• Joana L. Baracuhy | Fotos Fernando Guerra/divulgação
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Casa espraiada entre o mar azul-turquesa e a mata nativa primorosa leva a assinatura de Marcio Kogan (Foto: Fernando Guerra)

“Brazilian wow effect“ é como, buscando ajuda no inglês, o proprietário tenta resumir o impacto que sua morada praiana provoca em quem a visita

A conversa sobre esta casa espraiada entre o oceano azul-turquesa e um maciço verdejante de Trancoso, vilarejo idílico que dispensa comentários, se inicia com declarações afetuosas de parte a parte. Se, de um lado, o arquiteto Marcio Kogan* e a equipe do Studio MK27 atestam a participação mais do que especial do proprietário (trata-se de caso único no escritório em que o cliente figura como coautor, citado nos créditos como responsável pelos interiores), de outro, o estilista francês derrete-se em elogios ao time.

“Havia anos eu sonhava em chamar o Marcio. Não pensava em fazer minha nova morada com mais ninguém”, explica Serge Cajfinger. Nascido em Lille, o fundador da marca Paule Ka passou a infância em Porto Alegre e depois fincou raízes em Paris e no Rio de Janeiro.

Casa espraiada entre o mar azul-turquesa e a mata nativa primorosa leva a assinatura de Marcio Kogan (Foto: Fernando Guerra)

O jogo de sombras flui em meio aos deques que unem os cinco blocos de concreto, cujas esquadrias podem recolher-se inteiramente, maximizando as aberturas – esteiras de taboa forram as cadeiras de cimento Loop Chair, de Willy Guhl, e o banco foi entalhado por um marceneiro local em uma tora de braúna

"O projeto enfatiza a vivência da natureza. Em dias de chuva, as pessoas se molham sob o pergolado, ao caminhar de um ambiente a outro"

 
Casa espraiada entre o mar azul-turquesa e a mata nativa primorosa leva a assinatura de Marcio Kogan (Foto: Fernando Guerra)

Repare na estrutura de madeira – presentes em intervalos regulares, 14 pórticos amparam a trama vazada de biribinha (tronquinhos de eucalipto) que filtra a luz do sol e deixa entrar a chuva: a solução responde singelamente às imposições do clima, captura nuances da cultura construtiva da região e sintoniza o desejo do proprietário de ater-se ao sensorial

Já se vão algumas décadas desde que o criativo descobriu o amor pela decoração e pela arquitetura. E, com seu olhar certeiro, pôs-se a arrematar cerâmicas, telas, esculturas e mobiliário dos anos 1950 e 1960, compondo um acervo particular de supremo apuro estético. Foi tão prazeroso que ele ousou alçar vôos mais altos, arriscando-se a transpor a estrutura das roupas que assinava e das ambientações que desenvolvia para sua grife a uma escala maior.

Casa espraiada entre o mar azul-turquesa e a mata nativa primorosa leva a assinatura de Marcio Kogan (Foto: Fernando Guerra)

A armação de madeira laminada colada sustenta o pergolado pelo alto, estabelecendo uma escala agradável, vãos generosos e ambientes sem profusão de pilares – os painéis vazados feitos com tronquinhos são protagonistas, deixando aberturas aqui e ali para a passagem de árvores preexistentes no terreno, enquanto o deque fica a 40 cm do solo, cercado pelo mar de 1.300 mudas de espada-de-são-jorge, e o mobiliário tem cadeiras Technicolor, da Tidelli Fernando Guerra)

A iniciativa redundou no chamado recebido em 2015 por Kogan, que prontamente topou o desafio e se lançou à varredura pelas coordenadas geográficas ideais para Cajfinger materializar seu plano (do Ceará à Bahia, eram inúmeras as localidades no radar). “Anos atrás li uma entrevista do Serge na qual ele falava do desejo de trabalhar coma gente. Quando ele efetivamente nos procurou, eu me lembrei da história. Mal acreditei”, relata o titular do estúdio paulistano sobre o convite, aceito com entusiasmo.

