrair os peixes. E n�o demorou para que esta rep�rter percebesse que havia algo ali. Era t�o pesado que foi preciso chamar um pescador experiente para ajudar.

    Os olhos dele brilhavam, em um misto de alegria e inveja do prov�vel grande feito da iniciante. M�quinas a postos. Cora��o disparado.

    At� que, num pux�o forte e definitivo, a linha subiu. Sem peixe, nem anzol. "Ficou preso, foi arrancado", disse o pescador. Por um peixe gigante? "N�o. Provavelmente, por um emaranhado de algas", contou, indiferente.

    O almo�o teria de esperar, at� que um peixe desavisado resolvesse abocanhar a isca.

    A aventura naquele dia de sol era apenas uma parte de uma semana de viagens que percorreram a costa e o interior do pa�s do norte da Europa. Ao longo desse per�odo, al�m do bacalhau, a reportagem se deparou no mar ou � mesa com peixes como arenque e cavalinha. Conclus�o?

    Essa Noruega gastron�mica de pouca visibilidade para os brasileiros merece ser conhecida. Ao longo de 101 mil km, extens�o da costa se contadas as ilhas, h� mais de 40 esp�cies de peixes.

    A reportagem do "Comida" saiu para a pesca no norte da Noruega a fim de conhecer a variedade de peixes do pa�s europeu. Esse card�pio ecl�tico contribui para que a Noruega seja o segundo maior exportador de peixes do mundo. Perde para a China.

    Como os meses de julho e agosto s�o bons para a pesca na regi�o, tudo indicava que o barco logo estaria abarrotado n�o apenas de bacalhau mas tamb�m de arenques, cavalinhas, hadoques.

    Mas na pesca � preciso ter sorte. Foi a chef Heloisa Bacellar, do restaurante L� da Venda, em S�o Paulo, quem garantiu o almo�o ao pegar 13 peixes. Esta rep�rter pescou duas cavalinhas, mas teve de devolver uma porque a legisla��o norueguesa n�o permite a retirada de peixes com menos de 20 cm.

    Das armadilhas no mar, vieram os caranguejos e o halibute, peixe achatado, de cabe�a pequena. A pr�xima parada foi em uma das ilhas de Lofoten para, finalmente, fazer o almo�o na grelha que j� estava a postos, � beira-mar.

    O mais saboroso era o cod que, no Brasil, chega como bacalhau - depois de passar pelo processo de salga e secagem. Mas ali foi provado fresco, com sabor delicado. Outro sucesso foi o halibute, que s� precisou de grelha e uma pitada de sal.

    Em outro barco, um antigo baleeiro que saiu de Tromso, tamb�m no norte, a reportagem provou o famoso salm�o noruegu�s. Servido cru, estava tenro, fresco e saboroso.

    Entre os peixes e crust�ceos dos mares da Noruega, o Brasil recebe apenas o bacalhau, o arenque e o caranguejo. H� sondagens em curso de empresas nacionais para trazer o salm�o noruegu�s.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Raio-x Noruega

    Popula��o 5 milh�es

    IDH * 1� lugar do ranking mundial

    Economia As tr�s ind�strias mais importantes s�o petr�leo, metais e pesca

    Extens�o da Costa 100.915 km (incluindo ilhas)

    130 � o n�mero de pa�ses para os quais a Noruega exportou peixes e frutos do mar no ano passado

    57% das exporta��es de peixes da Noruega se restringem a duas esp�cies: salm�o e trutas. Os maiores mercados s�o Fran�a, R�ssia, Pol�nia e Dinamarca

    1843 foi o ano em que a Noruega come�ou a exportar bacalhau para o Brasil

    SALM�O E TRUTA
    A pesca � a terceira principal ind�stria da economia norueguesa - fica atr�s somente de petr�leo e metais.

    De acordo com o Conselho Noruegu�s de Pesca, a produ��o de peixes no pa�s � dez vezes maior que a de carne e a de frango somadas.

    Salm�o e truta s�o destaques, com 57% do total das exporta��es, voltadas principalmente ao mercado europeu. As exporta��es de peixes secos e salgados correspondem a 10%, e s�o destinadas especialmente a Brasil e Portugal.

    A FANT�STICA F�BRICA DE BACALHAU

    Voc� sabe que chegou � Fjordlaks, a maior f�brica de bacalhau do mundo, que fica na cidade de Alesund, na Noruega, pelo cheiro.

    J� na porta, s�o entregues uma capa de pl�stico, uma touca, uma prote��o para a sola do sapato e outra para o nariz. Nada adianta.

