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Por Helena Rebello — Londres, Inglaterra


Diz o ditado que não se mexe em time que está ganhando. Mas Ítalo Ferreira pretende fazer algumas adaptações para que 2020 seja uma temporada tão vitoriosa quanto foi 2019, ano em que se sagrou campeão mundial. Pelo inédito título olímpico, por exemplo, o brasileiro pretende perder peso para se adequar às ondas pequenas de Chiba, cidade que receberá a estreia do surfe no programa dos Jogos Olímpicos.

A competição será na praia de Tsurigasaki, a cerca de 60km de Tóquio. O local possui ondas parecidas com aquelas nas quais Ítalo treina quando está no Rio Grande do Norte, mas diferentes do que encontra durante a maior parte do Circuito. Assim, ele planeja baixar de dois a três quilos em cerca de um mês.

- Quanto mais leve melhor para essa onda. Meu peso de competição em alta performance é 70kg, no máximo 71kg, dependendo da onda. Na Olimpíada acho que vou baixar para 68kg para ganhar um pouco mais de velocidade, ficar um pouco mais leve e mais rápido. Também levar algumas pranchas mais leves para fazer manobras mais rápidas em um curto espaço - contou, por telefone.

Ítalo Ferreira em Pipeline: ondas nos Jogos Olímpicos devem ser bem menores do que as do Circuito Mundial — Foto: Kelly Cestari/WSL

Acostumado a encarar algumas das melhores ondas do mundo, Ítalo lamenta que o palco do surfe nos Jogos não seja dos melhores e admite que abre margem para eventuais zebras. Mas acredita que os representantes do Brasil (possivelmente referindo-se a Gabriel Medina e Silvana Lima, uma vez que Tatiana Weston-Webb tem o Havaí como base) terão facilidade de se adaptar.

- Pode ser que tenha que contar com a sorte, o que na maioria das vezes não é tão legal. Vai muito pelo momento, na verdade. É difícil antecipar. Mas realmente quando não tem onda é um pouco mais difícil de mostrar o seu potencial e surfar em alto nível.

- Comparado aos melhores lugares do mundo, realmente não é o melhor, mas acho que vai ser legal, com todos os atletas ali dando o melhor para representar seus países. (...) Claro que ondas pequenas podem ser perfeitas e continuar rendendo boa performance, mas se tiver muito vento pode ficar mais difícil e pode ser que os japoneses tenham um pouco de vantagem por ser mais leves. Todos os representantes do Brasil são acostumados a surfar ondas pequenas, competiram por muito tempo por aqui quando eram amadores.

Com uma temporada histórica e desafiadora pela frente, Ítalo preferiu encurtar as férias. Deixou as comemorações pelo primeiro título mundial no passado e investiu numa pré-temporada em Portugal, onde se arriscou até em ondas gigantes. De volta a Baía Formosa, ele explica que o sacrifício reflete o foco para manter o alto nível e buscar ainda mais troféus.

Itálo Ferreira ergue troféu de campeão mundial em frente a bandeira do Brasil — Foto: Pedro Vitorino

- No inicio do ano poderia ter tirado mais férias para relaxar um pouco, mas meus objetivos são maiores do que as férias. Por isso fui para Portugal e treinei parte física agora em janeiro, já para me preparar. Isso me dá um pouco mais de incentivo para tentar defender meu titulo no final do ano.

- Alguns dos meus patrocinadores perguntaram desse meu esforço, e eu falei que quando virou o ano nada mais vale. É botar a cabeça no lugar, planejar e sonhar novamente para tentar ganhar cada vez mais.

Antes de retomar a rotina de competições, Ítalo ainda pode colher mais louros pelo desempenho em 2019. Ele é um dos finalistas do Prêmio Laureus, o Oscar do Esporte, na categoria Melhor Atleta de Ação.

A cerimônia será no dia 17 de fevereiro, em Berlim, na Alemanha, e o brasileiro concorre com a compatriota Rayssa Leal (vice-campeã mundial de skate street), a surfista havaiana Carissa Moore, tetra mundial em 2019, a americana Chloe Kim (campeã mundial de snowboard), o skatista americano Nyjah Huston (tetra mundial de skate street em 2019) e o canadense Mark McMorris (campeão do X Games e vice-campeão mundial de snowboard).

Confira outros trechos da entrevista de Ítalo:

Como recebeu a indicação para o Prêmio Laureus?
Me surpreendeu pelo fato de ter realmente os melhores ali. Ser indicado, ter meu nome na lista me surpreendeu, mas fico muito feliz de saber e ver o reconhecimento das pessoas com meu trabalho e o que tenho feito no surfe. Para mim é algo muito importante. Se eu vencer vai ser um titulo muito importante para minha carreira como profissional.

Teve algum contato com a Rayssa Leal?
Troquei mensagem com ela. Aparentemente parece ser super legal, gente boa. É uma criança ainda, tem muita coisa para mostrar no mundo do skate. É muito dedicada, vem crescendo muito rápido. É nítida a evolução dela em comparação a outras atletas. Acho que pode dominar o mundo do skate em alguns anos, ainda tem muito a evoluir.

