• Alexandra Forbes
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Peixe (Foto: Maurício Nahas)

(Foto: Maurício Nahas)

Em 2017, sofrendo de intensas dores pouco depois de operar a coluna vertebral, o chef paranaense Alberto Landgraf subiu ao palco do fórum gastronômico Omnivore, em Paris – onde já palestraram cozinheiros míticos como Alain Passard e Michel Bras –, dopado de morfina. “Só assim consegui ficar em pé e apresentar meus pratos”, conta. A possibilidade de ficar de fora de um dos principais eventos da gastronomia no mundo era nula – não só pela importância do evento, mas por se tratar de Landgraf, um workaholic confesso que trabalha até 20 horas por dia sem perder a intensidade e o perfeccionismo.

(Em tempo: a doída e lenta recuperação que o prendeu à cama por quatro meses começou depois de ele se lesionar fazendo crossfit três vezes por dia. Mais um indício do quão obsessivo Landgraf pode ser quando se dispõe a uma atividade.) Hoje, toda essa dedicação está centrada em um só local, o restaurante Oteque, a maior sensação da gastronomia carioca desde a sua inauguração, em março.

Peixe (Foto: Maurício Nahas)

O salão com design de Bel Lobo (Foto: Maurício Nahas)

Landgraf, filho de um lavrador descendente de alemães e de uma dona de casa filha de japoneses,  sempre foi “intenso demais”, como ele mesmo define. Sua família diz que ele já nasceu com essa fome de dar 110% de si e de ganhar de todos. “Desde pequeno o Bertinho tinha muita vontade, sempre foi estudioso”, conta Alberto Landgraf pai. “Ele era bom até demais. Uma vez a professora fez um teste de QI e a nota saiu muito alta. Isso estragou ele. O Bertinho não queria mais saber de estudar tanto.”

Já na adolescência, o garoto obstinado dava sinais de que era grande demais para Maringá, uma das principais cidades do interior do Paraná, com pouco mais de 400 mil habitantes. Mal passou no vestibular para a faculdade de Física e se mandou para Londres com uns trocados no bolso. Entre lavar pratos e conseguir uma vaga numa cozinha profissional foi um pulo. “Quando Bertinho foi embora, ele não sabia nem fritar um ovo”, diz o pai, com sotaque carregado. “Daí voltou da Inglaterra isso aí.”

Peixe (Foto: Maurício Nahas)

Lambretas no vapor (Foto: Maurício Nahas)

Peixe (Foto: Maurício Nahas)

Boudin de foie gras e pupunha com molho de tucupi (Foto: Maurício Nahas)

Foram cinco anos por lá, trabalhando para dois chefs de renome: Tom Aikens e Gordon Ramsay. Depois seguiu para Paris para estagiar com o lendário Pierre Gagnaire. Atuou também em um açougue tradicional de Mayfair, em Londres, seu último trabalho na Europa. Foi lá que aprendeu muito do que sabe sobre cortes e maturação de carnes.

Ao voltar da Europa, Landgraf foi morar em São Paulo, onde arrumou emprego gerenciando o setor de comidas do grupo CIATC (dono dos restaurantes e bares Astor, Pirajá e Lanchonete da Cidade). Era tão rígido e autoritário que acabou gerando um desgaste entre os funcionários e teve de sair. Em seguida, abriu com sócios investidores o Epice, que viria a ser eleito o melhor restaurante contemporâneo da cidade, à frente até mesmo do D.O.M., e a ganhar uma estrela Michelin. Em 2015, elegeu-se o primeiro no ranking de jovens talentos da América do Sul da revista inglesa FOUR.

“Ele veio da roça, de um lugar muito humilde. É incrível ver como é inteligente e chegou mais longe do que tanta gente que teve mais oportunidades”, diz Nathalie Passos, de 24 anos, sua namorada loira e gata. Começaram a sair em 2015, depois que ele a xavecou pelo Instagram. Hoje, ele a considera sua “alma gêmea” e “parceiraça”, e não quer saber de outra mulher. O namoro começou quando ele a convidou para jantar enquanto vivia um conturbado relacionamento com uma celebridade televisiva e cultivava flertes com um séquito de admiradoras.

