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Por Bruno Cassucci e Danilo Sardinha — Bragança Paulista, SP


Pedro Caixinha caminha com chinelos confortáveis. Entra em uma sala do CT do Red Bull Bragantino e, como um bom anfitrião, estende a mão para cumprimentar um por um da equipe de reportagem do ge. A postura é de alguém feliz e à vontade na casa em que está há pouco mais de um ano. A conversa é de quem tem trabalhado para fazê-la crescer e deseja uma estadia longa.

Abre Aspas: Pedro Caixinha fala sobre o Bragantino e filosofia de trabalho

Abre Aspas: Pedro Caixinha fala sobre o Bragantino e filosofia de trabalho

À frente da equipe de Bragança Paulista, o português Pedro Caixinha, já um fã da comida e do carnaval brasileiro, foi destaque no Brasileirão de 2023. O Massa Bruta, mesmo sem ser um dos favoritos ao título, brigou pelo caneco na reta final e garantiu vaga na pré-Libertadores. Nesta quarta, às 21h30, ele tenta em casa inverter a vantagem do Botafogo (perdeu por 2 a 1 no Rio) para chegar à fase de grupos.

O treinador diz ter recebido propostas para deixar o Bragantino no fim do ano, mas recusou as ofertas. Prorrogou o contrato com o clube até 2025 de olho em voos mais altos.

– Eu gostaria muito de ganhar títulos com o Red Bull, gostaria muito que esse projeto pudesse crescer e, a seu tempo, viesse a ser o que é o Leipzig, na Alemanha. É uma equipe que disputa todos os títulos, que tem essa condição. Nós ainda não temos. Se quiser falar de sonhos, é poder conquistar títulos, fazer crescer o projeto e estar no patamar do que representa o Leipzig dentro do grupo, mas no contexto da Alemanha – destacou.

Pedro Caixinha, técnico do Red Bull Bragantino, em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

Aos 53 anos, Caixinha é mais um português que desembarcou por aqui. Mas, como ele mesmo se define, se tornou um cidadão do mundo. Deixou Portugal há 16 anos e, antes de chegar em terras brasileiras, passou por sete países como técnico ou auxiliar.

Em 1h20 de conversa com o ge, Pedro Caixinha falou sobre as impressões que tem tido do futebol brasileiro e da cultura local. A relação com os técnicos portugueses no Brasil e com o amigo José Mourinho também foram assunto do bate-papo. Assim como a forma que enxerga o futebol, as referências, o trabalho no Bragantino e as experiências em outros países.

  • Nome completo: Pedro Miguel Faria Caixinha
  • Nascimento: Beja, Portugal - 15/10/1970 (53 anos)
  • Carreira: Beja-POR sub-19 (técnico), Vasco da Gama-POR (técnico), Sporting-POR (auxiliar técnico), Al-Hilal-ARA (auxiliar técnico), Panathinaikos-GRE (auxiliar técnico), Rapid Bukarest-ROM (auxiliar técnico), seleção da Árabia Saudita (auxiliar técnico), Leiria-POR (técnico), Nacional-POR (técnico), Santos Laguna-MEX (técnico), Al-Gharafa-CAT (técnico), Rangers-ESC (técnico), Cruz Azul-MEX (técnico), Al-Shabab-ARA (técnico), Santos Laguna-MEX (técnico), Talleres-ARG (técnico) e Bragantino-BRA (técnico).
  • Principais títulos: Campeão mexicano Clausura (2015, com o Santos Laguna), bicampeão da Copa MX Apertura (Santos Laguna, em 2014, e Cruz Azul, em 2018), campeão da Supercopa MX (Cruz Azul, em 2019), e campeão da Campeón de Campeones (Santos Laguna, em 2015).
  • Prêmios individuais: eleito o treinador do mês do Brasileirão 2023 (setembro e outubro).

Praias, comida e carnaval: Pedro Caixinha revela conhecimento de Brasil no Abre Aspas

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ge: Você tem pouco mais de um ano no Bragantino e esse trabalho ainda está em andamento. Nesse tempo à frente do clube, do que você mais se orgulha e há alguma frustração?

Pedro Caixinha: – O que me orgulha muito é aquilo que podemos traduzir em dados e estatísticas do nosso comportamento. Fomos a equipe mais intensa no defender para a frente, no ataque à bola, a equipe que mais recuperava a bola no campo de ataque. Ser a melhor equipe nessas vertentes, num comportamento que é nosso, quer dizer que estamos no caminho daquilo que definimos. Isso nos deixa satisfeitos.

