Por Arthur Stabile, g1 AP


Local de um assassinato ocorrido no Macapá, capital do estado — Foto: Danny Calado/Rede Amazônica

O Amapá vive uma espécie de gangorra nos índices de criminalidade nos últimos anos. Depois de terminar 2022 como o estado que registrou mais queda nas Mortes Violentas Intencionais (as MVIs, no jargão técnico), os dados do 1º semestre de 2023 colocam o estado como líder no ranking de maiores altas de assassinatos do país, segundo novo levantamento do Monitor da Violência do g1.

Foram 65% mais casos registrados de janeiro a junho de 2023 quando comparado com o mesmo período de 2022: passou de 108 mortes para 175, aumento bruto de 67 casos.

Duas cidades concentram 95% das mortes: somadas, a capital Macapá e a sua vizinha Santana registraram 64 mais mortes no período em relação ao intervalo de janeiro a junho no ano passado.

Estão contabilizadas no número as vítimas dos seguintes crimes:

  • homicídios dolosos (incluindo os feminicídios);
  • latrocínios (roubos seguidos de morte);
  • lesões corporais seguidas de morte.

Não entram na conta as mortes de pessoas durante ações da polícia.

Enquanto o estado inteiro teve aumento de 67 mortes, a capital representou 36 destes crimes (salto de 61 casos em 2022 para 97 em 2023, o que representa subida de 59%).

Já Santana, que fica distante apenas 17 km e é vizinha de Macapá, acrescentou 28 registros oficiais (de 21 para 49 no período, aumento de 118%).

O g1 questionou o governo do Amapá sobre a alta nas mortes violentas intencionais. De acordo com o secretário da Secretaria da Justiça e Segurança Pública, José Neto, 95% das mortes estão ligadas a confrontos de facções que, segundo ele, são o motivo principal para o vai e vem nos índices de mortes violentas registradas no estado.

"Nós já percebemos é que esse aumento e essa diminuição, principalmente dos números de homicídios aqui no estado, estão diretamente relacionados a atuação desses grupos criminosos, dessas facções criminosas", afirmou (leia mais abaixo).

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O que pode explicar

A presença de facções criminosas e as características físicas das duas cidades estão entre os motivos para o crescimento no número de mortes violentas no Amapá neste primeiro semestre e as diferenças registradas em outros períodos — alta em 2021, queda em 2022 e nova alta ao longo de 2023.

De acordo com o governo local, uma série de crimes com mortes no começo do ano foram resultados de uma guerra entre duas facções que se dividiram e passaram a disputar pontos de tráfico de droga. Os casos se concentraram na capital Macapá e em Santana, cidade vizinha.

Além de serem os dois maiores municípios do estado, as cidades estão em ponto de fronteira com o Pará e têm acesso ao mar rumo à América Central ou Europa. Ambas ficam aos pés do Rio Amazonas, com a presença de um porto que fica a 3 km do centro de Santana e a 18 km do centro da capital.

O porto surge como elemento central para o comércio ilegal de drogas e outros materiais, como madeira. Grupos criminosos usam o local para transportar os produtos ilícitos para fora do estado e do país.

Dados oficiais informados ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública pelo governo do Amapá indicam a apreensão de 250 armas de fogo no primeiro semestre, número que é 60% maior em relação a 2022.

Os números de assassinatos no Amapá foram particularmente altos em janeiro e fevereiro. Em janeiro, por exemplo, foram 40 mortes violentas — sendo que, em janeiro do ano passado, foram apenas 19.

A Região Metropolitana de Macapá chegou a registrar cinco assassinatos em apenas três horas. A violência apenas voltou a um patamar mais próximo ao de 2022 em março, quando foram registrados 19 assassinatos (em 2022, foram 14 no período).

