Vozes do Agro

Por Leila Harfuch, Gustavo Lobo e Lauro Vicari*


Em 2023, a Agricultura Familiar (AF) recuperou holofotes na política agrícola. Com um Plano Safra próprio, com ações transversais, o Pronaf, programa de crédito para AF chegou a R$ 71,6 bilhões, em um crescimento nominal de 35% frente à safra anterior. Para 2024/25 são aguardadas novas medidas capazes de fomentar a produção deste importante segmento da agricultura, com grande papel na segurança alimentar e na sustentabilidade.

Apesar do recente crescimento da oferta de recursos para a AF, ainda são observados gargalos no acesso ao crédito. Problemas como a inadimplência, o não cumprimento de condições de acesso (inscrição no Cadastro Ambiental Rural, por exemplo), a falta de Assistência Técnica (ATER) e a vulnerabilidade social são situações que deixam milhões de produtores de fora da política.

Entre as safras 2013/14 e 2022/23, registrou-se uma redução de cerca de 170 mil beneficiários do Pronaf, que passaram de 1 milhão para 833 mil contratantes. Deste último registro, apenas 143 mil (17%) eram estreantes na política (considerando desde 2013/2014). O gráfico 1a evidencia esta situação, que vem se intensificando ao longo do tempo, ao passo que pode estar contribuindo para a concentração, dado que a maior parte dos atuais beneficiários são aqueles já usuários da política. Acende-se o alerta para o esgotamento do Pronaf na capacidade de promover a inclusão.

Produtores (CPFs/CNPJs) contratantes do Pronaf por safra por situação (entraram ou mantiveram – gráfico a) e subprograma (entrantes – gráfico b) — Foto: Elaborado por Agroicone com base no SICOR/BCB
Produtores (CPFs/CNPJs) contratantes do Pronaf por safra por situação (entraram ou mantiveram – gráfico a) e subprograma (entrantes – gráfico b) — Foto: Elaborado por Agroicone com base no SICOR/BCB

Ainda que o cenário seja desafiador, outro achado traz esperanças e aponta para um importante caminho. Pelo gráfico 1b, observa-se que as linhas rotuladas com finalidade sustentável do Pronaf (Agroecologia, Bioeconomia, Floresta e Semiárido) crescem a taxas crescentes a cada safra (ainda que em montante menor que as demais). Este fato deve ser considerado como uma janela de oportunidade, dada a necessidade de instrumentos que auxiliem na relação com o cenário presente e cada vez mais intenso de mudanças do clima. Ainda, as linhas de investimento do Pronaf têm reduzido a área financiada nos últimos três anos-safra, alcançando apenas 1,6 milhão de hectares dos 8,9 milhões de hectares financiados no total de custeio e investimento.

Uma mudança de trajetória é necessária no atual ritmo de inclusão do Pronaf e uma forma de promovê-la é avançar juntamente com a sustentabilidade. Levar o crédito aos produtores mais marginalizados, com dificuldades financeiras e em risco de desativação de sua produção é tático do ponto de vista da política. Fazer isso, considerando que os eventos extremos e o aquecimento global são o empurrão final da desativação destes produtores, torna-se estratégico.

Esse processo de inclusão orientada à sustentabilidade tem potencial de pavimentar o caminho para uma agropecuária familiar mais resiliente e preparada para o cenário crescente de mudanças climáticas. Essa inclusão combinada com condições de contorno, como a facilitação dos colaterais (via fundo garantidor, por exemplo), e uma reformulação da política de ATER, renovariam o ciclo de processos virtuosos do Pronaf.

Além dos incentivos já adotados no Plano Safra 2023/2024, como redução na taxa de juros de custeio para financiar a produção de alimentos e produtos da sociobiodiversidade, um grupo de incentivos pode ser aplicado levando em conta o próprio histórico do produtor e sua jornada de sustentabilidade.

 — Foto: Globo Rural
— Foto: Globo Rural

O argumento de que produtores que contratam de forma recorrente em linhas com finalidade sustentável, para manutenção ou expansão de seus empreendimentos, vêm se dedicando de forma mais intensa à transição e, portanto, expandindo a sua capacidade de redução de externalidade ambientais negativas, é um bom meio para enxergar oportunidades de fomento. Um desconto de 0,5 p.p na taxa de juros do empréstimo pode ser uma boa medida.

Conforme análise por meio dos microdados do SICOR/BCB, a proposta teria o potencial de alcançar cerca de 1.500 produtores, considerando o período das cinco safras anteriores até dezembro de 2023, caso estivesse em vigor.

Partindo de uma lógica similar, o incentivo poderia ser aplicado também a outros dois casos. O primeiro, para produtores que contrataram crédito para custeio após a contratação em linhas rotuladas, sendo os financiamentos relacionados à mesma gleba. Tal desenho, no mesmo período especificado acima teria como beneficiários até 13,6 mil produtores, havendo outros 70 mil elegíveis, mediante contratação do custeio, segundo o levantamento. O segundo caso, aplica-se aos produtores entrantes no Pronaf por meio das mencionadas linhas, ou seja, aqueles que nunca contrataram crédito e ingressaram com um intuito de promover a transição.

Incentivos bem desenhados podem fazer a diferença na correção dos rumos das políticas. No caso da AF, o atual quadro do Pronaf é preocupante do ponto de vista da inclusão, mas oportunidades emergem capitaneadas pelas linhas voltadas à sustentabilidade. Não poderia haver contexto mais oportuno, ainda que igualmente desafiador, dado a mudança climática cada vez mais sentida no campo. O Plano Safra 24/25 é a janela para mudar alguns rumos e entregar à AF medidas que auxiliem efetivamente em seu desenvolvimento inclusivo e sustentável.

* Leila Harfuch é sócia-gerente na Agroicone. Colíder da Força Tarefa de Finanças Verdes da Coalizão. Economista, pós-doutorado em economia, possui 16 anos de experiência em desenvolvimento sustentável da agropecuária e políticas públicas. Gustavo Lobo é pesquisador na Agroicone. Economista, Doutor em Economia Aplicada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP), atua na agenda de política agrícola e sustentabilidade na agropecuária. Lauro Vicari é pesquisador na Agroicone. Economista e Mestre em Administração Pública, atua na agenda de política agrícola, com foco em finanças sustentáveis.

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