Pedro Caixinha, técnico do Red Bull Bragantino, participou do Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

– Teve algo que não nos frustrou, mas nos deixou tristes: a quantidade de eliminações que tivemos no mata-mata. A equipe ainda não aprendeu a chegar em situações de definições. Não só no mata-mata, mas também em jogos importantes sentimos a pressão, o compromisso e a responsabilidade de onde esse jogo pode nos levar. É aí que temos que atuar um pouco mais no convencimento dos jogadores. Foram as semifinais do Paulistão, a segunda fase da Copa do Brasil, as oitavas de final da Sul-Americana e três ou quatro jogos do Brasileiro em que a equipe poderia chegar ao G-4. Demorou a chegar e poderia ter chegado à liderança do Brasileirão, nem que fosse por um par de horas. Não conseguimos dar essa resposta. É aí que temos que começar a trabalhar mais a equipe, nesse contexto de estresse competitivo elevado.

Isso é essencialmente algo emocional?

– Isso passa, essencialmente, por mim. Fui eu que não os foquei, não os convenci da maneira mais clara ou criei uma pressão excessiva sobre eles. Ou preparei o jogo tendo em conta muitos fatores emocionais. Ou por não conter tantos fatores emocionais. Meu dever é prepará-los melhor. Espero que, neste ano, a preparação seja melhor nesse sentido quando estivermos diante desse mesmo contexto. Queremos dar uma resposta diferente. Controlar tudo o que se passa num jogo de futebol é praticamente impossível, mas, aquilo que depender de nós, temos que controlar.

O Bragantino chegou próximo de títulos, mas ainda não conseguiu uma grande conquista. O que falta para esse objetivo se confirmar?

– Falta continuar a construir, cimentar, fazer crescer essa mentalidade vencedora. A equipe foi muito regular no Brasileirão. Foi onde teve mais ver a regularidade e foi onde teve mais regularidade em termos competitivos, comportamentais e de resultado. A equipe foi muito regular, mas queremos que tenha ainda mais consistência na abordagem do jogo, na forma como joga e que tenha sempre a vontade no dia a dia, crie o hábito de ganhar.

Pedro Caixinha em treino do Bragantino — Foto: Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

– É importante criar o hábito de ganhar, ter uma mentalidade vencedora. Há um conjunto de fatores que buscamos para criar essa mentalidade. Quando isso for criado, com naturalidade, algum troféu poderá aparecer. Vamos estar envolvidos em quatro competições, temos objetivos claros para todas elas. Vai ser no jogo a jogo. Apesar de termos definidos metas pontuais, queremos que a equipe tenha esse crescimento. Os comportamentos eles já colocam, mas queremos ver mais paixão, mais fome, mais vontade de ganhar. Vamos querer que os comportamentos sejam feitos de formas mais selvagens, agressiva e coletiva para poder ganhar jogos. É isso o que queremos nesse crescimento da equipe. Construir, competir e conquistar.

Você trabalha em um clube que investe, principalmente, em jovens. Como você lida com essas diferenças de gerações e como faz para gerir isso?

– Eu tenho passado mais tempo com os meus jogadores do que passo com os meus filhos. Os jogadores, grande parte deles tem a idade dos meus filhos. Conhecer os meus filhos é meio caminho andado para conhecer os nossos jogadores. Não podemos esquecer que somos a equipe mais jovem. Pelo menos, no ano passado, fomos a equipe mais jovem do Brasileirão. Era praticamente uma equipe sub-23. Há coisas que nos beneficiamos muito disso e há outras que possam ser desvantagens, que nós queremos que sejam vantagens também. Uma das grandes vantagens é convencê-los em relação a esse processo e saber interagir com eles. Saber chegar com eles e conhecê-los para saber como pensam a vida, como vivem a vida e como é que eles vivem a vida em função, por exemplo, do que é redes sociais. Depois, convencê-los que o nosso jogo representa uma marca.

Pedro Caixinha, técnico do Red Bull Bragantino, no Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

– A nossa marca é uma bebida energética. Logo, nosso jogo tem que ser energético. Gosta de correr riscos. É proativo. Procurar sempre aquilo que é o ganhar. Para procurar o ganhar, tem que constantemente atacando. Ou atacamos o gol, ou atacamos a bola ou atacamos o jogo. Essa juventude nos dá isso.

