Por Yuri Marcel, g1 AC — Rio Branco


Porto Walter, no interior do Acre, era uma cidade sem carros há 10 anos — Foto: Macson Alves/Arquivo pessoal

Uma cidade sem carros circulando pelas ruas em pleno século 21, o que para pessoas cansadas do trânsito caótico das grandes cidades seria uma utopia, para a população da cidade Porto Walter, no interior do Acre, era uma realidade. Até pelo menos 2014, a cidade era a única do Brasil sem automóveis.

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Mas para como isso é possível é preciso entender a geografia da cidade, que completa 32 anos de emancipação política nesta terça-feira (25). Até setembro de 2022, Porto Walter integrava o grupo de municípios isolados do Acre, que engloba ainda Marechal Thaumaturgo, Jordão e Santa Rosa do Purus.

Cidade tinha poucas vias asfaltadas — Foto: Acervo: Secretaria de Comunicação – SECOM Acervo Digital: Dept° de Patrimônio Histórico e Cultural - FEM

Nessas cidades só é possível chegar em aviões de pequeno porte ou de barco, opção que pode levar dias, dependendo do nível dos rios que levam até lá . Logo, Porto Walter, até então, com pouco mais de 10 mil habitantes, não possuía acesso por terra e poucas ruas eram asfaltadas.

"Não compensa. Há poucas ruas (asfaltadas) e as estradas de terra são perigosas. A gente leva os filhos para a escola a pé e quando precisa transportar alguma coisa mais pesada freta um carro de boi. Vale mais a pena investir na compra de um barco, porque assim a gente pode seguir pelo rio até Cruzeiro do Sul”, contou ao g1, em 2014, o aposentado Deusdite Barauna Bezerra.

O homem, que chegou a ter dois carros quando vivia na cidade de Cruzeiro do Sul, vendeu os veículos quando se mudou para Porto Walter. De fato, na época, a cidade tinha motos, bicicletas e até mesmo caminhonetes de orgãos públicos, mas o meio de transporte mais comum eram os carros de boi.

Ramal Barbary, estrada entre Porto Walter e Cruzeiro do Sul foi interditada pouco mais de um ano após ser aberta — Foto: Asscom Deracre

Fim do isolamento não durou muito

A situação mudou em setembro de 2022, quando uma estrada de terra de aproximadamente 84 km foi construída entre a cidade e Cruzeiro do Sul.

A abertura da via possibilitou que mais automóveis pudessem circular na pela cidade, ao final daquele ano, a frota da cidade era de 416 veículos, incluindo oito automóveis, conforme estatísticas do Departamento Estadual de Trânsito do Acre (Detran-AC).

Pouco mais de um ano após a abertura da estrada, porém, Porto Walter voltou a perder o acesso terrestre. Dessa vez por força judicial, após o Ministério Público Federal (MPF-AC) ingressar com uma ação questionando os impactos ambientais na Terra Indígena (TI) Jaminawa do Igarapé e a falta de consulta aos povos indígenas da região antes da construção.

"Esta obra foi executada pela Prefeitura de Porto Walter e pelo Estado do Acre sem autorização dos órgãos federais e sem consultar as comunidades indígenas de forma livre, prévia e informada. Em ação civil pública ajuizada pelo MPF e pelo MP-AC, a Justiça Federal determinou a suspensão das intervenções na área”, afirmava a ação assinada pelo procurador da República Lucas Dias.

Motocicletas são maioria dos veículos da cidade — Foto: Acervo: Secretaria de Comunicação – SECOM / Acervo Digital: Dept° de Patrimônio Histórico e Cultural - FEM

Ao g1, na época, o Deracre informou que não havia sido notificado sobre o bloqueio, e ressaltou que a construção da passagem foi concluída com desvio da terra indígena. Até o final de junho de 2024, o bloqueio se mantinha sem previsão para o término.

Dez anos após ganhar o título de cidade brasileira sem carros, a situação não mudou muito em Porto Walter, a frota até o último mês de abril, era de 515 veículos, destes, apenas 13 são automóveis.

Há ainda uma ciclomoto, um veículo utilitário, seis ônibus, 12 caminhões, 53 caminhonetes, 83 motonetas e os veículos em maior quantidade são os motociclos. Os carros de boi, entretanto, continuam sendo um clássico na cidade de 11 mil habitantes.

Porto Walter - Acre — Foto: Acervo: Secretaria de Comunicação – SECOM / Acervo Digital: Dept° de Patrimônio Histórico e Cultural - FEM

Cidade nasceu às margens do Juruá

Às margens do Rio Juruá, a região que viria a se tornar Porto Walter foi, segundo a prefeitura do município, ocupada inicialmente por indígenas das etnias Arara, Náwas, Amoaças, Kampas, Kulinas e Catianos. Alguns deles vivem até hoje na região, já outros como os Náwas chegaram a ser considerados extintos.

Os primeiros colonizadores chegaram à região no final do século 19, como todo o Acre, a região vivia o 1º Ciclo da Borracha, com imigrantes vindos principalmente do nordeste brasileiro trabalhar na exploração do látex.

Em 1910, o coronel Absolon de Souza Moreira se estabeleceu no que hoje é a parte alta da cidade e passou a ocupar as terras que posteriormente dividiu com amigos, de acordo com a prefeitura de Porto Walter. Três grandes seringais compunham a área, Tavares de Lira, Humaitá e Cruzeiro do Vale.

A cidade leva o nome de um antigo morador chamado Walter de Carvalho e até 1992 era um distrito dentro do município de Cruzeiro do Sul. A cidade foi criada na gestão do governador Edmundo Pinto.

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