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![Michael Schumacher na Jordan (Foto: Divulgação) Michael Schumacher na Jordan (Foto: Divulgação)](https://cdn.statically.io/img/s2.glbimg.com/eD-gdmL93IlT9vwAJ4SU3yb7Jw8=/162x0:480x423/300x400/s.glbimg.com/es/ge/f/original/2014/08/28/191-2068024.jpg)
Foi
no dia 23 de agosto de 1991, portanto há exatos 25 anos, no Circuito
Spa-Francorchamps, que a F1 viria a conhecer o piloto que entraria
para a história como o maior campeão de todos os tempos, ao menos
nas estatísticas, Michael Schumacher. O GloboEsporte.com narra,
agora, com entrevistas exclusivas, os detalhes da estreia na F1 desse
alemão tão notável quanto controverso, hoje, aos 47 anos, limitado
a contemplar a vida na sua residência, na Suíça, em decorrência
das lesões neurológicas sofridas em um acidente enquanto esquiava,
em dezembro de 2013.
Provavelmente
Schumacher será lembrado também no fim de semana durante o GP da
Bélgica, 13ª etapa do campeonato, na volta da F1 às atividades,
depois das férias de agosto. Além de ter sido lá que iniciou a
trajetória de grande sucesso na categoria automobilística, Schumacher nunca escondeu sua
profunda empatia com o traçado de Spa-Francorchamps, a uma hora da
sua casa, em Kerpen, na Alemanha, onde venceu nada menos de seis vezes.
Na
primeira reportagem, os envolvidos diretamente na primeira
aproximação de Schumacher com a F1 contam como tudo aconteceu. São
passagens ricas, curiosas, intrigantes. Não escondem a surpresa com
a súbita competência demonstrada por aquele jovem até então
desconhecido no paddock. Irá ao ar, ainda hoje, o capítulo seguinte
da história, o incrível jogo de interesses que levou Schumacher
trocar a modesta equipe Jordan, a de estreia, pela Benetton, bem mais
bem estruturada, já na prova seguinte, em Monza.
Nesta quarta-feira, o GloboEsporte apresenta uma entrevista com Bertrand
Gachot, o piloto que, por ter sido sentenciado a dois anos
de prisão, permitiu à Mercedes pagar 150 mil libras a Eddie Jordan
para aceitar Schumacher como seu substituto, ao menos em
Spa-Francorchamps.
+ CAPÍTULO 1: Há 25 anos, Schumacher começou a escrever sua fantástica história na F1
+ CAPÍTULO 2: Depois de treinos em Spa, houve caça a Schumi. E usaram todas as armas
+ CAPÍTULO 3: Inesperada prisão de Gachot abriu as portas da F1 para Schumacher
primeiro capítulo
O
telefone tocou no fim daquela tarde de 14 de agosto de 1991,
quarta-feira, na sala de Eddie Jordan, definida por uma simples
divisória na modesta sede da equipe Jordan, em frente ao autódromo
de Silverstone, na Inglaterra. O irlandês levou um choque: “Fui
informado pelo advogado de nosso piloto (Bertrand Gachot) que ele
havia sido preso. Não sabia o que pensar na hora”.
O
francês reagiu ao ser puxado pela gravata para fora do carro em que
estava, com a namorada, em Londres, e lançou um jato de gás CS na
face do motorista de táxi, pronto para lhe desferir um soco. Eddie
agradeceu o advogado e começou a pensar o que faria para ter um
piloto já na semana seguinte, a fim de disputar o GP da Bélgica,
numa dos circuitos mais exigentes do calendário, Spa-Francorchamps.
![Michael Schumacher em 1991 (Foto: Divulgação) Michael Schumacher em 1991 (Foto: Divulgação)](https://cdn.statically.io/img/s2.glbimg.com/kisbAFV8XtuVK-l33gU3ZR7XtTo=/28x0:1038x688/690x470/s.glbimg.com/es/ge/f/original/2015/10/24/schumacher1991bc3a9lgica4.jpg)
Em
conversa com o GloboEsporte.com, o ex-jornalista Ian Phillips, no seu
primeiro GP como chefe da Jordan naquele evento, contou: “Eddie me
pediu para procurar Keke Rosberg e lhe convidar para disputar a prova
de Spa com o carro de Bertrand. Ele me deu como opção também, se
Keke não concordasse, Derek Warwick e Stefan Johansson”. O
finlandês havia sido campeão do mundo em 1982, com a Williams, e
abandonara a F1 no fim de 1985, depois de um ano na McLaren.