– Juntando isso com o que nós chamamos de comitê dos jogadores, que é uma coisa que já existia no ano passado, mas queremos criar ainda mais neste ano. Em sistemas democráticos, todos nós temos representantes. Queremos que o grupo eleja os seus próprios representantes para criar essa interação muito mais próximas. Que sejam eles, por exemplo, naquilo que é nossa definição dos objetivos, dos momentos críticos do jogo. Que sejam eles que acompanhem isso, que exijam isso, que estejam convencidos e apliquem isso. Há alguma coisa a falar com a parte técnica? É esse comitê. Há alguma coisa a falar com a parte diretiva? É esse comitê. Se for falar com a parte médica, é esse comitê.

Abre Aspas: Pedro Caixinha fala de sucesso de técnicos portugueses e amizade com Mourinho

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Como funciona esse comitê no trabalho de campo? Da parte técnica e tática, qual abertura você dá para discussões com seus atletas?

– Nós queremos que seja sempre em forma de diálogo, não um monólogo. Ano passado, tivemos aqui muitos monólogos. Neste ano, já começamos com alguns e queremos que essas coisas se transformem em diálogo. Às vezes, o jogador jovem, um pouco mais imaturo, ainda não com o total conhecimento do treino e do jogo, é pouco interventivo, pouco participativo a questionar. Nós, treinadores, temos que ser questionados também. Esse comitê tem a ver um pouco com aquilo que é representatividade, que pode levar os outros.

Pedro Caixinha, técnico do Bragantino — Foto: Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

– O que eu entendo ser uma equipe que tenha total liberdade, capacidade, adaptabilidade e entendimento do jogo? É aquela que, cada vez menos, tenha intervenção da nossa parte. Aquilo que nós fazemos aqui ao nível do treino, quando vão ao jogo eles não precisam estar à espera de sinais externos. Isso é nossa responsabilidade, mas queremos que também seja responsabilidade dos jogadores dentro do campo. Se nós fomentarmos essa comunicação, discussão e diálogo, eles vão conhecer mais do treino e do jogo, vão nos questionar mais, vão fazer essa transferência para o jogo de uma maneira mais facilitada.

– É nesse sentido que queremos que seja a intervenção feita da parte do jogador e, em particular, daquilo que é o jogador para criarmos também lideranças dentro do campo. Entendemos que nos faltaram, e faltam ainda, lideranças importantes. É importante ter líderes, ter treinadores dentro de campo. Queremos fomentar aqueles que tenham essas características ou esse potencial.

Quantos jogadores fazem parte desse comitê?

– São eles que vão eleger. Acho que é importante, por exemplo, ter o grupo de capitães. Lembro do (Luiz Felipe) Scolari, quando estava em Portugal, ele falou quando foi questionado sobre a questão dos capitães. Ele dizia, com toda a razão, que tinha diferentes líderes. Remeteu-se às lideranças que tinha em 2002. Dizia que, por exemplo, o Cafú era o capitão porque tinha a braçadeira e tinha marcada essa liderança. Mas dava uma bola ao Rivaldo, ele liderava um jogo. O Roberto Carlos, se calhar de levantar o bom ambiente do outro lado, também é um tipo de liderança. O Ronaldo Fenômeno, dê a bola e ele decide um jogo também. É um outro tipo de liderança. Ou seja, ter diferentes tipos de liderança em um grupo acho que é importante.

Técnico Pedro Caixinha e meia Lucas Evangelista em treino do Bragantino — Foto: Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

– É importante essa maior participação, envolvimento de todos. Aquilo que foi feito no primeiro ano foi muito bom, mas agora é importante começar crescer. Sabemos que este ano vai ser mais difícil, por isso estamos tentando ser o mais detalhista possível. Este ano é importante entrar na fase dos detalhes. No ano passado, eram mais os comportamentos globais, que já temos claros. Agora, queremos mantê-los, mas entrar na parte dos detalhes.

Quadro Abre Aspas recebe o técnico português Pedro Caixinha — Foto: Marcos Ribolli

O trabalho no Brasil exigiu desenvolver algumas áreas?

– Em todos os países há idiossincrasia. Acho que a forma como este clube está organizado e a forma como esta marca está organizada, facilita todo o processo. Quando facilita todo o processo é porque ele é pensado de cima para baixo e de baixo para cima. Ou seja, já existe uma filosofia. Eu não vim aqui mudar nenhuma filosofia Red Bull. A filosofia Red Bull está muito clara, muito marcada, e o Pedro Caixinha não é ninguém para dizer que agora vai ser desta maneira ou de outra maneira. Eu apenas tinha traços muito comuns em termos daquilo que era a minha forma de ver o jogo, que as equipes que eu liderava jogavam muito próximo da maneira Red Bull.

