Por Letícia Dauer, g1 SP — São Paulo


Henrique Chagas ficou com ferimentos no rosto após peeling de fenol. Essas fotos foram feitas pelo namorado dele — Foto: Reprodução/Divulgação/ Marcelo Camargo

O empresário Henrique Silva Chagas, de 27 anos, morreu em São Paulo após ser submetido a um peeling de fenol. A influencer Natalia Becker, responsável pelo procedimento, não tem formação acadêmica em nenhuma área da saúde ou de estética. Segundo a polícia, ela assistiu somente a um curso livre na internet que ensinava a aplicar o produto.

A repercussão da morte do empresário suscitou o debate sobre quem está habilitado a executar o procedimento e qual a formação acadêmica necessária.

Atualmente, é possível encontrar dermatologistas, biomédicos e até farmacêuticos vendendo o peeling de fenol. O Conselho Federal de Medicina (CFM) defende que somente médicos com especialização em dermatologia estão habilitados a executar o procedimento.

Entretanto, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) e o Conselho Federal de Biomedicina (CFB) possuem resoluções que autorizam os profissionais das respectivas classes a realizar peelings químicos, incluindo a modalidade com fenol. Afinal, quem pode aplicar o produto?

O g1 preparou um material com as principais dúvidas sobre o tema. Confira abaixo:

O que é o peeling de fenol?

O peeling de fenol consiste na aplicação de um composto orgânico mais ácido do que o álcool que provoca uma reação inflamatória na pele. A inflamação causa uma descamação profunda do tecido para reduzir manchas, cicatrizes e marcas do tempo a partir da renovação das células.

Dias após a aplicação, a pele parece “se soltar” do rosto, ganhando um aspecto mais liso e jovem. Apesar de ser considerado um tratamento eficaz contra rugas e flacidez, esse tipo de peeling químico pode provocar efeitos adversos graves.

Imagens mostram paciente que fez peeling de fenol momentos antes de passar mal em SP

Imagens mostram paciente que fez peeling de fenol momentos antes de passar mal em SP

O peeling é um procedimento invasivo?

A lei sobre o exercício da medicina (n° 12.842/2013) determina que atividades invasivas são aquelas onde há "invasão dos orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos" e que são privativas ao médico.

O advogado Frederico Carvalho, assessor jurídico da Associação Nacional dos Esteticistas e Cosmetólogos (Anesco), defende que o procedimento de peeling químico não atinge órgãos internos, já que "não se faz adentrando-se orifícios naturais do corpo". Então, "é uma técnica que o esteticista pode fazer dentro do seu campo de atuação previsto na lei 13.643/2018".

Entretanto, o presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Heitor de Sá Gonçalves, explica que o peeling de fenol é um procedimento invasivo. A pele é dividida em duas camadas principais: a epiderme (a mais superficial) e a derme. A substância consegue penetrar ambas as camadas e entrar em contato com a corrente sanguínea.

Quais são os efeitos adversos do fenol?

O fenol é um produto químico extremamente tóxico que, se entrar em contato com a corrente sanguínea ao ser absorvido pela pele, pode produzir complicações cardíacas, para o rim e o fígado, alerta o presidente da SBD.

A substância "pode causar complicações na própria pele, com feridas, ulcerações, infecções secundárias, que podem gerar bactéria, sepse e até óbito. Então é importante que o profissional tenha a capacidade de detectar uma infecção cutânea desde o seu início".

O presidente da SBD explica também ser necessário "monitorar, antes do peeling, a função cardíaca, renal e hepática do paciente porque, se o produto for absorvido, é importante que ele tenha essas funções bem estabelecidas. Além de detectar qualquer alteração decorrente disso. Tudo isso implica que esse peeling deve ser feito com monitoramento cardíaco, renal e hepático, de preferência num ambiente hospitalar ou ambulatorial", explica Gonçalves.

Quem está habilitado a realizar o procedimento?

Como o procedimento com fenol é considerado invasivo e pode gerar efeitos adversos graves, para o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), somente os médicos com especialização em Dermatologia estão aptos a realizá-lo e resolver suas possíveis consequências.

Entretanto, a resolução n° 573/2013 do Conselho Federal de Farmácia sobre o exercício da saúde estética, autoriza o farmacêutico a realizar uma série de procedimentos, inclusive os peelings químicos.

Os biomédicos também podem realizar o peeling de fenol, de acordo com a resolução n° 197/2011 do Conselho Federal de Biomedicina. Ambas as instituições enfatizam que o profissional deve realizar uma especialização para atuar na área de estética, desde que os procedimentos não sejam invasivos, não atinjam órgãos internos nem envolvam intervenções de cirurgia plástica.

