Por Gustavo Chagas, g1 RS e RBS TV


Sacos de areia são usados para a contenção da água na região da Usina do Gasômetro, no Cais do Porto, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, na terça- feira, 14. — Foto: GILMAR ALVES /ASI/ESTADÃO CONTEÚDO

A quarta-feira (15) foi de pequenos alívios para parte da população de Porto Alegre. O segundo dia consecutivo sem chuvas, mas com frio, levou o Guaíba a entrar em estabilidade. Além disso, uma das principais estações de tratamento de água voltou a funcionar na capital, voltando a abastecer parte da cidade.

Por outro lado, no Sul do estado, o cenário é outro: cidades no entorno da Lagoa dos Patos continuam em alerta. Em Rio Grande, a água chegou em partes que antes não havia chegado, no dia em que a água atingiu seu maior nível desde o início das enchentes na cidade.

Em São Lourenço do Sul, na mesma região, a orientação das autoridades é que as pessoas ainda não voltem para suas casas. Por volta das 11h, o nível da lagoa - que é medido em São Lourenço - chegou a 2,70 metros -- 30 centímetros a mais do que o registrado na segunda-feira (13).

O boletim mais recente da Defesa Civil manteve a contagem de 149 pessoas mortas em todo o estado, com 108 desaparecidas e 806 feridas. Os equipes de socorristas já resgataram 76,5 mil pessoas no RS, que soma 2,1 milhão de afetados de alguma forma pela tragédia.

O Rio Grande do Sul registra 614 mil pessoas fora de casa em razão das cheias76,5 mil estão em abrigos e outras 538,2 mil estão na casa de parentes ou amigos.

Para atender essa população, o governo federal anunciou uma série de medidas, como um auxílio financeiro de R$ 5,1 mil a quem perdeu bens nas cheias e a compra de casas.

Nesta reportagem, você confere um resumo de como foi o dia no RS.

Água volta a chegar na estação de tratamento do bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre — Foto: Julio Ferreira/PMPA

Porto Alegre: sol, frio e água nas torneiras

Depois de registrar mínima de 8°C na terça (14), Porto Alegre amanheceu com os termômetros marcando 6,9°C. Apesar do frio, a quarta foi mais um dia sem chuva, o que permitiu que o Lago Guaíba deixasse de aumentar seu nível.. O interior do estado registrou geada e mínima de 0,3°C.

Até a tarde desta quarta, o nível do Guaíba era de relativa estabilidade, com 5,18 metros – cinco centímetros a menos do que na terça, quando marcou 5,23 metros. O Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS sinaliza que a tendência atual é de baixa lenta e gradual.

"Os modelos hidrológicos estão indicando justamente uma estabilização. A partir desta quarta, entraremos em uma trajetória descendente", afirmou o hidrólogo Fernando Fan.

Nível do Guaíba a cada dia
Maior nível a cada dia
Fonte: Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA)

Apesar da pausa nas chuvas, ainda há reflexos das enchentes por todos os lados: a prefeitura divulgou levantamento que aponta que as cheias atingiram mais da metade dos bairros de Porto Alegre e afetaram 157 mil moradores da capital.

Os locais mais afetados estão localizados próximos à Orla do Guaíba, no Centro e na Zona Sul, e na Zona Norte. As populações dos bairros Sarandi, Menino Deus e Farrapos são as que registram o maior número de atingidos.

O município soma 13,8 mil pessoas em abrigos. Entre elas, está uma família de venezuelanos que mora no bairro Sarandi. Javier Velázquez e Carina Gonzáles deixaram o imóvel com tudo dentro, salvando a filha de 11 anos e a cadelinha Violeta.

"Eu tinha duas mochilas e tive que escolher entre soltar a mochila ou a cachorrinha. Eu decidi então soltar a mochila e ficar com ela, que cuido desde muito pequena. Então perdi os meus documentos que estavam na outra mochila", diz.

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Pela tarde, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) anunciou a retomada das operações na Estação de Tratamento de Água (ETA) do bairro Moinhos de Vento. A unidade é responsável pelo abastecimento de água em 21 bairros, entre eles, o Centro Histórico.

A ETA estava sem funcionar desde 4 de maio, quando alagou uma unidade de bombeamento. Isso impediu o envio da água captada para o tratamento, afetando parte da população.

Agora, das seis ETAs da cidade, cinco estão funcionando. A única fora de operação é a ETA Ilhas, que fica justamente no arquipélago do Guaíba. A unidade que abastece a região está inundada.

Apesar da ETA Moinhos de Vento já estar em operação, a água pode demorar a chegar nas partes mais distantes dos 21 bairros atendidos pela unidade.

Trabalhadores na ETA Moinhos de Vento, em Porto Alegre — Foto: Dmae/Divulgação

Com a situação começando a ser normalizada, especialistas analisam o que ocorreu para que parte da capital ficasse alagada por tanto tempo. Para os cientistas, o sistema anticheias que deveria proteger a cidade falhou. O custo para modernizar os equipamentos, como as bombas de drenagem, se aproxima dos R$ 400 milhões.

Uma das áreas ainda alagada em Porto Alegre é a região do Aeroporto Internacional Salgado Filho. O Ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Vital do Rêgo Filho, disse que o órgão vai estudar o reequilíbrio financeiro no contrato de concessão do terminal.

Aeroporto Internacional Salgado Filho alagado em Porto Alegre — Foto: Mauricio Tonetto/Secom-RS

Para o ministro, o reequilíbrio é necessário para que a Fraport, concessionária alemã que administra o aeroporto, consiga ter recurso financeiro suficiente para investir na reconstrução do local.