Pedro Caixinha, sorridente, em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

– O Red Bull, por determinadas razões, procura um treinador com determinadas características. O clube já tem essa filosofia, o treinador tem essa filosofia, agora aqueles que de fato desenvolvem e são os principais atores para colocar essa ideia em prática são os jogadores. Os jogadores também têm que ter essas características. Quando é assim, é tudo mais fácil.

Ainda hoje há treinadores em quem você tenta se espelhar, em quem tenta se aprofundar e absorver conteúdo?

– Qual é no seu entender aquela equipe, no contexto internacional, que mais tem vindo a se destacar?

Manchester City, do Guardiola.

– O Manchester City já vem há algum tempo. Mas e agora?

Bayer...

– Bayer Leverkusen, do Xabi. O que o Xabi e a sua equipe estão fazendo que possa ser uma tendência no jogo e que todos nós temos a aprender? Porque é atual, está a dar resultados, é primeiro na Bundesliga. O que o Arteta fez no Arsenal em termos de crescimento de um projeto? O que o Liverpool fez nos seus tempos? O que o Manchester City faz? O que o Real Madrid faz na Espanha? O que as equipes que vencem na América do Sul fazem? Quais as tendências que essas equipes têm? Por trás dessas equipes, há treinadores. E nós gostamos de estar atualizados em termos do que são essas tendências para poder ajudar e agregar uma peça àquilo que são nossas ideias. Há coisas que se veem em um e, se são boas, por que não aplicar? Uma peça que está a faltar no meu quebra-cabeça pode deixar a imagem mais clara e bonita.

Pedro Caixinha tem 53 anos e comanda o Red Bull Bragantino — Foto: Marcos Ribolli

Você já conhece bem o projeto do Bragantino. Mas neste um ano no futebol brasileiro, conhecendo outras equipes e outros projetos, como enxerga os projetos que há no futebol brasileiro?

– O que eu vejo é que há uma grande alteração dos clubes para SAFs, o que já lhes dá uma dinâmica diferente. Vejo que, no ano passado, dos treinadores que começaram o Brasileirão e chegaram até o fim, foram quatro ou cinco só. Ou seja, houve muitas alterações. Mas penso que, cada vez, há uma maior preocupação de ter uma linha, uma orientação comum. Isso, para mim, é de fato importante. Isso que defendo, isso que desejo que todos os colegas possam ter.

– Graças a Deus, encontramos este momento e esta relação empática que temos aqui no clube e com todas as pessoas que fazem parte de todas as estruturas. É assim que gosto de viver a vida. Assim que acho que nós podemos dar mais. Isso não quer dizer que haja menos pressão, porque nós somos os primeiros a colocar pressão. Quando falei em uma cultura de exigência, a cultura de exigência é a cultura de exigir o máximo de cada um de nós. Somos nós que criamos essa cultura.

Técnico Pedro Caixinha em treino do Bragantino — Foto: Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

Você passou como técnico ou auxiliar por diferentes países. México, Portugal, Escócia, Arábia... Se tivesse que apontar uma peculiaridade, algo que você só encontrou no Brasil, seja na organização do futebol, seja no trato com os atletas, qual seria a peculiaridade? O que o Brasil tem de único?

– Eu diria que há similaridades com o México em dois pontos. Primeiro: naquilo que é o clube que fui encontrar, na forma como está organizado e nos permite ter esse dia a dia, essa relação, esse crescimento e este caminhar juntos. Depois, em termos daquilo que é competitividade do Brasileirão ou do Campeonato Mexicano, apesar de haver uma grande diferença. Ambos são muito competitivos em termos daquilo que é a incerteza do resultado. Existe aqui um fator, que já existia lá, mas aqui existe mais, que é a intensidade competitiva. Ou seja, ter que jogar muitos jogos, muitas competições. A medida que isso vai caminhando para o final, ainda se adensa mais esse volume de jogos. É um fator que não encontrei em mais nenhum lado.

No trato com os jogadores brasileiros, tem muita diferença para um jogador português, um jogador argentino, um jogador mexicano?

–Onde encontrei mais diferenças em chegar ao jogador foi na Escócia. Por várias razões. Quando cheguei à Escócia, fomos comprados pelo Rangers por um milhão de euros. Estávamos no Catar. Então, chegar um treinador do Catar para o Rangers, um treinador português... (balança a cabeça como se isso gerasse dúvidas). Teve um choque inicial. A forma como eu abordei, comecei a trabalhar, foi logo muito diretiva, muito clara e muito exigente. Não negociei um pouco as coisas, não analisei e entrei muito logo de frente. Não procurei o primeiro passo do convencimento. Aí aprendi muito que o convencimento era fundamental em termos de poder depois vencer a inércia inicial.

