Por Mariana Queiroz, RJ2


Operação policial na Maré acontece 9 meses após vídeos de traficantes treinando em área de moradores

Operação policial na Maré acontece 9 meses após vídeos de traficantes treinando em área de moradores

Mais de 140 mil pessoas que vivem nas 16 comunidades que fazem parte do Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, convivem há décadas com confrontos frequentes entre bandidos e policiais. Na última terça-feira (11), uma operação da Polícia Militar no conjunto de favelas terminou com 5 mortos, sendo um policial do Bope, em mais um dia de caos na região.

Os confrontos aumentam assim como a lista de vítimas dessa guerra que atrapalha a vida de milhares de trabalhadores e estudantes que moram nas favelas do complexo.

Há nove meses, o Brasil teve acesso a imagens de criminosos de fuzil treinando em um centro comunitário na Maré. Nos vídeos, era possível ver instrutores ensinando grupos de 15 a 20 homens, todos armados com fuzis, fazendo exercícios militares e treinamentos semelhantes aos feitos pelas forças de segurança.

As imagens também revelaram crianças armadas e até uma metralhadora ponto cinquenta, capaz de derrubar um avião.

Grupo usa área com quadras e piscinas para fazer treinamento de guerrilha. — Foto: TV Globo/Reprodução

No dia seguinte a reportagem do Fantástico que revelou o centro de treinamento do Terceiro Comando, o governador Cláudio Castro (PL) foi enérgico e prometeu prender os líderes do tráfico na região.

"O próximo passo agora é prendê-los, tirar os líderes de circulação. Recentemente encaminhamos diversos líderes para presídios federais”, disse Castro, que acreditava na época que a polícia tinha poder de fogo para entrar na Maré.

Operações diárias

Duas semanas depois, o Governo do Estado começou uma grande operação na região. No dia 09 de outubro, cerca de mil homens das polícias Civil e Militar foram para as comunidades dominadas pelo tráfico para cumprir 54 mandados de prisão.

Câmera de segurança flagra traficantes enfrentando policiais na Maré

Câmera de segurança flagra traficantes enfrentando policiais na Maré

No segundo dia de operação, as forças de segurança retomaram o clube usado pelos traficantes. Os agentes fizeram incursões quase que diárias durante mais de um mês.

No fim de novembro, o governo fez um balanço das ações: apesar dos 54 mandados de prisão, a polícia prendeu 12 pessoas. E somente 13 armas foram recuperadas.

Essa foi apenas mais uma das tentativas dos governantes para pacificar o conjunto de favelas dominado por facções criminosas. O saldo comum entre todas as promessas foi o mesmo: tiroteios e mortes.

Força Nacional presente

Ainda em setembro de 2023, o Governo do Estado apresentou ao Governo Federal os pedidos de prisão de mais de 1,1 mil bandidos da Maré. O governador Cláudio Castro informou na época que aguardava as denúncias dos traficantes por parte do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Em seguida, o Governo Federal autorizou o reforço da Força Nacional em ações das polícias Civil e Militar.

Homens da Força de Segurança Nacional durante operação policial na Vila do João, no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, em agosto de 2016. — Foto: Felipe Dana/ AP

O Ministério da Justiça prometeu enviar 50 viaturas e 300 agentes, que seriam responsáveis pela vigilância das entradas da Maré e iriam ajudar na instalação de câmeras de reconhecimento facial nas ruas das comunidades.

Uma das câmeras instaladas no entorno do Complexo da Maré não completou 24 horas instalada. A empresa L8, contratada pela PM por R$ 18 milhões para fazer o serviço, apontou a imensa dificuldade que enfrentava em relação a essa localidade, que vai desde ameaças à integridade física dos colaboradores, a furto de equipamentos.

A empresa informou que aumentou a altura das câmeras para 8 metros de distância do chão para evitar a ação de bandidos. Só que a distância maior para os possíveis alvos interferiu nos testes realizados pela PM – que não ficou satisfeita com o resultado.

Em um documento do dia 14 de dezembro, o chefe do videomonitoramento da corporação afirmou que “o recurso de reconhecimento facial não atingiu o mínimo especificado” para atender a demanda, “se mostrando ineficiente para a conclusão do projeto”.

Mais de 400 bandidos no local

Durante as investigações que revelaram o centro de treinamento do tráfico, a polícia chegou a identificar mais de 400 bandidos na região.

Polícia conseguiu montar organograma do crime na Maré. — Foto: TV Globo/Reprodução

Segundo a Polícia Civil, um dos chefes do tráfico no Complexo da Maré é Thiago da Silva Folly, o TH, que está há mais de 10 anos na mira das autoridades. Os dois bandidos mortos na operação desta terça, segundo as investigações, seriam seguranças de TH.

O chefe do tráfico na região foi denunciado pela morte de um cabo do Exército durante a ocupação das Forças Armadas na Maré.

TH também foi denunciado pela morte de outro militar: o soldado da Força Nacional Hélio Andrade, que entrou por engano na Vila do João e teve a viatura fuzilada dias antes das Olimpíadas de 2016.

Ocupação desde os anos 90

A Maré sofre com a ocupação de traficantes desde os anos 90. Nas décadas seguintes, o estado tentou diversas vezes retomar o controle sobre a região, mas fracassou em todas.

Em 2014 e 2015, o Exército e a Marinha ocuparam o conjunto de favelas por 14 meses com a missão de pacificar a região para a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).

Segundo a Secretaria de Segurança do Rio, a ocupação do Complexo da Maré conta com 1.180 policiais militares — Foto: Alexandre Durão/G1

A operação custou R$ 600 milhões, no entanto, os militares saíram sem conseguir resolver o problema na região.

"A gente pode dizer que as policiais estão investindo cada vez mais, estamos com 6 meses, já aprendemos 140 fuzis. A realidade não é trivial, desafio muito grande".

"Todas as forças precisam se mobilizar para dar uma resposta à altura. É um problema que não vai ser respondido apenas com o governo. É Força Nacional, e ate mesmo de pensar de onde vem esse armamento, legislação. Um desafio muito maior. No dia a dia, a PM vem dando literalmente o seu sangue", comentou o porta-voz da PMRJ, Cláudia Moraes.

Procurado, o Ministério da Justiça não havia respondido até a atualização mais recente desta reportagem.

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