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Quando adentramos as fronteiras do cenário tecnológico, somos frequentemente confrontados com inovações que trazem consigo uma bagagem de dilemas e desafios. A dualidade entre progresso e as ameaças carregadas por novas plataformas tecnológicas tem sido, por muito tempo, simplificada pela atribuição de culpa ao usuário final, muitas vezes desviando o olhar crítico das verdadeiras origens e implicações das soluções. Chegou a hora de sofisticar a discussão e subir o tom.

Dentre as vozes que ecoam nos painéis do South by Southwest 2024, em Austin, nos Estados Unidos, está bastante claro que a forma que lidamos com a tecnologia e seus impactos até aqui não é a melhor forma para seguir adiante; é tempo de questionar a essência da tecnologia em si, inclusive quem a constrói e financia - e isso pode ser desconfortável e desconcertante em uma sociedade que adotou a tecnologia e seus expoentes bilionários tal qual uma religião e seus sacerdotes.

No centro do debate deste ano estão Inteligência Artificial (IA) e Realidade Estendida (XR), seguidos por Computação Quântica, Robótica e web3, mas as discussões mais práticas surgiram quando se explorou a convergência das tecnologias em formato de cenário futuros - alguns bastante desesperançosos.

A tentativa de tratar mais de questões imediatas e palpáveis é mais do que necessária, é urgente. Entretanto, apesar do interesse crescente por temas como regulação, legislação, ética e cibersegurança, a dinâmica das conversas ainda remete mais a um monólogo - pesquisadores, acadêmicos, ativistas e uma boa parcela consciente da audiência endureceram o discurso, mas pouco se ouviu de prático e concreto partindo dos grandes players de tecnologia e seus porta-vozes.

A cobrança por mais responsabilização em temáticas como a proteção de direitos autorais, deep fakes e impacto nas eleições passará a ser clara e mais robusta, e mesmo sem engajar de forma adequada, as big techs precisam ser colocadas no cerne da cadeia de responsabilidade. Já não basta ser revolucionário; é preciso ser responsável. Se você não consegue se manter inovador e, ao mesmo tempo, estar aberto e atento a negociar com a regulação, você talvez tenha um problema sério sobre significado e propósito para seu negócio.

O deslumbramento ingênuo com a tecnologia precisa ceder lugar a uma análise mais crítica e consciente dos efeitos trazidos pelas inovações. Para gerar crescimento, as big techs precisarão prestar contas a uma discussão mais responsável e séria sobre os seus resultados e decisões. É a chamada ambiguidade exponencial, conceito que tem sido cada vez mais adotado como forma de entender o impacto dos avanços tecnológicos, e como eles trazem benefícios e desafios. Os famosos dois lados que toda moeda carrega consigo.

Por mais pretensioso que pareça, o termo é uma tensão-chave do nosso tempo, contribuindo na busca por entender as reais consequências das novas fronteiras de desenvolvimento técnico e como esses efeitos são ponderados no que é melhor para a sociedade e o meio ambiente, e não somente para empresas ou clientes. Aceitar a ambiguidade exponencial é a base para a construção de uma abordagem em que o ecossistema permite e, principalmente, favorece o desenvolvimento humano diante apenas do usuário.

A importância de reconhecer tal ambiguidade foi ecoada repetidas vezes no SXSW deste ano. Apareceu na tão aguardada fala de Amy Webb, na palestra de Rohit Bhargava, e foi tema importante na fala de Mike Bechtel, futurista-chefe da Deloitte.

A era de atribuir a responsabilidade exclusivamente ao usuário está chegando ao fim. O SXSW 2024 tem nos desafiado a considerar a tecnologia de uma maneira mais integrada e responsável, ponderando seu papel no futuro da sociedade. É um convite à reflexão, ao diálogo e à ação coletiva, enfatizando a necessidade de uma abordagem mais holística e menos complacente no desenvolvimento e implementação das inovações. A responsabilidade passará a ser compartilhada, e está na hora de todos assumi-la, redefinindo o impacto das ferramentas e produtos para além dos lucros e da inovação por si só.

Novamente, não basta ser revolucionário; é preciso ser responsável. O debate está posto; a ação é o próximo passo.

*Com mais de 15 anos de experiência em marketing, publicidade, inovação e negócios digitais, Marco Sinatura lidera as áreas de Estratégia e Conteúdo da iD\TBWA e está à frente do laboratório de Inovação da agência, o iDx. Formado em publicidade pela USP e com especialização em inovação corporativa pelo MIT, Sinatura liderou projetos e equipes na Unilever, Nokia e Ogilvy, e atuou ao lado de marcas como Claro, Unicef, FEBRABAN, Renault, Samsung, BB Seguros, Volvo, IBM e Michelin.

 — Foto: Editora Globo
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