Português Pedro Caixinha é técnico do Bragantino — Foto: Marcos Ribolli

– Aqui, penso que foi fácil a forma como nós chegamos aos jogadores, como eles nos receberam. Mas teve a ver também muito com a preparação prévia. Tivemos o acordo no fim de novembro (de 2022), fomos à casa-mãe, em Salzburg (Áustria), fomos claramente conhecer aquilo que é a filosofia Red Bull. Chegamos aqui e conhecemos cada um dos departamentos, nos reunimos com cada um dos departamentos. Começamos a trabalhar isso durante o mês de dezembro. Em 2 de janeiro, parecia que já trabalhávamos aqui há uma eternidade.

Algo que os treinadores de fora do Brasil falam bastante quando chegam ao país é a questão do calendário, com muitos jogos, e a arbitragem. Isso é algo que também incomoda?

– Não. Nada. Quando viemos para o projeto, a única coisa que peço... A CBF tem lá os processos de lançar quatro, cinco rodadas e estarmos um pouco à espera quando elas vêm. Um detalhe importante é o planejamento. O planejamento não envolve só os jogos. Em função dos jogos, posso planejar os treinos. Em função dos treinos, posso enquadrar o equilíbrio dos dias de descanso, por exemplo. Gosto de ter essa informação antecipadamente. Mas penso que quem vem ao Brasil, já sabe que vai ter, pelo menos, quatro competições. Ou, ao menos, três competições. Então, está a criticar a si mesmo, porque sabe o que vem.

– Dos árbitros, não tenho nada a referir. Nada mesmo. Nunca falei sobre os árbitros durante o jogo. Procuro ter uma postura afável. Aprendi também durante o processo, ao longo desses anos, que aquilo que não posso controlar e não depende de mim, não pode alterar aquilo que é meu foco de maneira nenhuma. Os árbitros têm que ter a liderança do jogo. Às vezes, vão errar. Às vezes, vão acertar. Às vezes, vão utilizar bem a ferramenta do VAR. Às vezes, vão utilizar mal. Mas a minha relação com eles e, muito menos, as minhas queixas com eles, podem ser ali momentâneas no jogo, sem grande exuberância. Penso que tive esse cuidado e vou continuar a ter. Respeitar aquilo que é mais um elemento do jogo, que é o árbitro.

Pedro Caixinha em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

Se a CBF decidisse ouvir mais os treinadores, quais sugestões você daria?

– Na CBF nós não temos isso, mas na Federação Paulista tivemos uma reunião prévia para a preparação desse Paulistão. Uma coisa que falávamos para o Paulistão e pode ser levada para o Brasileirão tem a ver com o estado do gramado. Há equipes que têm que sair de seu próprio estádio para jogar em outro estádio em que as condições de gramado não são as melhores. Penso que a uniformização do campo de jogo é uma medida importante, não ter que me preocupar se tem mais largura ou profundidade. Acho que deveria estar claramente definido o tamanho do gramado. E também a rega, ou antes do aquecimento ou depois, no final da primeira parte, antes do início do segundo tempo. Uma uniformização dessa regra (é necessário). Assim, sabemos quando vamos jogar como visitante quais são as condições do terreno de jogo. O espaço de jogo melhora o espetáculo, a dinâmica do jogo. A qualidade do jogo praticado, que jé é grande, com essas medidas pode ser melhor ainda.

Vem acontecendo debates sobre a prática do jogo em gramados sintéticos. O que você pensa sobre isso?

– “Fifa approved”. Se a Fifa aprova, quem sou eu para dizer “not approved”. Há estudos que dizem que (o sintético) pode ser mais perigoso para lesões? Sim. Há agora uma normativa na Europa, porque existiu um “boom” de gramados artificiais e agora eles serão proibidos. Em qual lado está a verdade, eu não sei. Temos que nos adaptar a isso. Não fazemos treino nessas superfícies quando vamos lá jogar, é preciso se adaptar no momento. “Fifa approved”, nada a dizer. Vamos em frente.

Pedro Caixinha, técnico do Bragantino, em jogo do Brasileirão — Foto: Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

Você falou de padronização dos campos. Tem algum exemplo que você viveu nessa primeira temporada aqui que possa exemplificar essa questão?

– Não. Um ou outro estádio não tinha o gramado nas melhores condições, como o Mineirão, quando fomos jogar a primeira vez contra o Atlético-MG. O próprio Maracanã sofreu com algumas questões dessas e levou à alteração do nosso jogo, que coincidia com a proximidade da final da Libertadores.