Jordan
falou ao hoje repórter do GloboEsporte.com: “O nome de Michael
Schumacher nem me veio à mente. Ele não disputava a F-3000, mas o
Mundial de Esporte-Protótipos, não era um piloto em vias de estrear
na F1. Eu sabia quem era porque, no ano anterior, venceu o GP de
Macau de F3. Mais nada”.
A
notícia de que havia um carro da Jordan disponível correu solta no
meio do automobilismo. Tinha concepção avançada. Schumacher fazia
parte do time de jovens pilotos da Mercedes que disputava o Grupo C
do Mundial de Esporte-Protótipos, junto de Karl Wendlinger e
Heinz-Harald Frentzen, o dos carros mais potentes e rápidos, com
seus 800 cavalos.
CAIU COMO UMA LUVA
“No
domingo, Eddie me ligou para dizer que havia sido procurado pelo
pessoal da Mercedes, o diretor de competições, Jochen Neerpasch, e
chegara a um acordo com um dos seus pilotos para correr na Bélgica
conosco. Quando Eddie me falou o quanto eles pagariam eu levei um
susto, 150 mil libras. Era tudo o que precisávamos. O time não
tinha dinheiro para nada. Eu me hospedei em Spa num chalé do
camping, minúsculo, dividia com Eddie. Lembro do preço até hoje, 5
libras por noite”, diz Phillips.
Eddie
acrescenta: “Houve uma corrida em que compartilhamos a mesma cama.
Que loucura”. Aquela era a temporada de estreia da Jordan na F1. O
diretor técnico, o também irlandês Gary Anderson, falou com o
GloboEsporte.com. “Nosso orçamento não daria para ir até o fim
do campeonato. Tínhamos de encontrar alguma fonte nova de receita.”
O dinheiro que a Mercedes pagaria representava “uma dádiva”,
segundo o técnico que assinara o primeiro carro da sua carreira, o
Jordan J191-Ford, de aerodinâmica refinada.
“Fomos
informados por Eddie que o tal piloto alemão estaria na nossa
fábrica na segunda-feira de manhã, junto do seu empresário, Willi
Weber, para quem Schumacher competiu e foi campeão na F3 alemã no
ano anterior”, lembra Anderson. “Era natural que eu perguntasse a
Eddie se Schumacher conhecia a pista, pois poderia ser até
perigoso.”
especialista em spa
Na
conversa com o GloboEsporte.com, Eddie explica o que ouviu de Weber a
respeito de Schumacher ter experiência nos 6.940 metros do veloz e
desafiador traçado de Spa: “Quando Willi me procurou oferecendo
Michael, dentre as coisas que perguntei era se ele já havia estado
em Spa. E ele me disse 'muitas vezes'. Eu, claro, acreditei”.
Em
bate papo informal com o repórter do GloboEsporte.com, Weber contou
há alguns anos: “Eu não menti para o Eddie. Ele me perguntou se
Michael havia estado em Spa. Eu respondi 'sim'. E era verdade. O
circuito se localiza perto da cidade de Michael, onde ele cresceu,
Kerpen. São 100 quilômetros, apenas. Se ele tivesse me perguntado
se Michael já havia pilotado em Spa, a resposta seria não. Michael,
como disse a Eddie, de fato conhecia a pista, mas de bicicleta”.
![Michael Schumacher com a Ferrari em Spa-Francorchamps, em 1992 (Foto: Getty Images) Michael Schumacher com a Ferrari em Spa-Francorchamps, em 1992 (Foto: Getty Images)](https://cdn.statically.io/img/s2.glbimg.com/qKJfhoE99iRH2KHtz34VfqMNQJE=/0x0:2000x1337/690x461/s.glbimg.com/es/ge/f/original/2016/08/24/gettyimages-1363328_ZN5s8un.jpg)
Na
segunda-feira de manhã todos se apresentaram na sede da Jordan.
Anderson conta: “Estávamos tirando o molde para fazer o banco e
enquanto Schumacher se ajeitava no cockpit perguntei sobre sua
experiência em Spa, pois para mim, correndo no Mundial de
Esporte-Protótipos, deveria conhecer bem a pista. Michael olhou para
mim e falou 'nunca pilotei em Spa'. Disse a mim mesmo 'meu Deus'.
Como
Schumacher sequer sentara num carro de F1 até então, Anderson se
mobilizou para que realizasse um teste em Silverstone, antes da
estreia na F1 e em Spa. “Conseguimos um espaço na terça-feira,
mas no traçado menor, não o de GP, de 3.150 metros. Já era alguma
coisa”, lembra Phillips. “O chefe do grupo de pista, Trevor
Foster, e Gary orientaram Schumacher sobre como o carro se
comportaria, como os freios eram eficientes, enfim, antecipar o que
enfrentaria na pista, uma realidade nova para ele.”
