• 03/01/2014
  • Por Mariana Kindle; Fotos Luisa Zanzani e MAK
Atualizado em
  (Foto: divulgação)

À esquerda Andrea Trimarchi e, à direita, Simone Farresin, sócios-fundadores do Formafantasma

O trabalho dos designers do Formafantasma tem os pés firmados no hoje. Cada vez mais o duo vem ganhando notoriedade entre seus pares, por ser considerado inovador. No entanto, depois de uma breve conversa com Simone Farresin, um dos sócios do estúdio, fica claro que ele e seu parceiro, Andrea Trimarchi, são old souls. Os artistas têm uma forte conexão com o passado e com os materiais tradicionais.

Entre seus pré-requisitos para trabalhar, encontramos o silêncio. Um fator anacrônico se levarmos em conta o quão barulhenta é nossa realidade. Não por acaso, a dupla vive e trabalha em Eindhoven, uma pequena cidade na Holanda, tendo deixado seu país de origem, a Itália. Ainda assim, de algum modo, eles são capazes de produzir obras contemporâneas, com perfume de ineditismo.

Confira abaixo uma entrevista exclusiva que o Formafantasma concedeu à Casa Vogue.

  (Foto: Luisa Zanzani)

Durante uma exposição serviu-se aos visitantes água purificada com carvão, como complemento ao conceito que gerou a coleção Charcoal

Quando vocês decidiram abrir um estúdio de design juntos?

Conheci o Andrea quando ainda estudávamos em Florença, na Itália, e nossa união se deu naturalmente. Pensamos de modo muito parecido e temos muitos interesses em comum. Quando viemos para a Holanda a fim de fazer nossos másters, essa união se consolidou e montamos o Formafantasma. Desde o início sabíamos que o nosso tipo de design tendia mais para a concepção conceitual que para a produção em massa.

Como é a colaboração entre vocês e como as tarefas são distribuídas no estúdio?

O trabalho entre nós se dá de modo tão uníssono, que eu nem mesmo usaria a palavra “colaborar” para descrever a nossa interação. Para mim, colaborar significa que alguém diz “a” e outro diz “b” e, aos poucos, se chega a um consenso ou uma ideia se sobressai. No nosso caso, parece que somos apenas uma pessoa. Dificilmente discordamos durante o processo criativo.

No entanto, somos diferentes em alguns pontos, claro. Andrea é muito mais organizado, enquanto eu sou mais pensativo. Eu falo mais, ele escreve. Eu não tomo decisões com facilidade, enquanto ele é firme. Por outro lado, acabo trazendo à discussão mais ideias. Em termos práticos, acabamos tendo uma divisão clara de tarefas por causa de nossos traços de personalidade.

  (Foto: Luisa Zanzani)

A linha Botanica foi desenvolvida para a Plart, uma fundação italiana que dedica-se à  pesquisa científica sobre a restauração e a conservação do plástico

Vocês costumam trabalhar com gente de fora do Formafantasma ou resumem-se à dupla no desenvolvimento dos projetos?

Costumamos dizer que sempre trabalhamos com outros designers, pois nenhum de nossos projetos se resume ao trabalho da dupla. Seja na fase de pesquisa ou na execução, sempre há outros profissionais envolvidos em nossos projetos. Não temos interesse algum de viver em uma bolha.

E como se dá o processo de criação em si? Vocês rabiscam muito, criam maquetes, usam softwares de ponta – como é?

O nosso processo de criação envolve bastante conversa. Não há muito desenho ou a presença de formas. Falamos sobre ideias e sensações que queremos comunicar. Devo confessar que normalmente nossos desejos são os mesmos. O modo como vemos o design é idêntico e nossas referências são semelhantes. Nossa união é intuitiva e o trabalho se dá de modo orgânico.

Acho que não conseguiríamos trabalhar com qualquer outra pessoa. Argumentamos muito, mas não em discordância. Discutimos para escolher o melhor modo de produzir uma obra ou sobre detalhes de finalização – nunca discordamos sobre os princípios básicos dos projetos.