– Falando ainda nisso, temos aquilo que é a possibilidade da definição do calendário com um pouco mais de espaço de tempo. Que seja mais democrático na tomada de decisões. Vamos lembrar que o Campeonato Brasileiro de 2023 terminava em 3 de dezembro. De repente, passou para 6. Ok, não tem problema, a gente se adapta. Mas toda vez que há alteração de um jogo, ele envolve duas equipes. Não tem que ser só o time da casa a decidir. A outra equipe não tem voz para decidir? Em Portugal e na Europa, por exemplo, há um entendimento entre as duas equipes sempre que há alteração, com exceção feita a situações climáticas, que já está regulamentado. Acho que tem que haver uma abordagem mais democrática, não “eu posso, quero, mando, defino.”

Pedro Caixinha durante treino do Bragantino — Foto: Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

Quais impressões você tinha do Brasil e foram confirmadas? E o que você encontrou aqui que não imaginava, que te surpreendeu positivamente ou negativamente?

– Acho que todas as grandes impressões são positivas. Eu só tinha conhecido o país em 2014, em São Paulo, quando estava no Santos Laguna-MEX. Aqui foi o sorteio da Libertadores e nós viemos. Acho que as Datas Fifa ajudaram muito. Tive a oportunidade de ter aqui a minha família, em particular a minha mulher, e conheci aquilo que é a beleza que vocês têm como país. A oportunidade de desfrutar de praia, porque eu adoro praia. Tive várias oportunidades de conhecer o Rio. É uma cidade que passei a adorar. Conheci Búzios, Canoas, que é muito próximo de Alagoas e abaixo de Maceió. Depois do fim do campeonato, conheci também Trancoso-BA. Todos destinos de praia, todos destinos fantásticos, onde desfrutei muito. Procuro também conhecer aquilo que é a realidade cultural, geográfica do país. Com isso, entender muito mais facilmente aquilo que são as pessoas e o próprio futebol. Quer queira, quer não, ele não pode estar desassociado daquilo que são as pessoas locais.

Da nossa cultura, o que te agrada? Em relação à culinária, à música...

– Começamos pela música. Tenho um grande amigo, que é da minha cidade, o António Zambujo, um grande músico português. Começou agora, curiosamente, a digressão aqui no Brasil. Vai tocar com alguns músicos brasileiros. Vamos ver se o calendário me dá oportunidade para poder acompanhá-lo. Gosto muito e sempre gostei muito da música brasileira. Obviamente, quando são alguns tipos de música que tocam no balneário (vestiário), já não me identifico tanto (risos). Mas, no geral, a música brasileira, de autores brasileiros, eu gosto muito, me identifico muito. Também, a própria música de carnaval. Sempre gostei muito daquilo que era música de carnaval. Eu próprio fui um folião de carnaval.

Tudo joia! Pedro Caixinha se diverte em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

– Naquilo que é parte gastronômica, eu gosto muito de mariscos. Tive a oportunidade de poder deliciá-los, que nessas zonas é mais carne. Carne que, de fato, é muito boa. Eu gosto de fazer churrascos em casa. Só ainda não tive a oportunidade de provar a feijoada. A tão famosa feijoada, que acho que é servida às quartas e aos sábados aqui. Ainda não tive a oportunidade de provar, mas quero.

Quando chegou ao Brasil, você tinha o desejo de conhecer o Carnaval. Realizou esse desejo?

– Consegui, sim. Consegui ir com a minha mulher, com os meus assistentes. O clube nos deu essa possibilidade. Fomos assistir ao desfile no sambódromo de São Paulo e, obviamente, é uma coisa que gostamos muito. Dizem que o do Rio é bem melhor. Quem sabe um dia possamos ter a oportunidade de conhecer o sambódromo do Rio, durante o Carnaval. É totalmente diferente do nosso carnaval. Toda aquela exuberância, toda aquela organização, todo aquele conjunto de cores, aquele conjunto de movimentos, aquelas músicas... Isso mexe conosco.

O que mais faz falta de Portugal?

– Em primeiro lugar, aquilo que é família, sem dúvida. Depois, a questão gastronômica. Aquilo que normalmente sinto mais saudade é do meu peixe, do meu marisco, de visitar restaurante A, B, C ou D. Portugal é tão pequeno que eu gosto, por exemplo, de ir em um restaurante em Algarve, outro em Lisboa, outro na Comporta, determinado restaurante em Fátima, no Porto... Eu gosto de fazer o meu roteiro gastronômico. Quando estou afastado mais tempo, é isso que sinto falta. Depois, da minha casa. Da minha casa como tal, do meu espaço, de sentir que esse é meu espaço, é minha casa, de cuidar dela, do meu cão. É basicamente isso que sinto falta.

