Sustentabilidade

Por Valor


 — Foto: Getty Images
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Um dos países com maior potencial no mercado de carbono global, o Brasil corre o risco de se tornar um importador de créditos de carbono. Especialistas afirmam que, se o país não for hábil em reduzir o desmatamento, pode não conseguir cumprir suas metas climáticas e terá de comprar - em vez de vender - licenças para emitir gases de efeito estufa.

Eles alertam que, apesar de a presidência do Brasil no G20 (grupo de grandes economias globais) poder impulsionar novas fontes de financiamento para a transição energética, existem riscos de não cumprimento da meta, como a demanda interna por crédito de carbono excedendo a oferta, devido à emissões não mitigadas, e obstáculos à venda dos créditos brasileiros no mercado global.

O Brasil tem potencial significativo para liderar o mercado de crédito de carbono, dada sua capacidade de redução de emissões em vários setores, mas as regras do Acordo de Paris e da União Europeia restringem isso, argumenta Marcos da Costa Cintra, doutor em energia pela Universidade de São Paulo e em mestre em políticas públicas, estratégias e desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ao citar dados do Banco Mundial, ele lembra que o Brasil é um dos países que mais reduzem emissões devido ao seu setor de energia renovável e projetos de reflorestamento, mas isso não tem sido remunerado.

O Brasil foi dos principais exportadores de Reduções Certificadas de Emissão (RCEs) - o crédito no mercado de carbono - sob o Protocolo de Kyoto, especialmente de 2003 a 2010. Mas a mudança de regras empreendidas pelos países desenvolvidos, liderada pela União Europeia, impediu a continuidade dessa dinâmica que reduzia emissões e gerava recursos para o país, diz Cintra.

Ele lembra que, depois da criação do mercado de carbono global com base no Protocolo de Kyoto, o Brasil instituiu em 2000 o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), no qual empresas e entidades brasileiras reduziam emissões e podiam vender esses certificados para outras empresas ou instituições de países ricos.

Mas a regulamentação do mercado de carbono brasileiro ainda não foi feita. Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 2.148/15, que institui do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que estabelece tetos para emissões e o comércio de créditos de carbono entre compradores no mercado brasileiro. O texto, aprovado em janeiro na Câmara dos Deputados, está em análise no Senado.

A ênfase no mercado doméstico ocorre após entrarem em vigor regras para o comércio de emissões pela União Europeia, por meio do European Union Emission Trading Scheme (EU ETS), em que os créditos são comprados e vendidos em uma plataforma europeia, regulada por normas rígidas que visam reduzir as emissões. As normas europeias permitiam a compra de RCEs emitidas pelo Brasil no MDL até 2012, diz Cintra.

“Mas, sob as regras internacionais atuais da UE, principal comprador do mundo, só é possível a venda de resultados de redução de emissão por pequenos países insulares [ilhas] e países de menor desenvolvimento relativo [LDCs, na sigla em inglês]”, afirma.

“Com a proibição da venda do MDL na Europa e custos adicionais introduzidos pelo Acordo de Paris, houve uma desaceleração brutal que inibe o mercado internacional de carbono regulado.”

Isso porque o mercado de carbono atual exige que os créditos a serem vendidos provenham de reduções de emissões adicionais, ou seja, que não teriam ocorrido caso o projeto ou evento específico não existisse.

“Portanto, reduções de emissões ‘já realizadas’, como no caso da Floresta Amazônica e da produção de biocombustíveis, projetos já estabelecidos e operando, não são elegíveis para gerar créditos”, diz, ao observar que para a UE eles não reduzem adicionalmente a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.

“Isso restringe o potencial do Brasil de explorar esses recursos para créditos de carbono sem implementação de novas iniciativas ou melhorias significativas além do que já existe.”

Assim, mesmo em um cenário de aprovação do PL que regulamenta o mercado de carbono brasileiro, restrições internacionais podem exceder a oferta de créditos de carbono disponíveis devido ao desmatamento e outras emissões não mitigadas, diz.

“Isso pode, paradoxalmente, tornar o Brasil um importador líquido de créditos de carbono de outros países para cumprir com compromissos internacionais como os estabelecidos no Acordo de Paris”, diz Cintra. E ele alerta: “Se o desmatamento continuar a crescer no Brasil, isso não apenas contribuirá para o aumento das emissões de gases de efeito estufa, como também poderá levar a uma ‘dívida externa de carbono’.”

Um cenário de alta do desmatamento, como visto nos últimos anos, reduziria a capacidade do Brasil de oferecer créditos de carbono no mercado internacional, o que o forçaria a adquirir créditos de outros países.

“O risco de importação se apresentaria apenas se não formos capazes de alcançar a meta, ter o nosso mercado regulado com os diversos setores nacionais e, em especial, reduzir drasticamente o desmatamento”, afirma Ludovino Lopes, sócio-fundador da Ludovino Lopes Advogados e especialista em direito ambiental e mudanças climáticas.

