Diversifique-se

Por Liliane Rocha

CEO e fundadora da Gestão Kairós, consultoria especializada em Sustentabilidade e Diversidade, e autora do livro “Como ser uma Liderança Inclusiva”


Letícia Vidica, jornalista — Foto: Divulgação
Letícia Vidica, jornalista — Foto: Divulgação

Liliane Rocha: Letícia, você é uma mulher preta que hackeou o sistema e se tornou uma das mais potentes vozes de jornalismo na atualidade. Para além dessas realizações, quem é Letícia Vidica?

Letícia Vidica: A Letícia Vidica é uma mulher negra, nascida na periferia da Zona Norte de São Paulo, filha do seu Benedito e da dona Solange. A mulher que eu sou hoje é resultado da criança sonhadora que eu fui. Eu hoje realizo e trabalho em um dos meus sonhos de adolescência. Fazer jornalismo e trabalhar na comunicação foram escolhas de adolescência, aos 13 anos. Então eu sou a Letícia, essa pessoa que gosta de conhecer pessoas, de fazer conexões, pontes, de desbravar, uma cidadã do mundo, um espírito livre, uma pessoa espiritualizada.

Para mulheres pretas e comunicadoras que estão nos lendo, quais são as dicas de ouro para superar as dificuldades impostas pela nossa sociedade?

Acho que a primeira delas é ter foco e ser estrategista. O que me trouxe até aqui hoje foi um pouco de estratégia. Às vezes, as estratégias acontecem ao acaso, sem você planejar, mas eu acho que é entender onde você quer chegar e que existe um processo no caminho. Quando dou mentoria, eu costumo dizer: “foque nos objetivos de longo prazo! Mas, para chegar no longo prazo, você tem que passar pelo curto, pelo médio e saber onde você quer chegar. Não faça nada em vão, você tem que ser estrategista!

Nos últimos dez anos, a gente viu um aumento de vozes expoentes de jornalistas negras emergirem nos mais variados canais televisivos. Você acha que isso significa que a realidade mudou? O cenário agora é outro?

Ao longo dessas duas décadas, eu vi essa mudança! E, realmente, a última década mudou muito, mas nós ainda estamos no caminho. Acho que não podemos nos conformar de que já temos o suficiente e acabou. Não! Por muito tempo, em redação, mesmo nos bastidores, eu olhava para o lado e eu via pouquíssimas pessoas pretas, ou quase nenhuma em dados momentos. Eu me formei nessa, construindo a minha trajetória a partir daí, e hoje eu vejo uma virada. Não por acaso, atualmente eu lidero, junto com a Cris Guterres, um coletivo de jornalistas pretas chamado Herdeiras de Glória Maria. Só sonhamos com aquilo que vemos, e hoje vemos mais jornalistas pretas em todas as áreas da televisão, da comunicação, nos bastidores, na frente da câmera, algumas já chegando a cargos de comando de fato, o que também é um ponto estratégico, já que, além de termos a visibilidade e presença, temos representatividade.

Como você acabou de falar, você criou o grupo Herdeiras de Glória Maria. Qual a importância de grupos como esse? Nos aquilombar é preciso?

É urgente e necessário, é o quentinho no coração que precisamos para nos fortalecer e partir para o game mais forte. Quando a Cris Guterres, presidente do Herdeiras de Glória Maria, chegou até mim (vice-presidente) para fazer esse convite, nosso objetivo era criar uma rede de apoio e fortalecimento – importante citar e destacar que o grupo foi criado por nós duas. E eu disse: “Vamos fazer, né? Vamos trocar, vamos fazer jantares, vamos nos encontrar!”.

Começou com esse objetivo principal: o fortalecimento! E eu falo que era muito sutil, mas que criou uma potência. Muitas vezes, nós éramos únicas nos nossos ambientes. Hoje temos um grupo, um bloco, ou seja, não nos sentimos mais sozinhas. Com isso, trocamos, vamos aos espaços juntas, criamos laços de amizade; já houve, inclusive, movimentação de carreira por indicação, o que é muito importante, e o fortalecimento da valorização de trabalho. Quando estamos perto dos nossos, compartilhamos dores, sonhos e dificuldades que nos fortalecem, porque a troca de experiência nos ajuda a seguir.

Você acredita que houve avanços significativos na cobertura das questões relacionadas à comunidade negra nos meios de comunicação tradicionais, em virtude dessa crescente representatividade que a gente vê entrando nos bastidores? Se sim, quais avanços?