    O cheiro do peixe salgado, que tem no Brasil o seu maior mercado, invade roupas, cabelos, t�nis e poros.

    Marius Fiskum/Folhapress
    Peixes passam pela salga em Fjordlaks, na Noruega
    Peixes passam pela salga em Fjordlaks, na Noruega

    Segundo John-Erik Mathiesen, coordenador de produ��o e vendas da Fjordlaks, saem dali 8.000 toneladas de bacalhau por ano - cerca de 60% desse total s�o vendidos para o Brasil.

    "Voc�s [brasileiros] consomem muito mais bacalhau que os noruegueses. Aqui, a gente come mais o peixe fresco."

    A visita � f�brica mostrou as etapas que fazem com que o cod (Gadus morhua), conhecido como o leg�timo bacalhau), o saithe, o ling e o zarbo se transformem no bacalhau, o peixe salgado e seco.

    Numa fria
    A visita come�a no port�o de entrada da mercadoria. Os peixes frescos chegam de barco e s�o separados por tipo. Seguem para uma c�mara refrigeradora, onde podem ficar armazenados por at� um ano.

    O grupo foi levado a um dos dois freezeres. Quando a porta de ferro foi aberta, n�o dava para ver quase nada. A n�voa formada pela baix�ssima temperatura (-30�C) tomava conta do galp�o - com capacidade para 4.000 toneladas de peixe.

    Numa fria maior ainda
    Todos entraram no imenso freezer. Permitam-me aqui descrever minha breve, mas assustadora, experi�ncia. Foto daqui e dali, s� percebi que o grupo havia sa�do quando ouvi a porta fechando.

    Faltava uns 20 cm para cerrar completamente quando gritei, do fundo do galp�o: "Estou aqui!" para Mathiesen, que guiava a visita e era a �nica pessoa que eu ainda conseguia ver pela fresta.

    Marius Fiskum/Folhapress
    Bacalhau � colocado em caixas para envio ao Brasil
    Bacalhau � colocado em caixas para envio ao Brasil

    Por instantes, temi ser esquecida ali, em um frio insuport�vel de -30�C.

    Mesmo com o barulh�o da f�brica, ele ouviu o chamado, para o meu al�vio. A porta fechou, mas Mathiesen acionou o bot�o para reabri-la. Pude sair, enfim, sob os aplausos do grupo.

    Na salga - 1
    Quando saem do freezer, os peixes ficam de molho em um tanque, com �gua a 0�C, para descongelar. Cerca de 15 horas depois, est�o prontos para passar pelo primeiro processo de salga.

    S�o dispostos em camadas que receber�o, literalmente, uma chuva de sal. Sal que se espalha pelo ch�o de toda a f�brica. Os peixes voltam a ser estocados.

    Na salga - 2
    Ap�s tr�s semanas, seguem para um tanque, onde s�o lavados para receber novo jato de sal. O processo de salga � feito duas vezes para tentar retirar o m�ximo poss�vel de umidade dos peixes.

    Ficar�o armazenados por outras tr�s semanas, em uma sala climatizada, antes de passarem pelo controle de qualidade - os que n�o estiverem salgados o suficiente ser�o descartados ou passar�o pela salga novamente.

    Rumo ao Brasil
    As caixas que estavam embalando os lotes de bacalhau no dia da visita � f�brica tinham destino certo: Brasil.

    Nelas estava escrito, em portugu�s: "bacalhau da Noruega". S�o as caixas que podem ser vistas no Mercado Municipal paulistano.

    Ali, conhecido como o metro quadrado que mais vende bacalhau no mundo, a pe�a do Gadus morhua - que costuma ter entre 5kg e 8kg - sai por cerca de R$ 60, o quilo.

    CARANGUEJO REAL � SERVIDO AT� COMO SORVETE
    Come�ou neste m�s e vai at� janeiro a temporada de king crab na Noruega. No Brasil, ele chega com o nome de caranguejo vermelho real.

    Saboroso, com pouca gordura e rico em prote�nas, � t�o popular no pa�s europeu que existem endere�os especializados no seu preparo.

    A Folha foi ao restaurante C & C, em Alesund, e provou seis pratos com o caranguejo. A versatilidade impressiona. Primeiro, foram servidas as patinhas. Depois, gratinado, defumado, em bolinho, recheado e at� gelado. Para este �ltimo, foi feito um molho bisque com o king crab, levado para gelar e servido na pr�pria casquinha.

    Confira uma receita de tortilha de beterraba com arenque.

    A jornalista PRISCILA PASTRE-ROSSI viajou a convite do Conselho Noruegu�s da Pesca

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