Para
aquela versão do circuito, o melhor tempo da Jordan era de 60
segundos, obtido pelo outro piloto da escuderia, o italiano Andrea De
Cesaris, tido como rápido no meio. “Eu regressei para a nossa sede
(possível de ir a pé) e numa das paradas do treino Trevor me ligou
para dizer: 'Ian, esse cara é muito rápido. Depois de cinco voltas,
apenas, parecia dominar o carro como quem disputava a temporada.”
Trevor
fez um pedido a Phillips: “Para eu ligar para o Eddie e dizer assim
mesmo: 'Você conseguiu uma estrela'. Assim que dei a notícia ao
Eddie ele me falou para dizer ao Michael que a vaga era dele”.
Anderson
acompanhou o teste de perto. “O que mais me impressionou foi sua
forma de pilotar. Schumacher era muito veloz, mas não sobrecarregava
o carro, não o expunha a esforços desnecessários.” De Cesaris
tinha essa fama. Um piloto capaz de tirar velocidade do monoposto,
mas ao mesmo tempo não ter nenhuma preocupação com poupar o
câmbio, motor, a embreagem e os freios, notadamente.
“Sempre
gostei de trabalhar com pilotos jovens, eles buscam mais os limites
do carro, da pista. Schumacher de novo comprovou o que espero deles”,
comentou Anderson. Em 1988, o irlandês havia sido o engenheiro de
pista do jovem Roberto Pupo Moreno na F3000 e foram campeões. Foi
Anderson também que depois do primeiro teste de Rubens Barrichello,
de 21 anos, com a Jordan-Yamanha, em dezembro de 1992, em
Silverstone, deu o voto “muito favorável” a sua contratação
para 1993.
“Schumacher
chegou rápido no limite e registrou o nosso melhor tempo naquele
traçado, tudo muito impressionante.” O alemão obteve 59 segundos
cravados, quase um segundo mais rápido que a volta mais veloz do
J191.
Depois
do teste mais que promissor de Schumacher, os profissionais da Jordan
foram para Spa bastante animados. “Sabíamos que seríamos velozes
lá, o J191 era equilibrado em curvas rápidas e naquela pista há
muitas”, falou Anderson, que junto com Foster realizou o trabalho
de engenheiro de Schumacher no seu GP de estreia.
arrasou o companheiro
Em
1991, havia uma classificação na sexta-feira e outra no sábado.
Valia o melhor tempo em uma ou outra. No fim das contas, Schumacher
obteve o sétimo tempo, excepcional para quem nunca havia pilotado um
F1 num fim de semana de competição e desconhecia os muitos segredos
de Spa. Para se ter uma ideia, De Cesaris estabeleceu o 11º tempo,
nada menos de 774 milésimos mais lento que o alemão.
“Andrea
veio falar comigo. Estava arrasado”, disse Phillips. “Andrea me
perguntou 'como esse cara pode ter sido tão mais rápido que eu?' Na
reunião com os engenheiros, Foster mostrou a Andrea os locais onde
Schumacher ganhava tempo. Recordo que na Blanchimont (a curva mais
rápida, longa, à esquerda, no fim de um trecho em descida), Foster
disse a Andrea que ele não fazia de pé em baixo enquanto
Schumacher, sim.”
O
que Schumacher nunca soube, ou melhor apenas anos mais tarde veio a
saber, é que correu sério risco de não disputar a corrida,
domingo, apesar do brilhante trabalho de estreia no sábado. Phillips
conta o que se passou: “Philippe Adams, um piloto belga, ganhou um
recurso na justiça, lá em Spa. Os oficiais vieram até os nossos
boxes, depois da classificação, e isolaram os carros. Não podíamos
sequer nos aproximar”. Eddie era dono da equipe de F3000 até 1990
e Adams assinou contrato para correr no seu time. Mas depois decidiu
competir por outro e Eddie não devolveu o dinheiro, 150 mil libras.”
![Andrea de Cesaris no GP da Inglaterra de 1981 (Foto: Getty Images) Andrea de Cesaris no GP da Inglaterra de 1981 (Foto: Getty Images)](https://cdn.statically.io/img/s2.glbimg.com/HSsw7BIigbc-94BjyupDPvn9kEA=/0x0:2000x1336/690x461/s.glbimg.com/es/ge/f/original/2014/10/06/130014658_1.jpg)
O
dono da Jordan narrou a sequência dos fatos: “Fui procurar Bernie
(Ecclestone), expliquei o que se passava. Ele adiantou o valor para
nós”. Com isso a justiça liberou o carro de Schumacher e De
Cesaris. “Procuramos ser o máximo discreto. Por sorte a mídia
estava muito interessada no sétimo tempo de Michael e não se ateve
ao que estava acontecendo.”