A segunda-vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Rosylane Rocha, reforça que os profissionais de saúde que não são médicos não estão treinados para resolver os efeitos adversos.

“Quando o médico vai realizar um procedimento como peeling de fenol, ele tem que saber se aquele paciente tem alguma comorbidade. Como está a questão do coração, do fígado, dos rins? Porque é um produto químico extremamente tóxico que, se absorvido, pode levar à morte. As resoluções de outros [conselhos] profissionais estão sempre buscando dar a eles atribuições para que entrem no mercado, angariando clientela para realizar procedimentos para os quais eles não têm habilitação técnica", critica Rocha.

A advogada Nycolle Araújo Soares, especialista em direito médico, aponta mais uma problemática nesse emaranhado jurídico: não existe uma legislação específica no Brasil que delimite a realização dos peelings químicos, em especial com o fenol.

"Quando o Conselho Federal de Medicina diz que o Código de Ética Médica afirma que o peeling de fenol seria um procedimento de realização restrita à classe médica, ele está fazendo uma interpretação. O que é dito é a indicação da execução de procedimentos invasivos. A grande questão é: qual é a delimitação quanto ao que é um procedimento invasivo quando estamos falando sobre procedimentos estéticos?", afirma a advogada.

Para Soares, enquanto não houver uma lei regulamentando esses procedimentos estéticos, uma forma de tentar controlar o mercado da beleza é por meio da restrição da venda de produtos.

“A partir do momento em que você consegue restringir a venda do produto, você tem controle de quem pode ter acesso a essa substância. A partir disso, até a própria responsabilização do profissional acaba sendo algo mais factível, mas o problema com relação ao peeling de fenol é que há várias notícias de que se tornou uma substância que você pode encontrar em marketplace [lojas que vendem pela internet]", explica a advogada.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabelece que o uso de fenol é proibido em produtos cosméticos industrializados e de uso profissional, ou seja, não pode ser vendido para cidadãos leigos como Natalia Becker, que não têm formação acadêmica para manipular a substância.

A nota técnica nº 2/2024 ainda define que "produtos estéticos destinados a procedimentos injetáveis não podem ser regularizados como cosméticos, pois são aplicados por meio de injeções ou microagulhamento, por exemplo, penetrando diretamente na pele ou em camadas profundas do corpo. Essa característica aumenta o potencial de complicações se os produtos não forem utilizados sob a supervisão de profissionais qualificados e de acordo com a regulamentação sanitária vigente".

Por isso, os produtos injetáveis são regularizados na Anvisa como medicamentos ou produtos para a saúde, nunca como produtos cosméticos.

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Relembre o caso

Henrique Chagas morreu após fazer peeling de fenol com esteticista Natali Becker na clínica dela em São Paulo — Foto: Reprodução/Redes sociais/ TV Globo

Henrique Silva Chagas, de 27 anos, morreu após ser submetido a um peeling de fenol em 3 de junho em São Paulo. O procedimento foi realizado pela influenciadora e dona da clínica estética Natalia Fabiana de Freitas Antonio, que se identifica como Natalia Becker nas redes sociais.

De acordo com o boletim de ocorrência, a vítima passou por uma limpeza de pele e uma aplicação de anestésico seguida de uma raspagem para receber o composto orgânico (fenol). Após a aplicação da substância, Henrique começou a passar mal, a respirar muito forte pela boca e pediu socorro.

A influenciadora e funcionárias da clínica estética vieram socorrê-lo. Acionaram o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que constatou a morte na própria clínica.

O 27º Distrito Policial (DP) do Campo Belo, responsável pela investigação, apura as causas e eventuais responsabilidades pela morte de Henrique.

Uma das hipóteses investigadas pela polícia é a de que o empresário possa ter tido algum tipo de reação alérgica ao tratamento e morrido por "choque anafilático" pelo uso de alguma substância química, entre elas o fenol.

Natalia foi indiciada por homicídio com dolo eventual. "A polícia entende que o crime foi infringido é homicídio na modalidade dolosa [dolo eventual], não pelo fato de a autora ter tido vontade no resultado morte, mas por ter aceitado, de certa forma, o risco de ter produzido a morte", explicou o delegado Eduardo Luis Ferreira, do 27º DP.

Henrique Chagas era dono de petshop em Pirassununga e morreu após peeling de fenol em SP — Foto: Reprodução/Facebook

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