• Marianne Wenzel | Fotos James Chororos
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Minimalismo: as diferenças entre o estilo de decoração versus o movimento artístico (Foto: James Chororos)

O norte-americano Kyle Chayka, crítico de arte convertido ao jornalismo cultural, tornou-se um dos maiores comentaristas do minimalismo após lançar seu primeiro livro, The Longing for Less: Living with Minimalism (O Desejo por Menos: Vivendo com Minimalismo, em tradução livre, Bloomsbury, 272 págs.), no começo de 2020.


Não porque a publicação tenha se tornado um best-seller à la Marie Kondo ou mais um hit como a dupla The Minimalists, formada por Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus, mas, sim, por seu olhar dissonante sobre o rótulo de organização e desapego que esses autores ajudaram a colar no termo – originalmente surgido no meio artístico, nos anos 1960.

onsiderado um observador afiado da cultura contemporânea, Chayka cunhou o neologismo airspace para denominar um estilo de arquitetura e interiores encontrado nos quatro cantos do mundo e aplicável a usos tão distintos quanto um restaurante, um escritório ou um apartamento: ambientes tomados por uma atmosfera industrial, vazios e mobiliados com peças identificadas com o modernismo. Uma estética homogeneizada, altamente instagramável, muitas vezes descrita como... minimalista.

Estas apropriações um tanto apressadas do conceito – vistas pelo escritor, hoje, como jogadas de marketing – levaram-no a mergulhar no tema. Nesta entrevista, ele compartilha algumas das percepções resultantes de sua pesquisa.

Minimalismo: as diferenças entre o estilo de decoração versus o movimento artístico (Foto: James Chororos)

Para começar, vamos definir o Minimalismo, com letra maiúscula, e o minimalismo? Estas duas correntes têm algo mais em comum além da palavra que as batiza?
A meu ver, o Minimalismo com M maiúsculo refere-se especificamente ao movimento de artes visuais que ocorreu nos anos 1960 em Nova York, com artistas como Donald Judd e Dan Flavin. Já o minimalismo com letra minúscula diz respeito a um estilo de vida registrado desde a última década, mais ou menos. Ambos possuem uma estética austera e um gosto por materiais industriais, mas seus objetivos divergem bastante. Enquanto o primeiro buscava desafiar nossas noções de beleza, o segundo está mais para uma mensagem de marketing que, em última instância, acaba por nos encorajar a comprar ainda
mais coisas.

"O minimalismo virou uma solução universal para a arquitetura e o design, e se arrisca, nesse processo, a apagar a diversidade e excluir quem não se identifica com a estética ocidental e modernista”"

Kyle Chayka
Minimalismo: as diferenças entre o estilo de decoração versus o movimento artístico (Foto: James Chororos)

Qual a diferença entre simplicidade, austeridade e minimalismo?
Ótima pergunta! A distinção é muito sutil, mas, depois de escrever o livro, formei uma ideia sobre isso. Penso que a simplicidade é uma funcionalidade reduzida: um objeto, um equipamento ou até mesmo uma experiência, obtidos a partir de poucos elementos, algo descomplicado. Austeridade é a simplicidade levada ao extremo, uma escolha intencional de apagar ou evitar o máximo possível de decoração ou complexidade. Pode tornar-se muito dramática e pouco funcional, como um quarto todo branco. Já o minimalismo é uma filosofia que nos convida a repensar o ambiente ao nosso redor e abraça a beleza pouco ortodoxa de materiais industriais e lugares vazios, valorizando, acima de tudo, as qualidades visuais ligadas à austeridade.

Você aponta que a estética da simplicidade esconde uma série de excessos nada sustentáveis. É possível ser minimalista no sistema capitalista?
O capitalismo gera a cultura consumista, que implica uma identificação com o que se compra e se tem. É bastante insustentável, e até mesmo desagradável. Ser minimalista certamente é possível no nível pessoal, se você reorientar seu senso de identidade e valor para poucos objetos ou vivências estéticas mais profundas. Mas essa opção individual não basta para alcançar uma mudança sistêmica e sustentável. Isso teria de vir de um movimento sociopolítico, e o minimalismo, no fim das contas, trata de aparência.

