Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, com anel usado pra tratamento do sono (Foto: Foto: Getty Images / Arte: GQ Brasil)

Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, com anel usado pra tratamento do sono (Foto: Getty Images / Arte: GQ Brasil)

Durante treinos e partidas recentes do Palmeiras, um anel prateado no dedo indicador de Abel Ferreira chama a atenção. O que pode parecer um mero acessório de metal é, na realidade, um dispositivo que monitora a qualidade do sono do técnico do Alviverde.

Assim como outros atletas profissionais no Brasil, incluindo os jogadores da Seleção Brasileira, Abel passou a usar o anel como parte de um conjunto de hábitos que tem adotado para dormir melhor, em meio à rotina intensa de treinamentos, campeonatos e compromissos profissionais.

Segundo o médico otorrino Roberto Beck, que há meses atende o técnico e outros atletas do Palmeiras, o anel possui sensores de temperatura, frequência cardíaca e saturação de oxigênio que, com o auxílio de um aplicativo de celular, gera relatórios periódicos que indicam como anda a qualidade do sono do usuário.

“O anel monitora todos esses dados porque, quando estamos dormindo, diminui a nossa frequência cardíaca e a temperatura corporal. Então, ali, o dispositivo entende que a gente está em repouso, e é através dessa variação que ele consegue medir se estamos num estágio leve ou profundo de sono," explica Beck.

“Rotina maluca”

Abel Ferreira, usado o anel do sono, em partida contra o Corinthians válida pelo Campeonato Brasileiro (Foto: Getty Images)

Abel Ferreira, usado o anel do sono, em partida contra o Corinthians válida pelo Campeonato Brasileiro (Foto: Getty Images)

O otorrino, que também é médico-assistente do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas, em São Paulo, conta que foi procurado a partir de uma demanda de cuidado com o sono e queixas do próprio treinador, mas pondera: “Não é apenas dele [Abel], é uma demanda de muitos atletas profissionais. É um negócio geral”.

“Essa é uma questão muito mais comportamental, de todo o contexto que ele estava vivendo, do que propriamente um problema orgânico, até porque ele é ex-atleta, um cara rígido”, avalia.

Sobre a rotina dos jogadores brasileiros, Beck comenta: “Às vezes, eles têm três partidas por semana e vão dormir à meia noite, uma hora [da manhã]. Depois do jogo ficam pilhados, não conseguem dormir e tem que acordar para treinar no dia seguinte. Então, o grande problema é a rotina maluca, né?! (...) Se for pensar do ponto de vista da saúde, é insano.”

"Higiene do sono"

A partir dos relatórios gerados pelo anel, é preciso buscar intervenções específicas ligadas à "higiene do sono”, a depender das alterações corporais monitoradas pelos sensores, explica Beck.

De acordo com o médico, práticas de higiene do sono voltadas a treinadores e atletas profissionais incluem não treinar com muita intensidade à noite, não comer alimentos pesados antes de dormir, evitar o uso de cafeína e estimulantes após as 16 horas, e manter uma iluminação escura no quarto perto da hora de dormir.

O otorrino afirma ainda que as dicas para tentar evitar noites de insônia valem também para a população em geral, por se tratar de “um problema da sociedade, muito relacionado à qualidade de vida, aos hábitos diários e à falta de rotina”, mas reitera que o cuidado com o sono entre Abel e os atletas profissionais requer uma atenção específica.

Além de importante para a recuperação neuromuscular e liberação de toxinas presentes nos músculos, o sono é o momento em que são produzidos hormônios importantes para o desenvolvimento humano, como os de crescimento e a testosterona, segundo Beck.

“Tudo isso acontece enquanto estamos dormindo e, se a gente não tiver uma boa noite de sono, não vai ter uma boa recuperação e nem a cabeça funciona bem. Então, [sintomas como] alteração de concentração, de memória, tudo isso vem no dia seguinte, daí a importância dessas avaliações para essa população específica [de atletas]”, segue.

Questionado sobre o retorno de Abel sobre os novos hábitos, que incluem o anel e as práticas de higiene do sono, o médico conta que o treinador diz “ter melhorado, que está indo bem”. 

O especialista comenta que, assim como outros dispositivos, a exemplo dos smartwatches, que monitoram atividades corporais via sensores, o que torna o anel inacessível a boa parte da população brasileira que também sofre com insônia é seu custo.

O Oura Ring, modelo usado por Abel, por exemplo, pode ser encontrado por US$ 300 no portal da marca e é vendido por valores que variam de R$ 4.000 a R$ 5.000 em sites nacionais de compra online.

Abel Ferreira para a GQ Brasil (Foto: Daryan Dornelles)

Abel Ferreira para a GQ Brasil (Foto: Daryan Dornelles)

Alternativas

Ainda segundo Beck, em 70% dos casos que acompanha é possível resolver problemas relacionados à insônia com a mudança de hábitos, mas lembra que, para alguns pacientes, é preciso prescrever medicações em paralelo às práticas de higiene do sono.

“Existem os indutores do sono para aqueles pacientes que têm problemas para dormir, como a melatonina, por exemplo, cujo uso deve ser regular, tomar todo dia, no mesmo horário, para que ela possa surtir efeito. Ela é um hormônio que nós já produzimos diariamente quando escurece. Então, quando a gente toma como suplemento, é para dar um ‘boost’ e conseguir melhorar a qualidade do sono”.

Não tão acessível no Brasil quanto a melatonina, alguns derivados de cannabis, chamados fitocanabinoides, também têm sido indicados como alternativa medicamentosa a pacientes com quadros de depressão e ansiedade, de acordo com Beck.

“A cannabis medicinal tem ajudado bastante. Existe um derivado da cannabis em específico que é o canabinol, o CBN, que está muito relacionado à indução e manutenção do sono, então é uma nova possibilidade terapêutica que a gente tem”, conclui.