A vontade de uma agricultora mudou para sempre uma das tradições dos festejos juninos de Caruaru, no interior de Pernambuco. Ângela Maria de Oliveira, ou simplesmente Dona Ângela, superou as barreiras e tornou-se a primeira mulher bacamarteira da cidade. Hoje, além de comandar um batalhão, ela inspira outras gerações a seguir o mesmo caminho.
Com o período de São João, muitas são as tradições que realçam os vários movimentos culturais e costumes de um povo. Inclusive, tradições com forte ligação com a construção histórica do Brasil. Os bacamarteiros são exemplo vivo dessa resistência e manutenção dos aspectos culturais dessa época.
O bacamarte é uma arma de fogo de origem europeia e que esteve presente no Exército Brasileiro durante a Guerra do Paraguai. Do conflito armado, sobraram para os festejos juninos a influência da roupa e da arma de cano curto e largo, que estão presentes em comemorações desde os anos 1780, quando os soldados voltavam da guerra e atiravam para cima com o intuito único de comemoração nos dias dedicados aos santos no mês de junho. Mais de 200 anos depois, a cultura sobrevive nos festejos de junho, especialmente na região nordeste do Brasil.
São João de Caruaru. — Foto: Fotos: Janine Moraes/MinC
Restrita aos homens e jamais imaginada sendo feita por mulheres, a história ganhou outro rumo através do desejo de uma agricultora de Caruaru, no interior de Pernambuco. Ângela Maria de Oliveira, de 62 anos, que mora no Sítio Araçá, a 15 quilômetros do centro de Caruaru. Dona Ângela conta que a influência do seu pai originou o desejo de entrar para um batalhão de bacamarteiros que até então era formado apenas por homens.
"Desde criança, desde a adolescência, com 12 anos, meu pai me ensinou, eu dei o primeiro tiro. Aí aprendi tudo, aprendi a manusear bem o bacamarte. O mais importante e mágico foi a primeira apresentação como bacamarteira. Foi emocionante, foi uma surpresa enorme para as pessoas que estavam assistindo as nossas apresentações. Então foi muito, muito especial."
Apesar de romper as barreiras de entrar num batalhão formado único e exclusivamente por homens, ela conta sobre os desafios que enfrentou.
"Os desafios que eu enfrentei foi por motivos do preconceito de uma mulher ser bacamarteira no meio daquela' homarada', daqueles homens, mas eu consegui."
Há dois anos, Ângela comanda o 27º Batalhão da Serra dos Cavalos de Caruaru, que antes comandado por familiares, conta agora com 22 homens e 15 mulheres, quase meio a meio. Feitos que rendem a ela um lugar especial entre os homenageados do maior São João do mundo que é realizado em Caruaru. Mas para ela, um dos maiores feitos é perceber o crescimento no número de mulheres por sua influência.
É o caso da jovem cantora Bia do Violãozinho, que apesar de ter seu pai como bacamarteiro, foi em dona Ângela que ela se viu interessada por ingressar no batalhão. Ela também fala das dificuldades.
"Então, meu pai já é bombeiro e bacamarteiro do grupo há mais de 20 anos. Mas minha vontade de entrar no grupo foi quando a dona Ângela assumiu como chefe e trouxe toda uma representatividade e força que eu ainda não enxergava no grupo. Por mais que hoje em dia seja mais comum ver mulheres no bacamarte, ainda existe um grande tabu, principalmente na relação com o tiro mesmo, sabe? Com a força, se a gente vai conseguir segurar a arma, se a gente sabe mexer naquilo. Então ver a dona Ângela como chefe é o que me fez entrar nesse caminho e é o que me faz continuar nesse caminho."
O grupo Batalhão de Bacamarteiros 27 surgiu em 1908, possui 116 anos de história e já alcançou várias gerações. Mas sem dúvidas, o seu maior feito foi ver várias mulheres escrevendo uma história de força e resistência. A exemplo de outras mulheres que no passado usaram roupas masculinas para lutar na Guerra do Paraguai. Hoje, elas usam as roupas que elas querem e no lugar que elas querem, como conta a dona Ângela.
"Para todas as mulheres que desejam ser bacamarteira, e hoje que já são, eu fui uma das primeiras bacamarteiras aqui de Caruaru, eu diria que é bom demais e qualquer mulher pode ser uma bacamarteira. E está aberto, tanto no meu batalhão, como em qualquer outro, tem espaço para a gente mulheres."