• 11/10/2019
  • Texto Simone Raitzik | Fotos Fran Parente (Ana Strumpf), Helenio Barbetta/Living Inside (Susan Theunissen) e divulgação
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Rosa é de menina e azul de menino? Descubra como essa ideia surgiu (e por que não faz mais sentido) (Foto: Helenio Barbetta/Living Inside)

A brinquedoteca dos três filhos da arquiteta Susan Theunissen, na Antuérpia, Bélgica, tem estrutura neutra, piso preto e parede branca: as cores vibrantes estão nas obras de arte e no mobiliário, com peças vintage e de design, sem mesmice

Até meados do século 19, o mundo infantil era branco. Roupas e ambientes ligados às crianças priorizavam limpeza e praticidade. Como tempo, tons pastel entraram no contexto e, segundo a historiadora americana Jo Paoletti, da Universidade de Maryland, EUA, azul e rosa – entre outros matizes – passaram a ser usados, sem convenções de gênero. “Ambos se faziam presentes nas maternidades, mas de forma genérica, sem ligação com o sexo da criança”, conta ela, em uma de suas publicações sobre o tema.

No fim do século 19, sob influência da psicanálise, recém-formulada por Sigmund Freud, os pais começaram a dar relevância à definição de gênero desde o nascimento do bebê. Foi assim que a cor dos quartos e das roupinhas passaram a importar – especialmente a partir da década de 1950, após a Segunda Guerra Mundial. “Os franceses, experts em ditar moda, sacramentaram essa paleta. O rosa virou sinônimo de feminilidade e o azul era a cor que representava o espírito livre dos meninos”, acrescenta Jo. E o mercado adorou a ideia de que a cor fazia, sim, diferença: quanto mais os produtos e acessórios reforçassem esse contexto segmentado, mais as vendas eram impulsionadas. E, dessa maneira, seguiram-se muitos anos sob a ditadura do rosa e azul.

Rosa é de menina e azul de menino? Descubra como essa ideia surgiu (e por que não faz mais sentido) (Foto: Fran Parente)

No quarto dos gêmeos Max e Noah, filhos da designer Ana Strumpf, vale tudo: sobre a base quadriculada do adesivo na parede, há mapas e balões – outras estampas, variadas e cheias de personalidade, aparecem também em colchas, almofadas e tapete

Aos poucos, graças ao olhar mais amplo de alguns setores da sociedade, essa teoria vem se tornando ultrapassada. Na verdade, o conceito que atualmente ganha espaço no mundo da decoração infantil é justamente o contrário – quanto mais extensa a paleta de cores, melhor. “Entendo esse universo como modo para soltar a mão, de não seguir regras e experimentar todos os tipos de combinações possíveis. As referências são múltiplas, universais, com um mix infinito de padronagens”, argumenta a designer de interiores e estampas Ana Strumpf, que cresceu em meio aos tecidos da Formatex, empresa criada por seus pais. “No quarto dos meus filhos, Noah e Max, de 5 anos, coloquei papel de parede mais neutro e geométrico e revezo colchas megaestampadas, com flores e dinossauros. Eles se vestem também sem um padrão definido. Calça xadrez com camiseta de bolinhas, meia listrada...”, completa ela.

"O legal é não ter nada muito certinho. Ousar e apostar no diferente e no único. A criança vai responder a esse estímulo com um olhar mais estético, criativo e nada estereotipado""

Thais Carballal, Dona da Mooui

Essa ideia de ambientes menos formais é compartilhada pela arquiteta Leila Bittencourt, apresentadora do programa Lugar de Criança, do canal GNT, e dona do Oba!, escritório especializado no segmento. Para ela, a estética infantil não deve ter vícios ou limites – e por isso representa um exercício dos mais instigantes. “Acho que hoje temos uma geração de pais com cabeça mais aberta, menos estereotipada, e muito conectada com referências múltiplas. Quem diria que preto e cinza seriam tons tão definitivos na decoração infantil? Ou que o rosa entraria tão firme nas salas ‘adultas’? O importante é buscar o que cada um se identifica, sua história, algo que emocione e estimule quem vive ali”, afirma, convicta.

Rosa é de menina e azul de menino? Descubra como essa ideia surgiu (e por que não faz mais sentido) (Foto: Divulgação)

O amarelo tinge metade da parede como um lambri improvisado, no projeto da Proa Arquitetos – a roupa de cama com estampas e tons marcantes é da Mooui

Não ter preconceitos com qualquer tipo de mistura ou matizes é o lema da paranaense Thais Carballal, dona da Mooui, craque em elaborar estampas fortes. Sua marca (que existe há quatro anos e surgiu exatamente pela dificuldade de encontrar opções modernas de enxoval infantil no mercado), ficou famosa por apostar em padronagens cheias de cor, que entram nos quartos das crianças na forma dos mais diversos acessórios – roupas de cama, adesivos na parede, bonecos, guirlandas ou almofadas. “Essa história de tons preconcebidos, pastel, é algo do passado. Os quartos podem ganhar personalidade nos detalhes. É um clima mais europeu, levemente improvisado, que fica lindo em vários contextos, sejam eles de meninas ou meninos”, revela ela, que desenvolve todas as suas estampas. “O legal é não ter nada muito certinho. Ousar e apostar no diferente e no único. A criança vai responder a esse estímulo com um olhar mais estético, criativo e nada estereotipado”.

Já a arquiteta belga Susan Theunissen, mãe de três, crê que, ao pensar uma área infantil, é essencial aflorar a personalidade artística da criança, com uma abordagem pouco convencional. “A cor pode estar presente nas paredes ou nos móveis, mas o essencial é que o conjunto trate a criança com o respeito, o carinho e a atenção que ela merece”, opina ela. “Em nossa casa, colocamos muitas peças vintage nos quartos e brinquedotecas infantis porque acreditamos que espaços com personalidade, e um mix de estilos é muito mais interessante para os pequenos se desenvolverem”, conclui. Que assim seja. As crianças, as donas do pedaço, só agradecem.

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