Naquele
fim de semana, Phillips conta que foi chamado à direção de prova
junto de Schumacher. “Nós esperávamos que ele seria mesmo rápido
e na sexta-feira em determinado momento Schumacher estava na pista
com Alain Prost, da Ferrari, na sua frente. Para não bater, Prost
teve de sair do asfalto. Perguntaram a ele por qual razão se
comportou daquela forma e Schumacher respondeu que era porque Prost
estava muito lento.”
Essa
característica, de procurar ser o primeiro, o mais rápido, o
vencedor, não importando os meios, viria a acompanhar Schumacher até
o fim da carreira, no distante 2012.
Outra
passagem vivida em Spa naquele fim de semana é lembrada por
Phillips. “Creio que foi no sábado de manhã, não estou 100%
seguro, os mecânicos detectaram perda de água no motor Ford
Cosworth de Schumacher. Nesse mesmo treino, Andrea nos relatou sentir
o carro estranho, meio imprevisível em algumas curvas. Nós o
disponibilizamos o carro reserva. Trevor não queria ver Schumacher
parado e enquanto reparavam a perda de água organizou com Gary o
carro de Andrea para o alemão, ajustando os pedais, apenas. O mais
incrível é que depois de poucas voltas Schumacher já era mais
rápido que Andrea. Isso contribui ainda mais para desestabilizar o
italiano, eu o via diferente naquele fim de semana, atingido.”
Com
Schumacher em sétimo no grid, De Cesaris em 11º, mas dispondo de um
monoposto relativamente rápido ao longo das 44 voltas da corrida,
Jordan viu crescer a chance de ter um aumento importante no orçamento
do ano seguinte. “Não era segredo que nosso patrocinador, 7up, nos
daria 1 milhão de dólares se terminássemos o campeonato com 15
pontos. E nós já tínhamos 13. Nossa esperança era enorme.”
Em
1991, apenas os seis primeiros marcavam pontos na F1. O vencedor
recebia 10 pontos, o segundo colocado, 6, o terceiro 4, o quarto, 3,
o quinto, 2, e o sexto, 1. Era bem mais difícil conquistar pontos. A
Jordan, apesar de estreante, já somava 13. E a Jordan, por incrível
que pareça, não conseguiu em Spa e nas cinco etapas finais do
campeonato os dois pontos que precisava. Jordan ficou sem o seu 1
milhão de dólares.
faltou experiência
Treino
é treino e corrida é corrida, como sempre se diz na F1. Schumacher
pagou o preço da inexperiência na largada no GP de estreia. ��Ele
nunca havia treinado largadas com o tanque cheio, que submetem o
carro a esforços bem maiores da embreagem”, explica Anderson. “A
Ford Cosworth estava disponibilizando uma embreagem nova, feita de
titânio, mais leve e resistente da de alumínio, que utilizávamos.
Nós não tínhamos dinheiro para comprar a de titânio e eu também
não desejava ter no carro sem ter treinado com ela. Fomos para a
prova com o que tínhamos.”
A
embreagem menos resistente e a total falta de vivência de Schumacher
com os desafios da F1 fizeram com que logo depois da sequência Eau
Rouge-Raidillon, segunda e terceira curvas após a largada, sua
Jordan perdesse velocidade por o piloto não conseguir inserir nenhuma marcha, em decorrência da quebra da embreagem.
“Se
Andrea chegou a segunda colocação antes de o motor estourar,
largando em 11º e sendo mais lento que Schumacher, tenho comigo que
já na estreia o alemão poderia ter vencido. Senna tinha
dificuldades com o câmbio”, afirma Phillips. A McLaren fez a
dobradinha, Senna em primeiro e Gerhard Berger em segundo. Nelson
Piquet, Benetton, foi o terceiro.
Na
sua primeira corrida Schumacher pilotou menos de dois quilômetros,
mas uma longa e riquíssima história viria a se escrita a partir
desse momento, com todos os ingredientes de um livro best-seller ou
um filme digno de Oscar: risco, eficiência, intriga, heroísmo,
fidelidade, acusações, profissionalismo, traição, jogo de
interesses, mau caratismo, solidariedade, dedicação, dentre outros.