Casa espraiada entre o mar azul-turquesa e a mata nativa primorosa leva a assinatura de Marcio Kogan (Foto: Fernando Guerra)

Sofá C11, de Marcus Ferreira para a Carbono – ao fundo, esculturas Girouette Marbella, de Philippe Hiquily, expostas sobre aparador de granito chumbado na parede de concreto da sala

"Abro as portas do quarto e tenho a praia e a mata nativa, exuberantes, ao alcance dos olhos""

Serge Cajfinger
Casa espraiada entre o mar azul-turquesa e a mata nativa primorosa leva a assinatura de Marcio Kogan (Foto: Fernando Guerra)

Ângulo da sala de almoço mostra mesa e pendentes assinados por Roger Capron, cadeiras Meribel, de Charlotte Perriand, e vasos de Bruno Gambone – diante da força da coleção do morador, a ordem usual (primeiro a arquitetura, depois o design de interiores) foi subvertida e, de bom grado, a equipe do Studio MK27 pensou desde o início em espaços e recursos capazes de evidenciar os móveis e as obras de arte

A escolha de um lote privilegiadíssimo na praia de Itapororoca foi ponto de partida e fator determinante para o resultado final, no qual razão e emoção se equilibram. “Ficou comum quê de Bahia modernista”, avalia Kogan, após procurar as palavras exatas em algum lugar entre a chanson française, a bossa nova e Dorival Caymmi. Ele se refere à construção racional, porém orgânica, desenhada como uma grande sombra – fundamental diante das temperaturas escaldantes da região –, que parece pairar acima do solo. O concreto onipresente, ao lado de amplos deques e das biribinhas na cobertura, estabelecem a paleta a um só tempo neutra e calorosa que acolhe os itens da coleção do designer de moda, verdadeiros guias dos caminhos percorridos pelo processo projetual.

Casa espraiada entre o mar azul-turquesa e a mata nativa primorosa leva a assinatura de Marcio Kogan (Foto: Fernando Guerra)

Com a suíte principal abrindo-se diretamente para a sala, o morador chegou ao essencial, sem corredores nem circulações desnecessárias e uma decoração de espírito quase minimalista: próxima à cama de braúna, design do Studio MK27, fica a cadeira Anel, de Ricardo Fasanello, sobre tapete da Phenicia Concept, e, em primeiro plano, poltrona Vivi, de Sergio Rodrigues – na parede, obra de Mark Weinstein

“É muito difícil romper com os pragmatismos. Tive a oportunidade de contar com um arquiteto que não só me levou junto na sua viagem conceitual, mas além”, sentencia Cajfinger a respeito de como a técnica superou a lógica e flertou com o sublime no refúgio composto de cinco células básicas para a realização das diferentes funções – cozinha, almoço, sala e três suítes, tudo unido por um pergolado. Para chegar a esse statement do futuro que almejava para si, Cajfinger praticou o legítimo desapego, optando por simplificar em vez de incrementar, livrando-se de fórmulas preconcebidas e detalhes desnecessários. Abriu espaço apenas para a sua história pessoal, narrada coletivamente pelas peças embarcadas em contêineres.

"A casa não se revela para quem está na praia, mas a partir do deque se enxerga a piscina de linhas sinuosas e, mais adiante, o mar"

 

Hoje, é na refinada maison que o proprietário conjuga reuniões de trabalho ao relax no ritmo desacelerado típico do litoral baiano, para então dar vazão à veia perfeccionista, ainda pulsante, e encarar com prazer tarefas de manutenção, principalmente no jardim, nas trilhas de areia e no entorno da piscina. O que nos leva ao paisagismo assinado por Isabel Duprat, outra intérprete habilidosa dos desejos e da língua do cliente – meio francesa, algo brasileira, certamente multicultural.

Casa espraiada entre o mar azul-turquesa e a mata nativa primorosa leva a assinatura de Marcio Kogan (Foto: Fernando Guerra)

Com traçado nem propriamente orgânico, nem retilíneo, a piscina gera alguma polêmica entre autor e cliente: um a vê como homenagem a Burle Marx (1909-1994), outro a entende como referência direta ao modernismo da Costa Oeste americana – coube à paisagista Isabel Duprat definir seu formato sinuoso e eleger a pastilha verde-escura da Jatobá para o revestimento, num resultado que sugere um lago estilizado e refrescante

Nessa hora, ele deixa escapar mais um neologismo: o termo “enlouquecente”, formulado para descrever a área externa e seu pavilhão como um todo. E, com essa expressão única, encerra seu relato.