Lopes afirma que, independentemente do modelo de mercado de carbono que viemos a ter, será preciso incluir de forma estrutural os setores que estão hoje fora dele ou dos compromissos climáticos internacionais.

“Será fundamental para o país alcançar não somente as metas, mas também fomentar uma economia de baixo carbono pujante e duradoura”, argumenta.

Dentre as medidas mais relevantes para atingir esses objetivos estariam reduzir emissões com a criação de instrumentos para conter o desmatamento nos níveis federal, estadual e municipal, e também no âmbito do setor privado.

"Será fundamental para o país alcançar não só as metas, mas também fomentar uma economia de baixo carbono pujante e duradoura” — Ludovino Lopes

“[Além disso], o Brasil precisa modernizar e atualizar, do ponto de vista financeiro e regulatório, os instrumentos da economia verde de forma a gerar confiança e atrair capital internacional de acordo com o seu verdadeiro potencial”, afirma.

Sem cumprir da sua própria meta climática, argumenta Lopes, será difícil atrair capital estrangeiro para investimento ou até mesmo adquirir créditos de carbono no mercado internacional.

O Brasil se comprometeu a reduzir emissões de gases de efeito estufa em 37% em 2025 e 50% em 2030, em relação aos níveis de 2005, e atingir neutralidade de emissões em 2050. Também estabeleceu como meta eliminar o desmatamento ilegal até 2028.

No ano passado, o desmatamento na Amazônia caiu 50%, na comparação com 2022, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mas no Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro, subiu 43%. Foram 5.151 km2 e 7.828 km2 de área desmatada em cada ecossistema, respectivamente.

Além de reduzir de forma importante o desmatamento ilegal, o Brasil terá de investir em tecnologias renováveis, de captura e armazenamento de carbono e incentivos para práticas sustentáveis em diferentes setores da economia, afirmam os especialistas.

Powershoring

Para Jorge Arbache, vice-presidente de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), o Brasil tem condições necessárias para não apenas para expandir como também atrair mais financiamento para a descarbonização da economia.

Arbache é um entusiasta do powershoring, estratégia corporativa de descarbonização para a produção de bens intensivos em energia que são voltados para exportação.

“Nossas estimativas conservadoras mostram que o powershoring deve agregar ao Brasil mais de US$ 358 bilhões em exportações de produtos verdes e US$ 198 bilhões em investimento estrangeiro direito nos próximos dez anos”, afirma, ao pontuar a capacidade do Brasil de converter sua matriz elétrica verde em instrumento para atrair investimentos de fora.

Além da matriz elétrica que é mais de 90% verde, diz, o Brasil tem sobreoferta de energia verde, especialmente no Nordeste, e três pilares do powershoring: porto atado a uma área industrial servida por energia verde.

Esses atributos vão ao encontro do interesse das empresas globais para encontrar soluções verdes para sua produção e ampliam as oportunidades de melhor inserção do Brasil nas cadeias globais de valor.

“Uma hipotética empresa belga, por exemplo, poderia transferir uma planta intensiva em energia para cá, liberando, desta forma, a produção e consumo de energia cinza de lá e usando energia verde daqui”, afirma Arbache. “Isso acelera o curso da descarbonização e contribui para a meta climática deles.”

Ele acrescenta que trazer essa produção para cá seria vantajoso também para o consumidor, que pagaria menos por produtos verdes feitos em um país mais eficiente em energia verde.

“Os países desenvolvidos estão criando cada vez mais barreiras para o powershoring porque querem produzir em seus territórios, mas não têm condições para isso de jeito nenhum”, afirma, ao lembrar que bens produzidos com energia verde tendem a ser mais caros em países da Europa do que no Brasil e outros do Sul Global, onde fontes de energia renovável são mais abundantes.

Papel no G20

Dados do Caderno do Clima, publicado recentemente pela Petrobras, mostram que a matriz energética brasileira é a segunda menos intensiva em carbono entre os países do G20, atrás somente da França, que tem a maior parte de sua matriz baseada em energia nuclear.

Na presidência do G20 neste ano, dizem especialistas, o Brasil pode ter um papel ainda mais significativo na criação de novas fontes de financiamento para a transição energética em todo o mundo.

“Trata-se de uma oportunidade única para o país demonstrar liderança e compromisso com a redução das emissões de carbono, a eficiência energética, a conservação ambiental e uma transição justa e equitativa para uma economia de baixo carbono”, diz Lopes.

Ele argumenta que, por meio de parcerias nacionais e internacionais, o Brasil pode promover ainda práticas sustentáveis de conservação como restauração, recuperação e reflorestamento.

“Isso, certamente, determinaria uma radical redução do risco de uma ‘dívida’ em carbono”, diz.

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