O governador Eduardo Leite (PSDB) pediu o apoio federal para garantir a operação de voos emergenciais e comerciais em outros aeroportos do estado.

"Estamos falando com o governo federal também pra toda a malha aérea emergencial possível ser colocada no aeroporto de Caxias do Sul, na Base Aérea de Canoas, em outros aeroportos do interior do estado, pra mantermos aí os empregos também na área do turismo", sugere.

Nível dos rios no RS
Situação nos últimos cinco dias
Fonte: Sema/RS

Lagoa dos Patos

Em Rio Grande, quase todas as ruas da cidade estão alagadas. Nesta quarta, a água chegou em partes que antes não havia chegado, como a área da Biblioteca Pública, a Praça Xavier Ferreira e o Distrito Industrial.

Em São Lourenço do Sul, a orientação das autoridades é que as pessoas ainda não voltem para suas casas. Por volta das 11h, o nível da lagoa chegou a 2,70 metros - maior nível desde o início das enchentes (veja no gráfico abaixo).

O professor Glauber Gonçalves, do Comitê de Avaliação e Prognóstico de Eventos Extremos da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) diz que a mudança repentina no nível da lagoa é provocada pela chamada "maré meteorológica", que altera a direção dos ventos na região, dificultando o escoamento da água.

Nível da Lagoa dos Patos
Fonte: Semas-RS
Cheias no RS: continua alerta no sul do Estado

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O ministro da Casa Civil, Rui Costa, confirmou ao blog do jornalista Gerson Camarotti no g1 a ideia de criar um canal de escoamento entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico. Cientistas da UFRGS, no entanto, criticam a proposta.

O vice-diretor do Instituto de Biociências (IBIO), Luiz Malabarba, afirma que a medida é "uma solução mágica", e diz que um novo canal pode causar ao menos três frentes de impacto: a salinização da água, a erosão do solo e ameaçar as espécies que vivem no ecossistema da região.

Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul. — Foto: TV Globo/Reprodução

Região dos Vales

No interior do estado, os rios mais atingidos pelas primeiras chuvas, como o Caí, o Taquari e o Jacuí, estão em baixa. Eles desaguam no Guaíba e aumentam a expectativa para a população da Região Metropolitana.

Contudo, o recuo das águas segue revelando cenários de destruição. Em Lajeado, no Vale do Taquari, a população se une para retirar a lama que tomou conta das ruas e dos imóiveis.

"O que é possível fazer neste momento, infelizmente, é arregaçar as mangas e trabalhar, como todo o povo gaúcho guerreiro", diz o radialista Irno Gisch, que teve a casa coberta por lama.

Recuo do rio Taquari revela cenário de lama e destruição em Lajeado, RS

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Serra

Na Serra, Gramado soma mil pessoas fora de casa, sendo 200 em abrigos. Uma rua desmoronou no município, conhecido pelo turismo em todo o Brasil. O número reduzido de visitantes faz com que o setor, que representa 86% da economia local, calcule um prejuízo de R$ 100 milhões apenas para o mês de maio.

"Os números realmente são muito ruins com relação ao que estávamos projetando. O cenário estava aquecendo bastante, maio é um mês muito bom, o outono aqui é muito bonito. Tivemos redução muito significativa. Temos uma média de ocupação na casa dos 12%. Ano passado tínhamos pelo menos 60% a mais", explica Ricardo Reginato, secretário do Turismo de Gramado.

Mais de mil pessoas estão fora de casa em Gramado

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PIX e Minha Casa, Minha Vida

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitou o RS pela terceira vez desde o início da tragédia. Em São Leopoldo, ele anunciou um pacote de ações voltadas para famílias atingidas pelas chuvas e cheias no Rio Grande do Sul.

"Todas as pessoas que perderam seu objetos. A comprovação se dará apenas pelo endereço que a pessoa mora. Quem perdeu todos os documentos vai lá, diz seu CPF. Vai ser via aplicativo da Caixa, com a autodeclaração das pessoas. E esse endereço, evidente, será checado", diz o ministro Rui Costa.

O governo federal também vai comprar casas que estejam à venda, expandir o programa Minha Casa, Minha Vida e usar imóveis da Caixa e do Banco do Brasil que iriam para leilão nas cidades atingidas.

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Calamidade e pedido de 'desculpas'

O governo do Rio Grande do Sul diminuiu o número de municípios em estado de calamidade pública de 397 para 46 devido às enchentes. O estado ainda registra 320 cidades em situação de emergência.

No primeiro caso, o desastre compromete completamente a capacidade de resposta do município e o decreto agiliza a contratação de bens e serviços para ajudar a população e recompor serviços de infraestrutura, sem contrapartidas. Na emergência, essa capacidade afeta parcialmente o poder público local, de modo que o município precisa de recursos complementares.

O governador Eduardo Leite usou o seus perfis em redes sociais para pedir desculpas por uma declaração feita durante um programa de entrevistas na Band, na terça-feira (14). Na ocasião, ele relacionou as doações feitas aos atingidos por temporais no RS com o impacto delas no comércio local.

"O reerguimento desse comércio fica dificultado na medida em que você tem uma série de itens que estão vindo de outros lugares também do país", disse a respeito do volume grande de doações físicas que chegam ao estado.

No seu pedido de desculpas, Leite disse que acabou "misturando [o impacto dos temporais no comércio] com a questão das doações".

Governador postou pedido de desculpas em suas redes sociais — Foto: Reprodução/Redes Sociais

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