Elenco do Bragantino e o técnico Pedro Caixinha — Foto: Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

Você demonstra valorizar muito as relações interpessoais também no trabalho. De que forma você tenta atuar para criar esse ambiente que fique agradável para todos, mas que não seja um ambiente de permissividade? Que haja cobranças, mas haja essa boa relação?

– O primeiro ponto é a definição de regras. Todos nós, em casa, temos nossas próprias regras. Dentro de um clube, também tem que ter essas regras. São regras em termos de disciplina. Acho que tem que passar muito por aquilo que é responsabilização, cada vez mais. Mas não é uma responsabilização que tenha que ser imposta. Tem que haver responsabilidade com máxima liberdade. Todos sabem qual é o caminho e todos sabem o que se espera dele a percorrer esse mesmo caminho.

– Criar essas regras, inicialmente, não foi tão difícil. O grupo já estava com as coisas muito claras. O clube tinha isso ainda mais claro. O mais importante foi definir essa regra, onde há uma regra de abertura para todos. Ao mesmo tempo, há uma cultura de exigência. Se cumprirmos as regras, fica sempre tudo muito mais fácil. Há um conjunto de regras que nós chamamos de comportamentos de jogo, sobre os quais é aquilo que é nossa matriz de jogo, que são as principais referências. Sobre as quais os jogadores sentam e baseiam o seu jogo para poder ter mais liberdade para jogar. Isso que queremos.

Técnico Pedro Caixinha antes de Bragantino x América-MG — Foto: Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

Um dos países pelo qual você passou foi a Arábia Saudita. Como vê essa ida de treinadores e grandes jogadores para o país?

– É um projeto muito claro que está em curso, chama-se 2030, do príncipe herdeiro. É um projeto de abrir a Arábia ao mundo e colocar a Arábia no mundo. Eu estive lá pela primeira vez antes de 2010 e notei uma clara evolução em termos da cultura, princípio e em termos do que eram restrições que existiam, com total respeito ao que é cultura saudita e muçulmano. Na primeira vez que fui, nós íamos ao McDonald’s e aqui tinha a fila da família e, logo ao lado, tinha a fila dos solteiros. Eu estava sozinho e tinha que ir para essa fila. Em 2020, já não havia essa divisão, poderia estar toda a gente a conviver, já havia cinemas, espetáculos. Esse projeto 2030 é de desenvolvimento da Arábia Saudita. Uma das formas de colocar um país na escala mundial é por meio de eventos esportivos.

Você voltaria a viver e trabalhar na Arábia?

– Aprendi a viver o aqui agora. Estou muito satisfeito aqui, muito feliz aqui. Onde fui mais feliz no futebol foi onde eu tive um projeto. E um projeto precisa ter tempo. Coincidentemente, foi quando conseguimos conquistar títulos, no Santos Laguna, onde estive três anos, e no Cruz Azul, onde estive dois. Ambos no México. Não gosto de ser saltimbanco, andar para aqui, andar para ali. Gosto de me sentir bem, ter essa empatia recíproca com as pessoas e continuar no tempo para fazer crescer esses projetos. Me sinto bem aqui, não tenho vontade de sair. Existiram ofertas nesses últimos meses, mas em termos do que é minha gratidão, minha palavra, o reconhecimento pelo projeto, decidimos ficar.

Essas propostas foram do Brasil?

– É indiferente falar... Você tem que ser muito ético em relação a isso, independentemente se foram do Brasil ou do exterior, foram propostas para mudança.

Pedro Caixinha apresenta ideias ao quadro Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

Historicamente, Portugal forma muitos treinadores. De uns anos para cá, temos notado isso cada vez mais no Brasil, com a vinda de muitos portugueses para cá. Como você vê esse movimento?

– Hoje, Portugal, além de treinadores, têm jogadores em variados e grandes campeonatos. Isso não começou com Mourinho, sendo ele o primeiro expoente máximo. Não começou com Abel (Ferreira) e (Jorge) Jesus, que permitiram a entrada de outros portugueses no mercado brasileiro. Começou com o professor Carlos Queiroz e o professor Jesualdo Ferreira, através de levar o conhecimento da universidade para o campo de jogo. Tem a ver com a evolução do que eram as comissões técnicas.

