Casa no litoral de São Paulo ressalta a vastidão da baía (Foto: Fran Parente)

Dispostos estrategicamente, objetos compõem um cenário convidativo sem roubar a potência da paisagem natural: no deque de cumaru despontam urnas e potes portugueses e espanhóis do século 18 – no interior, luminária de piso Akari UF4-L8, de Isamu Noguchi, e sofá customizado para a dimensão do living, desenhado pelo Studio Mellone

A história deste refúgio no litoral norte paulista remonta a décadas atrás, quando o dono – na época, um rapaz de 19 anos, pleno de entusiasmo – vendeu um carro velho para comprar o terreno no alto do morro e fincar ali suas bases para temporadas de veraneio. Ergueu primeiro um barracão de obras. Com o tempo e a ajuda dos amigos, chegou a uma construção caiçara dotada de um quarto. “Frequentamos muito o lugar durante o namoro. A ampliação só veio depois do casamento e dos filhos”, diz sua mulher, explicando a versão kids friendly surgida no novo contexto, já com mais dormitórios e até pula-pula no quintal. Entender como a edificação singela de outrora, fruto do espírito livre e de boa dose de romantismo, se transformou nesta, na qual a simplicidade e o refinamento convivem com a alma da proposta inicial, não é tarefa fácil. Mas, novamente, a história e a passagem dos anos contribuem coma narrativa.

Casa no litoral de São Paulo ressalta a vastidão da baía (Foto: Fran Parente)

O living se abre à varanda, o que garante a informalidade e a leveza de estar dentro e fora ao mesmo tempo, efeito reforçado pelo tapete de juta da Beauvais Carpets e pela mesa de centro rústica de Oswaldo Mellone para a Tora Brasil – a cena se completa com poltronas Tank, de Alvar Aalto, e abajur feito a partir de uma escultura de Michael Bargo trazida do Mali

A família seguiu curtindo a antiga casa de praia até a deterioração dos deques e das madeiras clamar por reforma. Nesta hora, o time do escritório Andrade Morettin foi chamado a intervir. E, com a empatia plenamente estabelecida com os clientes, propôs a derradeira metamorfose. “Estava tudo meio envelhecido. Por outro lado, havia ali o registro de momentos importantes da juventude do casal. Era preciso respeitar essa memória”, diz o arquiteto Vinícius Andrade sobre o partido adotado, que manteve a implantação original e inseriu outro volume para a área social, voltado ao panorama da praia à frente e ao pôr do sol no mar. “Preservamos os platôs e três blocos existentes, entre os quais encaixamos um pavilhão leve, sustentável e racional. Afinal, trata-se de uma morada para contemplar e não para ser contemplada como objeto arquitetônico”, sintetiza.

Casa no litoral de São Paulo ressalta a vastidão da baía (Foto: Fran Parente)

A cozinha recebeu chapas cimentícias Viroc (composto de partículas de madeira e cimento), que aparecem também nos armários – ao redor da mesa da Noschese & Chalabi, cadeiras S11, de couro e madeira, de Pierre Chapo, e, ao fundo, jarra cerâmica de Bela Silva

Ao longo de dois anos, a estrutura pré-fabricada de madeira ganhou corpo e contorno, vedada com placas cimentícias aparentes – componente inédito no repertório dos profissionais. Para suavizar o conjunto rigorosamente desenhado, franco e racional, a dona invocou a expertise de Andre Mellone, designer de interiores radicado nos Estados Unidos, que colocou sua sensibilidade em ação desde Nova York. Ao pedido de imprimir certa atmosfera de praia, Mellone respondeu com uma paleta de cores neutras e materiais naturais (madeira, linho, palha, juta, sisal), ao lado do mobiliário de períodos e estilos distintos. “Do sofá feito sob medida por um estofador português a peças originais mid-century e outras de artistas brasileiros e americanos, a intenção foi estabelecer uma ambiência acolhedora e chique, além de enaltecer a arquitetura meio industrial, quase brutalista”, revela. Nesse sentido, merecem destaque as cadeiras e mesas feitas com mogno africano pela companhia de carpinteiros Green River Project LLC, diretamente do bairro nova-iorquino do Brooklyn, assim como a mesa de centro com assinatura do pai de Andre, o designer e arquiteto Oswaldo Mellone. No instante em que a distância geográfica tornou-se inconveniente, outra integrante da família desceu a serra e entrou em cena: Alba Noschese, decoradora em São Paulo e tia de Andre Mellone, finalizou as suítes e equipou a cozinha.

Casa no litoral de São Paulo ressalta a vastidão da baía (Foto: Fran Parente)

Sob a estrutura de eucalipto laminado colado da Ita Construtora, destaque para o conjunto de mesa e cadeiras demogno maciço africano, concebido e executado pelos carpinteiros-artistas do Green River Project LLC, de Nova York
– vaso de terracota da Paula Greif Ceramics

“Quem nos visita sente alguma familiaridade, reconhece aqui algo de antes. Mas não há praticamente nada igual, é quase tudo recente”, conta a proprietária, satisfeita com o conforto alcançado sem ostentação. Neste atípico ano de 2020, a família se isolou ali em julho, durante as férias das crianças. “Foi uma experiência incrível, porque vivenciamos de fato o local após a reforma. Aproveitamos muito essa fase e agora estamos nos preparando para ir regularmente aos fins de semana. A casa se tornou a menina dos olhos dos nossos filhos”.

Casa no litoral de São Paulo ressalta a vastidão da baía (Foto: Fran Parente)

Cadeira de balanço Gaivota, de Reno Bonzon, em um dos quartos, de onde se avista o salão de jogos, com mobiliário de Pierre Chapo

Casa no litoral de São Paulo ressalta a vastidão da baía (Foto: Fran Parente)

A entrada da residência se dá em meio ao paredão de pedra que mimetiza a encosta ao fundo

Casa no litoral de São Paulo ressalta a vastidão da baía (Foto: Fran Parente)

Um dos pedidos dos donos para a reforma era preservar os móveis e objetos que estivessem em bom estado, a exemplo das espreguiçadeiras – ao lado delas, repousa a mesinha de pedra vulcânica de Christian Liaigre