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Por Rodrigo Coutinho — Rio de Janeiro


Clube em evolução estrutural e financeira, diretoria competente e responsável, elenco equilibrado e trabalho longevo de um treinador que já se provou excelente em diversas ocasiões. O combo do Fortaleza faria qualquer clube entrar no Brasileirão com ótimas expectativas, mas nem é este o sentimento exato que o time desperta no momento.

Apesar do início tranquilo na Copa Sul-Americana, da perda do titulo cearense nas penalidades para o maior rival e de estar classificado na Copa do Brasil e na Copa do Nordeste, o Leão do Pici vem praticando um futebol abaixo daquilo que pode. Um somatório de fatores ajuda a explicar.

Pikachu e Moisés comemoram gol do Fortaleza — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press

O primeiro deles é a saída de Caio Alexandre. O volante comprado pelo Bahia era o grande organizador inicial das jogadas de ataque do Tricolor. Oferecia dinâmica, bons passes, movimentação para gerar opções aos zagueiros. Não há outro volante no elenco com a mesma qualidade, e aí Vojvoda tentou uma adaptação.

Iniciou a temporada com Pochettino jogando como volante, ao lado de Lucas Sasha ou Zé Welison, mas o argentino não conseguiu dar boas respostas na primeira linha de meio-campo, principalmente em transições defensivas. O jovem talentoso Kauan também fez a função em alguns jogos, mas ainda não está pronto para uma sequência como titular. Atua melhor com um pouco mais de liberdade.

Pochettino foi testado de volante por Vojvoda — Foto: Thiago Gadelha/SVM

Outro problema que afetou o meio-campo do Leão no primeiro trimestre foi a ausência de Calebe. O camisa 10 viveu ótimos momentos em 2023 e é o meia mais talentoso do elenco. Vem, entretanto, sofrendo com lesões e problemas físicos. Chegou a ficar mais de um mês fora de combate e participou de menos da metade dos jogos do Fortaleza no ano.

Três dos jogadores mais importantes do setor criativo da equipe na última temporada não estiveram totalmente disponíveis por diferentes razões. É claro que o time sentiria. É verdade que os surgimentos dos ótimos Kervin Andrade e Kauan serviram para amenizar, mas ainda não há estofo neles para assumir a responsabilidade total de organização.

Em termos práticos, o Fortaleza perdeu muito da capacidade de articulação diante de defesas fechadas. Esta nem era exatamente a principal característica do time nas últimas temporadas, mas quando era necessário assumir este papel, a equipe conseguia corresponder.

Outro efeito é visto na recomposição. O time sofre muitos gols de contragolpes adversários. É necessário ajustar as transições defensivas. A solução mais recente encontrada por Vojvoda foi fortalecer o sistema defensivo e tornar o jogo mais físico no meio-campo. Britez e Titi ganharam a companhia de Kuscevic no miolo de zaga.

Um provável time-base do Fortaleza para iniciar o Brasileirão — Foto: Rodrigo Coutinho

Zé Welison, Lucas Sasha e o recém-recuperado de lesão Hércules formaram o meio nas finais estaduais. A tendência é que Calebe ganhe espaço à medida que se recuperar plenamente, mas o Fortaleza varia bastante as escalações desde que Vojvoda assumiu o comando. Emmanuel Martínez foi contratado junto ao América e é mais um bom meio-campista para o elenco.

O tipo de jogo tem sido diferente. Menos passes curtos desde a saída de bola, mais passes longos. Muitas vezes busca a profundidade acionando os alas, passes que quase sempre partem dos zagueiros.

Em outros momentos, João Ricardo – em ótima fase – bate os tiros de meta para que Lucero ou Hércules dispute a ‘’primeira bola’’ pelo alto, e o físico meio-campo controle a ‘’segunda bola’’ para acelerar na sequência. Moisés é um alvo constante. Teve uma queda de produção recente, mas é o atacante mais regular do elenco no quesito poder de desequilíbrio.

Há outras opções de qualidade do meio para frente. Marinho, Machuca, Pedro Rocha, Yago Pikachu. O plantel, que oferece alternativas e diferentes características, varia de acordo com a necessidade das partidas. Algo positivo para a torcida do Fortaleza é que o time teve momentos até piores do que o atual com Vojvoda e conseguiu se recuperar.

Tinga também pode formar o trio de zaga e Pikachu ser o ala-direito. Marinho tem entrado bem em alguns jogos. — Foto: Rodrigo Coutinho

Conhecer o contexto do clube, os jogadores, e saber exatamente o que é o Brasileirão aproxima o treinador argentino do diagnóstico correto para a equipe voltar a crescer. Vale lembrar o triste episódio do atentado ao ônibus do Leão após um jogo contra o Sport pela Copa do Nordeste. Desde então o Tricolor venceu apenas quatro dos 12 jogos que fez. Impossível dizer que não afetou de alguma forma.

Além das já citadas transições defensivas irregulares, algo que expõe as costas da linha defensiva, o Fortaleza tem sofrido mais do que o normal em escanteios e faltas laterais dos adversários. Problemas para neutralizar diferentes tipos de batida e alvos. O time parece ter dificuldades de se concentrar neste momento. É pouco agressivo para reagir.

O mais curioso é que na área rival o aproveitamento é bom nas bolas paradas aéreas. Fez gols assim em momentos importantes do ano e apresenta variações de jogadas. Outro momento do jogo em que o Fortaleza costuma ser letal é o contragolpe. Esta sempre foi a principal marca da equipe com Vojvoda, então é natural que ganhe mais importância em momentos de oscilação.

Tentativa do Fortaleza no 4-2-3-1 no início da temporada — Foto: Rodrigo Coutinho

Há muitos jogadores no elenco que funcionam ao serem acionados em profundidade. A altura do bloco de marcação, inclusive, é quase sempre mais recuada. Justamente para atrair os adversários, roubar bolas e explorar espaços em velocidade.

Em fase defensiva, a equipe raramente se desorganiza. Por isso consegue desarmes e interceptações antes de acelerar nas transições ofensivas. Repetir o quarto lugar de 2021, ano da chegada de Vojvoda ao clube, é improvável, mas o Fortaleza tem todas as condições de buscar algo acima da 10ª posição no Brasileirão passado.

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