– O futebol evolui todos anos, como todas as áreas da vida. As tendências do jogo, do treino, de chegar aos jogadores e convencer os jogadores, da comunicação, da globalização, uma vez que trabalhamos muito fora do nosso país. Esse conjunto de formação que chega a nós como treinadores portugueses. Juntando os casos de sucesso do Mourinho, numa escala global, os casos de sucesso do Jesus e do Abel no Brasil, obviamente, podem abrir portas a pessoas como eu e muitas outras que depois vieram. Depois, a estar com a mão na massa e resultados fazem ou não a diferença em termos de continuidade e abrir portas.

Há comunicação entre os portugueses que trabalham no Brasil?

– Procuro ter essa comunicação, mas, quer queiramos ou não, há uma maior proximidade com A, B, C ou D. Quando tenho essa possibilidade, eu faço. Com o Abel (Ferreira), tive um conhecimento de circunstâncias. Somos adversários, mas quando o Palmeiras esteve presente em dois Mundiais de Clubes, em um deles foi derrotado por uma equipe mexicana e, em outro, esteve em vias de jogar contra uma equipe mexicana. Perguntem ao Abel onde ele conseguiu os relatórios dessas equipes mexicanas. Ou seja, essa interação tem que existir entre colegas de profissão, ainda mais colegas de profissão portugueses. Se um tem informação, por que não compartilhar com o outro? Eu vejo as coisas de uma maneira totalmente aberta.

Abel Ferreira e Pedro Caixinha em duelo entre Palmeiras e Bragantino — Foto: Marcos Ribolli

Essa relação hoje é estritamente profissional?

– É. Só conheci o Abel pessoalmente aqui. O contato que tive com ele foi nos três jogos que fizemos. Com o Luis Castro (ex-Botafogo), eu tinha uma relação mais próxima, apesar de não estar com ele há muitos e muitos anos. O Ivo eu conhecia porque foi meu colega de clube. O António Oliveira eu não conhecia. O Armando Evangelista eu não conhecia, mas mantive muito esse contato e essa relação. O Pepa eu não conhecia. Eu saí há 16 anos de Portugal e não tive oportunidade de ter tanto contato com eles. Quem era um pouquinho mais contemporâneo comigo era o Luis Castro, apesar de ser um pouquinho mais velho. Comecei relativamente novo como auxiliar, mas hoje, com 53 anos, sou mais velho em relação a esses colegas.

Você ainda mantém amizade com o José Mourinho? Tem falado com ele?

– A última vez que trocamos alguma mensagem foi quando jogamos em casa contra o Flamengo. É uma pessoa que nos deu muito em termos daquilo que era o treinador português. Há dois tipos de treinadores no futebol: aqueles que foram jogadores, quer queira ou quer não, têm outro estatuto. E tem aqueles que vêm por outra via, que vêm por uma via acadêmica, como foi o caso do Mourinho, como foi meu caso. Isso também abre portas, como ele nos abriu, para pessoas que não tinham tanto o contexto do futebol, não eram ex-jogadores, mas tinham o conhecimento, a capacidade de fazer coisas importantes no futebol.

José Mourinho está sem clube desde que deixou a Roma em janeiro — Foto: Getty Images

– Essa relação surgiu com ele por um treinador de quem fui auxiliar por muito tempo, o José Peseiro. Eles foram colegas da faculdade. O que ficou ali, através deles, foi o conhecimento e ficou essa relação de proximidade com uma pessoa que eu admiro muito. Foi uma pessoa fundamental para nos fazer abrir (a mente) e ver as coisas de uma maneira diferente e, indiscutivelmente, com tudo aquilo que conquistou e tem para conquistar.

Em suas entrevistas, você fala muito do que aqui e agora, mas gostaria que você falasse de sonhos pessoais e profissionais que você tem.

– Sempre fui muito ambicioso, sempre adorei ganhar. Mas sei que ganhar custa muito, dá muito trabalho. Por isso, temos essa dedicação, para que vençamos a inércia e possamos estar mais perto de conseguir. Falando em sonhos, eu gostaria muito de ganhar títulos com o Red Bull, gostaria muito que o que é esse projeto pudesse crescer e, a seu tempo, viesse a ser o que é o Leipzig, na Alemanha. É uma equipe que disputa todos os títulos, que tem essa condição. Nós ainda não temos. Se quiser falar de sonhos, é poder conquistar títulos, fazer crescer o projeto e estar no patamar do que representa o Leipzig dentro do grupo, mas no contexto da Alemanha.

E fora do futebol?

– Agora que meus filhos estão na faculdade, minha mulher pode estar mais tempo comigo. Eu sou um cidadão do mundo. Onde estiver bem, onde tiver muito boas condições de trabalho, vou estar feliz. Estar feliz é o mais importante, desfrutar o que faço no dia a dia.

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