Landgraf tem trabalhado de 15 a 20 horas por dia. Nathalie aceita numa boa. “É um momento delicado, nasceu o ‘filho’ dele”, afirma, referindo-se ao Oteque. A namorada entende a situação porque também é cozinheira e sofreu quando abriu seu restaurante Naturalie, eleito há pouco o melhor vegetariano do Brasil. Quando a poeira baixar, pretendem se casar.
Landgraf se cobra na mesma intensidade que exige de seu time.

O premiado chef inglês James Lowe, do Lyle’s, ficou impressionado com o rigor e a dedicação da equipe quando cozinhou com ele, em 2014. “É o caso raro de um cara que sabe inspirar as pessoas.” O próprio Landgraf confessa ser meio durão. “Venho de uma escola inglesa, bruta. É a Nath, muito mais sensível do que eu, que me dá uns toques quando vê que estou forçando demais.”

Os jovens cozinheiros do Oteque estão habituados ao ritmo pesado de trabalho. A maioria tem no currículo restaurantes internacionais pluriestrelados como Le Bernardin (Nova York) e Piazza Duomo (Alba, Itália). “No Epice, treinei meus cozinheiros do zero. Faltava grana para contratar bons profissionais. Desta vez, abri as portas com um dream team”, diz. O Epice era apertadinho e ruidoso e tinha uma cozinha minúscula. “Eu me sentia confinado e os defeitos do espaço me atormentavam”, conta. “Naquela época, fui forçado a jogar com as cartas que me deram. Agora, eu escolhi as cartas.”

Para começar, no Oteque ele fez uma cozinha três vezes maior e aberta para o salão. Ganhou da Electrolux equipamentos caríssimos e de última geração, incluindo um forno que permite gravar em uma chave USB detalhes de tudo o que já foi assado nele. As lindas facas e tábuas e a churrasqueira japonesa de tijolos refratários vieram de Tóquio.
Há um acondicionador de carnes em maturação e um imenso aquário contendo lagostins, camarões e ostras de mangue. Quase tudo à vista dos clientes.

Peixe (Foto: Maurício Nahas)

(Foto: Maurício Nahas)

Há seis lugares na kitchen table, onde se assiste ao show de camarote, e mais seis mesas redondas (de madeira rústica, do Estúdio Bola) distribuídas pelo salão sóbrio de paredes de tijolos, desenhado pela arquiteta Bel Lobo. Os próprios cozinheiros servem e explicam os pratos.

A comida lembra bastante a do Epice. Landgraf gosta de formar conjuntos harmoniosos a partir de dois ou três elementos díspares. Batata-doce e creme de castanha. Trilha e alho-poró. Brócolis, creme de castanha-de-caju, couve seca. Sorvete de milho, tangerina, trigo-sarraceno. Nada de firulas na apresentação. Pratos e cumbucas de cerâmica fina. Foco total no frescor e na qualidade de cada ingrediente, sem mascarar com molhos ou temperos em excesso.

Nessa nova fase, peixes e frutos do mar são os protagonistas do menu. Os pés de porco recheados da fase paulistana deram lugar a pratos mais leves e com mais cara de Rio de Janeiro. Há anos defensor ferrenho da pesca sustentável, Landgraf só serve peixes do melhor fornecedor do país, o Amaral.

O Oteque reflete tudo o que o cozinheiro, de 38 anos, aprendeu desde que partiu da cidade onde cresceu comendo o yakissoba da mãe e o macarrão da avó. É um restaurante aparentemente simples. A vibe é casual; os adornos, poucos; os preços, bem mais baixos que os dos concorrentes diretos. Mas detalhes como taças de cristal Zalto – as melhores do mundo – e o teto revestido com o mesmo isolamento acústico usado no cinema da casa do Walter Salles – somados à comida impecável, resultam em uma experiência que nenhum chef no Rio consegue superar. Tem tudo para ser um dos melhores do país. Para Alex Atala, “Alberto é, sem dúvida, uma das maiores promessas da cozinha brasileira. São Paulo perdeu um grande chef e o Rio ganhou um grande restaurante”. Nós fazemos coro.