O começo do segundo capítulo descreve um flat branco e vazio. Será que ele está para a vida contemporânea como as galerias do tipo cubo branco estão para a arte? Será que esses espaços nos atraem tanto porque funcionam como palco para nossas aparições digitais? Especialmente em tempos de pandemia...
Sim, exatamente. A internet e os smartphones explicam a popularidade do minimalismo: por que optaríamos por uma casa entulhada se a web consegue conter toda a bagunça e vibração? Interiores minimalistas complementam esse caos. Da mesma forma que os cubos brancos emolduram a arte Minimalista, os cômodos sem nada acomodam a tecnologia, reforçando seu papel.

O minimalismo prospera em tempos de crise?
Ele pode, às vezes, atuar como mecanismo de defesa: se o mundo à sua volta anda instável, simplificar a vida pessoal proporciona segurança. Querer menos ajuda se não há condições financeiras para ter mais. Isso aconteceu em 2008, depois da crise econômica aqui nos Estados Unidos, e em outros momentos históricos, como o Pós-Guerra e o Período Heian, no Japão [entre 794 e 1185, o país viveu uma fase de relativa paz, porém de muito empobrecimento da população]. Ganhos materiais tornaram-se, de repente, mais difíceis, então passamos a priorizar a singeleza.

Segundo outro trecho de seu livro, ele também seria um sistema para resolver problemas existenciais, como fazem a religião, a astrologia ou a espiritualidade. Seu poder é mesmo tão transcendental?
Ocasionalmente, o minimalismo contemporâneo parece uma disciplina espiritual, mas, na realidade, não envolve esses aspectos. Está mais para uma prática
pessoal, que pressupõe a simplificação e uma experiência direta, e chega a colocar um fardo sobre o indivíduo ao sugerir que ele restrinja sua própria vida. Nesse sentido, não possui a mesma escala ou os princípios de organização social que a religião ou a espiritualidade.

Você diz que o minimalismo pode ser opressivo, arrogante e narcisista. Por quê?
Muitas vezes, ele é defendido como a melhor estética, ou a única de bom gosto, portanto todas as pessoas deveriam seguir seus princípios. Basta ver de que forma se difundiu como uma espécie de solução universal para o design de escritórios e cafés – quando, na verdade, corre o risco de apagar a diversidade no processo e alienar quem não o aprecia, ou não se sente contemplado por essas referências ocidentais e modernistas. Não creio que seja intrinsicamente opressivo, mas, certamente, periga causar essa sensação se levado a um nível exagerado.

Estamos nos rendendo a lugares sem identidade, homogeneizados no mundo todo pelo visual minimalista? Este é seu conceito de airspace, correto?
Sim, creio que isso realmente está acontecendo. Meu livro tenta captar, de alguma maneira, os efeitos da era da globalização pautada pelas redes sociais, onde tudo de fato nivelou-se por uma estética minimalista. Este parece ser o estilo das casas na internet, porque atende aos desejos do público: é acessível, copiável e escalável, pois não perde valor à medida que se torna onipresente.

O minimalismo demanda, obrigatoriamente, uma certa neutralidade? Precisa ser assim?
Essa impressão se justifica porque o minimalismo apresenta poucos marcadores específicos. Em um lugar vazio, há raros símbolos de identidade. Mas pense na casa de Charles e Ray Eames, na Califórnia. Ela pode parecer lotada e nada minimalista, ao menos de acordo com a definição atual. Há uma infinidade de miudezas, livros, artefatos e obras de arte espalhados pelos cantos. Mas o Minimalismo propõe estimar cada item pelo que ele é e aceitar justaposições nada usuais de materiais e objetos. Os Eames foram pioneiros nesse tipo de colecionismo e apreciação. É possível entender o minimalismo como algo não necessariamente neutro se compreendermos sua herança e sua história – é o que tento documentar no meu livro.

Você critica a literatura de autoajuda atrelada ao estilo de vida minimalista. Que leituras indicaria para quem se interessa pelo tema?
Os textos de Donald Judd são belos documentos sobre a história da arte Minimalista e comunicam claramente suas ideias radicais. Meu livro favorito é Em Louvor da Sombra [Penguin Companhia, 2017, 72 págs.], ensaio de Junichiro Tanizaki que explica o apelo da simplicidade e seus problemas em locais muitos pequenos, a partir da perspectiva do Japão dos anos 1930.