Finalistas do Laureus melhor atleta de ação contam com Ítalo Ferreira e Rayssa Leal, a Fadinha — Foto: Divulgação/Laureus

O surfe vai ter a Olimpíada inteira como janela, mas só dois dias de competição. Acha que é o suficiente para causar uma boa impressão na estreia nos Jogos? E o que você sabe sobre Chiba?
Estou muito feliz pelo surfe poder fazer parte da Olimpíada. Poder representar o Brasil na Olimpíada será incrível para mim e com grandes chances de conseguirmos medalhas para o Brasil. Para ter um evento no Japão, pelas ondas não serem tão boas... Eu analisei Chiba, e as ondas lembram as da minha região, pequenas, com pouca força. Dependendo da época tem tempestade, furacões... Se acontecer alguma coisa, alguma ajuda da natureza, pode ser que melhore essas ondas. Comparado aos melhores lugares do mundo realmente não é o melhor lugar, mas acho que vai ser legal. Todos os atletas vão estar ali dando o melhor para representar seus países, e acho que o surfe pode seguir por anos aí.

Fará algum treino específico para essa onda pequena da Olimpíada?
Não, não voltado à Olimpíada em si, mas ao inicio da temporada. O Circuito Mundial começa em março, e estou me dedicando e preparando fisicamente para começar o ano bem e confiante. Tem um tempo ainda para a Olimpíada. Quanto mais leve melhor para essa onda. Mais próximo da Olimpíada, um mês antes, pode ser que tenha que baixar um pouco meu peso para ter mais velocidade nas ondas e executar manobras em um curto espaço, porque as ondas em que vamos estar competindo vão ser diferente das da Olimpíada.

Por que a opção de ir para Portugal agora em janeiro?
Fui para Portugal para começar a pré-temporada. Claro que no inverno tem altas ondas, e no litoral de Portugal num curto espaço tem diversas ondas diferentes. É muito bom. Tem muitas opções de onda em Portugal, foi por isso que viajei e fiquei lá treinando. Valeu a pena ter ido.

Há alguma semelhança entre o que viveu em Nazaré e o Circuito?
Na verdade é mais um “check” na lista. Para mim é outro esporte, muito difícil, mas tem uma adrenalina. Um competidor de verdade tem que sentir adrenalina. Vi a oportunidade de pegar algumas ondas e estar no ambiente desses caras. Foi uma oportunidade única, mas espero que aconteça mais vezes, com um pouco mais de calma, porque acho que fui muito na loucura. Eu nem sabia usar o colete. Mas no final deu tudo certo, foi uma experiência incrível.

Ítalo Ferreira em Nazaré — Foto: Breno Dines

O Brasil teve seis campeões mundiais em modalidades olímpicas em 2019, três deles do Nordeste. Você sente essa responsabilidade de inspirar futuros atletas fora do eixo Sul-Sudeste?
Claro que tem uma pressão, uma cobrança a mais. É incrível poder representar o Nordeste. Nós, atletas que fomos campeões, isso mostra o talento da nossa terra. Muitos atletas que são profissionais e só precisam de uma oportunidade para mostrar o seu melhor. Tenho responsabilidade de fazer o seu melhor, tentar ganhar e mostrar o poder do nosso povo do Nordeste, batalhador, que sempre corre atrás.

Como está vendo essa epidemia do corona vírus? Vai afetar o seu planejamento?
Estou bem preocupado, mas não sei. A gente não tem controle das coisas, pode realmente estar exposto a qualquer tipo de doença. Eu tenho que ir para aquela área do Japão agora, e é próximo da China. Fiquei um pouco com medo, mas não sei. Não esta sendo tão grande quanto as outras epidemias. Tenho que tomar um pouco de cuidado. Não posso ficar doente agora, tenho objetivos maiores.

Como o surfe vai ficar em Chiba, você pretende em algum momento depois ir para a Vila Olímpica em Tóquio para curtir o clima?
Eu não pensei nisso para ser sincero. Estou focado num só objetivo que é vencer, mas claro que seria legal conhecer outros atletas de outras modalidades e poder acompanhar de perto os outros esportes. Se você me perguntar qual cara que queria ver não vou saber dizer, porque os caras que admiro muito não devem estar lá. Mas seria incrível poder conviver e ver de perto alguns dos esportes e levar como inspiração para a vida.

Ítalo Ferreira e Gabriel Medina serão os representantes do Brasil na Olimpíada e vão dividir casa em Chiba — Foto: Sean Evans/ISA

Em Chiba você e o Medina vão ficar na mesma casa. Isso é algo que acontece no Circuito ou é algo novo?
Vai ser novo. A gente no Circuito Mundial não costuma ficar junto, só se encontra na água ou no campeonato. Cada um vai ficar no seu lugar respeitando o espaço um do outro, mas vai jantar junto no mesmo ambiente, se encontrar várias vezes, poder conversar coisas de fora do campeonato. Nas vezes em que ficamos próximos assim foi bem divertido. Acho que vai ser bem legal, vai ser uma experiência ótima.

O que você acha que precisa melhorar no seu surfe?
Especialmente os tubos. As pessoas falam que eu ganhei Pipeline, mas eu sinto dificuldade e por isso estou investindo nessa parte, para melhorar e ganhar um pouco mais de confiança. Nesse ano a gente tem a etapa de G-Land, que nunca fui. É uma onda muito perfeita, que exige. No meio das minhas viagens (para competir) vou fazer outras viagens para lugares que possam me dar mais de confiança para surfar mais para a esquerda, combinar velocidade também, que são pontos que tenho que ajustar. Acho que é isso que estou buscando.

Essa vai ser sua primeira temporada como favorito. Como você encara esse status e a pressão?
Claro que existe a pressão de estar ali defendendo (o título), o que acontecer vai cair com um peso maior nas minhas costas. É por isso que estou tentando me preparar psicologicamente, não deixar essas coisas me abalarem. É entrar da na agua, dar o meu melhor e tentar vencer. Com tudo o que venho fazendo vou dar o meu melhor e não deixar que isso me abale.

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