Sim, com certeza! Vou dar um exemplo meu, quando eu era produtora na TV Globo – fiquei 10 anos lá, produzindo vários jornais, passei muito tempo na produção do Jornal Nacional. E ali comecei a viver esse networking entre pessoas pretas externamente, na vida pessoal. Eu participava de um grupo chamado Rede de Profissionais Negros, e me lembro que estava próximo ao dia 20 de novembro, bem naquele início das empresas abrindo programas de diversidade para pessoas pretas. Então, eu falei: "não vou fazer uma matéria para 20 de novembro falando, de novo, que nós negros somos os que mais morrem, os que menos ganham".

Eu falei: "não, quero trazer uma boa notícia". Sugeri uma matéria sobre esses programas de diversidade e ela foi aprovada, foi ao ar no Jornal Nacional, foi maravilhosa. Na sequência, eu criei um projeto interno na Globo, que se chamava Põe na Pauta; reuniões onde eu comecei a levar essas pessoas que já estavam aí por fora para trocar com os meus colegas. Nada mais, nada menos, a primeira pessoa que eu levei nessa reunião foi o Silvio Almeida, que hoje é o nosso ministro, e ele já era potente na academia e no direito, mas ali, muita gente ainda não o conhecia.

Mas estou contando essa história gigante porque essa troca foi bacana. Afinal, quando você começa a abrir espaços representativos, começamos a trazer as nossas bolhas para dentro também.

Você passou pelo SBT, pela Rede TV, pela Rede Globo, pela CNN e agora também está trilhando um caminho como empreendedora na Vidica Comunicações. Nos conte um pouco sobre este caminho.

Está sendo desafiador e delicioso, porque sempre fui CLT, sempre fui a Letícia de alguma emissora, tinha sempre um crachá no meu peito. É claro que o crachá abre portas, então, entre aspas, é um pouco mais fácil você chegar aos lugares. Quando eu saí da CNN, eu já estava fazendo alguns eventos e fui aos poucos me estruturando, mas eu encarava como um freela: “Ah, é um freela, é um a mais”. Então, comecei a entender que o meu nome, e as possibilidades do que eu podia fazer com o jornalismo e com a comunicação, que são múltiplas – e isso tem a ver com o meu perfil porque eu sempre fui e sou uma pessoa muito multiplataforma, multitarefa, consigo atuar em várias frentes. Falei: “Espera aí, esse foi um produto aqui, quem é esse produto? Sou eu!" Com isso, eu fui me organizar, abri uma empresa e hoje eu tenho a Vidica Comunicações, por meio da qual eu consigo realizar uma série de serviços. Hoje eu tenho colaboradores diretos e indiretos para os trabalhos, porque você não faz nada sozinha. Tenho as pessoas para acionar e começo a ver em cada trabalho que surge quais são as possibilidades. E acho também, Liliane, que esse é o futuro de qualquer profissão, sabe? Eu acho que a gente não é uma coisa só e nem precisa ser. Nós somos vários!

Você tem um sonho para a Vidica Comunicações? Uma visão de futuro para essa empresa, que é a sua marca?

Sim, que ela me leve, que ela me faça atravessar fronteiras, que ela deixe o meu nome ainda mais conhecido e que eu consiga, pela comunicação, levar as mensagens que eu preciso levar e continuar impactando o maior número de pessoas, porque o que eu mais escuto nos lugares em que eu circulo, às vezes, é que bate um desânimo, às vezes bate a dúvida, mas sempre vem alguém dizendo: "não pare, continue!" Então, eu acho que eu quero que ela seja esse motor, que me abra as possibilidades para me levar a lugares, a pessoas, a trabalhos ainda maiores, e que me traga muita prosperidade financeira, porque nós também temos que falar sobre o dinheiro.

Pensando especificamente em jovens, mulheres negras, jornalistas, comunicadoras e empreendedoras, que estão hoje no início de carreira saindo da faculdade, quais são as dicas? Quais são os aconselhamentos da Letícia Vidica?

Saiba onde você quer chegar e os caminhos que você tem que percorrer. Não dá para sair da faculdade e achar que você já vai se sentar na bancada de um jornal. Por exemplo, se é o que você quer, existem alguns caminhos para chegar lá. Qual é o caminho? Você quer ser apresentadora? Então, primeiro tem que entrar no lugar, você tem que ficar, e assim são os passos.

Que mensagem final você quer deixar para o nosso público da Época Negócios?

Eu sempre falo uma frase, que eu repito muito, “a gente só vai longe se a gente for em grupo”. Então, acredite na força da coletividade, e que esse coletivo seja plural. Olhem para outras possibilidades, para outros corpos, para outros rostos, para outras narrativas, para outras vozes. Diversifique e isso vai trazer um ganho muito grande. Isso não é uma onda passageira, isso é estratégia! Já há estudos que falam das empresas e tal. Essa pluralidade, essa diversidade, essas outras possibilidades, a diversidade e a inclusão, de fato, são uma estratégia de negócio. Então, têm que estar dentro do negócio em todas as áreas, da base ao comando. E, sempre se questione!

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