  (Foto: Luisa Zanzani)

A coleção Craftica explora as qualidades visuais e táteis do couro

OK, mas em termos práticos, como você descreveria o processo de vocês?

Começamos com uma ideia bruta do que queremos produzir. Em seguida coletamos muitas imagens de referência. Eu seleciono as minhas e Andrea as dele. Usamos essas imagens como um sistema de comunicação não verbal. Criamos, então, colagens com esse material. A forma começa a aparecer nesta fase, ainda que de modo pouco refinado. Passamos a criar peças teste e a elaborar modelos eletrônicos. Neste momento, começamos a pensar nos materiais que queremos usar. Enfim, chegamos aos desenhos finais.

Nunca pensamos no formato dos objetos no início do processo de criação. Talvez por isso nosso trabalho seja criativo. Porque se você descartar a obsessão pela forma, há ainda diversos tipos de ideia que podem emergir. Assim, o designer não se limita pelas predisposições de estilos. Se você não pode se basear nestas regras, então você precisa criar novos modos de se aproximar do design. O pensamento transita para âmbitos como: materiais, técnicas de produção e veiculação de ideias.

Nas pesquisas de vocês entram apenas referências do universo do design ou vocês buscam inspiração em outros canais também?

Quando começamos um projeto buscamos também inspiração em outros meios, como na arte contemporânea, no cinema e até em séries de televisão. A música, no entanto, não entra nesse processo. Ouvimos pouco desde que a música passou a ser digital. Odeio ouvir o som vindo do computador. Outra fonte importante de inspiração é a natureza. Suas cores, texturas e métodos de incorporar materiais naturais pouco processados nos objetos.

  (Foto: Luisa Zanzani)

Vinte e oito desenhos foram desenvolvidos para a linha Craftica, em parceria com o designer e ilustrador Francesco Zorzi

E por falar em materiais, vocês se descreveriam como modernos, que adoram usar em suas criações as últimas novidades tecnológicas, ou tradicionais, que gostam de explorar as propriedades já conhecidas?

Preferimos trabalhar com materiais naturais e tradicionais, como madeira, mármore, vidro, cerâmica e porcelana. Algumas vezes desenvolvemos materiais no estúdio. São produtos bastante experimentais. Mas o mais comum é usarmos materiais que já vêm sendo empregados no design há muito tempo. Fazemos parte de uma geração de designers que não tem medo de olhar para trás. A Europa é um continente antigo, cheio de história.

Estamos nas primeiras décadas de um novo século, é natural que os designers de hoje se voltem ao passado. Acho que quando viramos o século, precisamos avaliar o que foi feito de bom e o que vale ser mantido. Além disso, nas últimas décadas presenciamos o lado negativo do desenvolvimento industrial e da produção globalizada. Por isso, acho natural que os designes estejam abraçando os materiais e as técnicas mais tradicionais.

Parece que uma das características mais fortes da produção de vocês é a pluralidade. Qual o segredo para a criação de obras que são tão diferentes entre si?

Eu acredito, de fato, que nossos projetos são bem diferentes. Isso acontece porque para nós é muito importante levar em conta o contexto do projeto. Quando alguém comissiona um trabalho, a primeira coisa que fazemos é pesquisar sobre o assunto. Não tentamos apontar soluções antes de pesquisar. Por exemplo, se trabalhamos com pedras, antes olhamos a história do manuseio das pedras.

Fazemos pesquisas históricas, pois queremos conectar nossa obra com o passado. O design costuma ser uma disciplina que apenas mira o amanhã e o novo. E por mais que isso nos interesse, gostamos também de buscar inspiração no passado. Não achamos que é necessário sempre criar novas formas. O que precisamos é criar novas ideias.

  (Foto: Luisa Zanzani)

A coleção Charcoal, produzida para o Museu de Design da Vitra, busca ressaltar o lado bom do grande "vilão" do século 20, o carvão

Dizendo assim parece fácil, mas não é. Você teria alguma dica para os estudantes de design e para os interessados sobre como cultivar essas tais “novas ideias”?