"Este crescimento acentuado dos assassinatos parece estar relacionado a um conflito entre facções locais que se iniciou em outubro do ano passado, após o homicídio de uma liderança de uma das facções criminosas no município de Santana. Desde março, no entanto, o ritmo do crescimento da violência se alterou, indicando o estancamento da crise e o fato de que as forças de segurança estão atuando de modo mais articulado e coordenado", afirmam Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima, diretores do FBSP.

Por conta da alta nos homicídios e demais mortes violentas, o governo do Amapá faz uma operação em conjunto com o Governo Federal, a Hórus, com policiamento ostensivo e preventivo em áreas de risco para abordar suspeitos e realizar barreiras no trânsito, conforme posicionamento oficial.

"Como havíamos programado, estamos com essas ações rotineiras no município, garantindo para a população a segurança da nossa sociedade. Vamos enfrentar a violência, e uma das formas mais eficazes de combater crimes é colocar os policiais na rua”, afirmou o secretário de Segurança Pública, José Neto.

Tendência é de vai e vem

Segundo Marcus Cardoso, pesquisador do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC) e professor da Universidade Federal do Amapá (Unifap), a tendência nos últimos anos é de haver uma gangorra nos indicadores de mortes violentas intencionais no estado.

“Houve queda das mortes violentas em 2022. Não tem como garantir que isso necessariamente tem a ver com acordo com grupos rivais, porque não têm estado em acordo, nem necessariamente um sucesso da segurança pública local. Tem um grau de aleatoriedade na diminuição e aumento”, afirma.

Ele detalha que Macapá e Santana concentram os casos por serem as principais cidades do estado e com maior população. "Esses municípios são onde o estado acontece", resume.

O especialista diz que há dois grupos criminosos que atuam e dominam a região: a Família Terror Amapá, que possui relações com o Primeiro Comando da Capital (PCC) de São Paulo; e a União Criminosa Amapaense, com acordo mais próximo ao Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. Parte das mortes tem a ver com conflitos entre os seus integrantes, mas na avaliação de Cardoso, estes choques não são o fator chave para o aumento e queda em todo o estado.

“Não podemos dizer que estamos identificando tendência de queda, como acontece em outros estados. Tem que ter uma constância, algo que se repete. Aqui não é assim. Se tem salto de 100 mortes de um ano para outro, então cai, depois repete nos anos seguintes. É difícil imaginar e afirmar que tem tendência", diz.

Uma das teorias de especialistas da região é de que mortes provocadas por grupos de extermínio estejam elevando os indicadores nos momentos de crescimento.

O que diz o governo

O secretário da Justiça e Segurança Pública do Amapá, José Neto, coloca nas facções o ponto central do aumento nas mortes no primeiro semestre de 2023. Segundo ele, um acordo feito por dois grupos em 2021 causou a diminuição no ano seguinte.

"Em meados de outubro, início de novembro [de 2022], eles romperam esse acordo e passaram a se digladiar", diz o secretário, ao argumentar que facções do Sul e Sudeste se deslocaram para o Amapá há cerca de 10 anos, o que interferiu nos índices de criminalidade violenta.

"Nós somos uma rota de caminho para drogas, principalmente cocaína, saída via a Suriname, para a Europa. Essa localização geográfica acabou atraindo esses grupos criminosos e o que vem gerando esse fenômeno, essa guerra para dominância de território visando a obtenção de lucro", afirma.

Segundo Neto, o governo do Amapá tem investido em inteligência e atuação mais ativa da Polícia Militar em locais com mais criminalidade para diminuir os índices. Entre as ações ele elenca qualificação de equipes, atuação integrada dos setores de segurança, palestras feitas pelo governo federal e investimento no sistema prisional.

"É uma série de medidas que estão sendo tomadas, a gente ainda não alcançou, estamos longe de alcançar o objetivo, mas eu tenho grande esperança de que até o final do ano a gente vai ter conseguido reverter essa situação e reduzir de forma muito mais significativa os nossos índices de crimes violentos letais e intencionais!", diz José Neto.

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