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Há 50 anos falecia o mestre Le Corbusier
Uma visita à cidade suíça que marcou sua vida
4 min de leituraO dia de hoje (27/8) marca os 50 anos da morte de Charles Edouard-Jeanneret-Gris, mais conhecido como Le Corbusier, o homem que revolucionou a arquitetura mundial, disseminando ideias que influenciam até hoje a nossa forma de viver. Apesar de não ter sido o único mestre do Movimento Moderno, o arquiteto suíço certamente alcançou um reconhecimento que nenhum outro conseguiu.
Pode-se inclusive dizer que ele foi o primeiro "starchitect", ou seja, o primeiro arquiteto a ser cultuado como uma celebridade, mesmo atuando muitas décadas antes da internet, em um tempo em que uma travessia pelo oceano Atlântico durava duas semanas. Ao longo de sua carreira (e mesmo depois de falecido) Corbu foi idolatrado, odiado, debatido, polêmico, e muitas vezes incompreendido.
Ao visitar sua pequena cidade natal, La Chaux-de-Fonds, no cantão suíço de Neuchâtel, é possível encontrar pistas e origens de muitas das ideias radicais que se tornaram base de seus conceitos arquitetônicos. Afinal, foi neste endereço que o arquiteto nasceu, estudou e viveu até os 29 anos de idade. Ele também abriu ali seu primeiro escritório de arquitetura.
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A cidadezinha ficou conhecida no começo do século passado como a capital mundial dos relógios, por ser responsável pela produção e exportação de cerca de metade de todos os relógios existentes ao redor do globo. Em La Chaux-de-Fonds tais itens extrapolavam a mera função de marcar a passagem do tempo. Antes de mais nada, eles eram tratados como uma obra de arte: cada peça trabalhada artesanalmente ganhava desenhos gravados tão sofisticados quanto seus mecanismos funcionais.
Foi justamente nessa indústria que Le Corbusier trabalhou antes de se enveredar pelo caminho da arquitetura. É importante conhecer tal fato para compreender por que, anos mais tarde, ele definiu a casa como "uma máquina de morar". Para ele, máquinas vão além da função utilitária e adquirem o significado de expressão artística.
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Provavelmente a indústria de relojoaria teve também certa influência (mesmo que indireta) em um importante e muito controverso ponto da visão urbana de Le Corbusier. Na reconstrução de sua cidade natal após um devastador incêndio, as ruas foram alinhadas de forma que os prédios tivessem maior exposição à luz natural, condição que beneficiava o trabalho dos artesãos fabricantes de relógios. Foram projetadas também largas vias, ideais para permitir que o sol alcançasse as grandes janelas em abundância. Tendo nascido e vivido em tal ambiente, nada mais natural que levar tais referências para o próprio trabalho.
Observando hoje essas ruas espaçosas, é possível entender melhor o desejo de Corbusier de ter amplas e arejadas vias como elemento básico do urbanismo moderno. Não seria nenhum absurdo arriscar dizer também que este ambiente urbano, formado por uma orientação arquitetônica relacionada aos aspectos naturais, tem uma influência na relação especial entre interior e exterior observada nos projetos de Corbu. A vida por tantos anos nesse ambiente de planejamento altamente racional com certeza lhe serviu como referência.
Foi também em La Chaux (como os suíços chamam a cidade) que Le Corbusier fez seu primeiro projeto residencial, projetado para seus pais e construído em 1912. Na casa, batizada como Villa Jeanneret-Perret, ou Maison Blanche, Corbu experimentou várias idéias que mais tarde amadureceram como parte integral de seu vocabulário arquitetônico. Muitos desses conceitos foram aprendidos por ele durante viagens pela Europa e o Oriente Médio.
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Na casa dos seus pais, já se começa a perceber seu desejo de integrar exterior e interior. As janelas em linha ao longo do último andar não são muito diferentes do longo corte horizontal na fachada livre da icónica Villa Savoye. Com apenas quatro pilares internos, a planta oferece grande flexibilidade, e as paredes internas já desde este projeto foram consideradas partições capazes de serem facilmente alteradas conforme a necessidade - um conceito estrutural similar ao que desenvolveria mais tarde com os pilotis.
No design do jardim, Corbusier desenvolveu elaborados caminhos que conduzem até a arquitetura. Após subir uma escada, se chega ao jardim superior: é necessário atravessá-lo para atingir o pergolado que, finalmente, conclui o percurso por toda a lateral da casa e chega até a porta de entrada.
Os acessos quase processionais se tornaram marca registrada de sua obra. Ao delimitar o jardim com a treliça de madeira, Corbu ensaiava outra característica marcante de seus projetos: o emolduramento das vistas. Cortes ovais demarcam visões da floresta vizinha e a estrutura do pequeno pavilhão erguido no vale.
Aparentemente, depois de partir de La Chaux, Le Corbusier afirmou que detestava a cidade. Mesmo assim, como foi em tal endereço que ele se formou e iníciou sua trajetória profissional, é inegável e interessante o exercício de traçar um paralelo entre as memórias e condições do local e sua carreira.