As pessoas muitas vezes acreditam que para se manter inspirado o ideal é viver em uma cidade estimulante onde algo novo sempre está acontecendo. Bem, vivemos em Eindhoven, uma cidade pequena na Holanda, e que é bem entediante. Dividimos nosso tempo entre o estúdio e nossas casas. Claro, também viajamos a trabalho ocasionalmente, mas para nós a fonte de inspiração é a concentração, não a agitação.

Às vezes você precisa simplesmente de silêncio para ter ideias. Acredito que a sociedade do estímulo não está ajudando a criatividade. Nossas cidades são, frequentemente, estimulantes demais. Por causa do excesso de informação chega uma hora em que nossas mentes se recusam a produzir pensamentos novos. Por isso, acho que o isolamento e o tédio podem auxiliar a criatividade.

Vocês participarão do Salão do Móvel de Milão que acontece agora, em abril?

Estaremos na feira apresentando alguns novos projetos – inclusive diversos produtos industriais. Pelo âmbito conceitual, levaremos à feita um projeto que propõe a utilização da lava vulcânica como matéria-prima. Este projeto tem ligação com a Itália, mais particularmente com a Sicília. Além disso, há uma colaboração que fizemos com uma companhia especializada em cristais, a J. & L. Lobmeyr.

  (Foto: Luisa Zanzani)

Para a linha Botanica, o Formafantasma criou diversas peças com aparência natural, embora sejam feitas de plástico

  (Foto: Luisa Zanzani)

O objetivo da Botanica é dissociar a imagem ruim do plástico perante o público, mostrando que o material também tem origem natural - o óleo vindo de plantas e de animais, e não apenas do petróleo

  (Foto: Luisa Zanzani)

As peças da linha Botanica apresentam o plástico convivendo com outros materiais, como a madeira, a cerâmica e o metal

  (Foto: Luisa Zanzani)

Na linha Botanica, o formato das peças bem como a sua paleta de cores não nega a inspiração vinda da natureza

  (Foto: Luisa Zanzani)

Para a confecção das obras da linha Craftica, os designers buscaram couros dos mundos vegetal e animal, indo, inclusive, para debaixo d’água

  (Foto: Luisa Zanzani)

O Formafantasma usou em suas obras da linha Craftica sobras de couro provenientes da produção da marca Fendi, que comissionou o projeto

  (Foto: Luisa Zanzani)

Vasos e jarras feitos com a mistura de vidro e a bexiga de bovinos, que tem propriedades de acúmulo de líquidos, da linha Craftica

  (Foto: Luisa Zanzani)

O couro foi empregado na linha Craftica junto a diversos materiais, como mármore, metal oxidado, vidro, madeira, ossos, conchas e esponjas do mar

  (Foto: Luisa Zanzani)

Colheres e máscaras de proteção feitas a partir de conchas, da linha Craftica

  (Foto: Luisa Zanzani)

As peles da linha Craftica passaram por tratamentos para que a cor e a textura originais fossem mantidas

  (Foto: Luisa Zanzani)

Conjunto de copos Alphabet, desenvolvido em parceria com a marca vienense J. & L. Lobmeyr

  (Foto: Luisa Zanzani)

O Nodus Rug foi uma peça desenvolvida especificamente para o salão do Geymüllerschlössel, espaço onde se deu a mostra The Stranger Within, que reuniu diversas coleções do Formafantasma

  (Foto: Luisa Zanzani)

Itens da série Moulding Tradition, que trata da influência árabe e africana sobre a produção cerâmica da Europa

  (Foto: Luisa Zanzani)

As peças da coleção Charcoal fazem alusão a um uso ainda corrente do carvão, ou seja, a purificação da água

  (Foto: Luisa Zanzani)

Doze desenhos feitos com carvão retratam árvores sendo queimadas, cidades sendo poluídas, fumaça e chuva negra

  (Foto: Luisa Zanzani)

Esses desenhos também foram desenvolvidos em parceria com o designer e ilustrador Francesco Zorzi