• 28/05/2016
  • Por Guilherme Amorozo; retrato Vik Muniz
Atualizado em
Jean Nouvel  (Foto: Vik Muniz)

O arquiteto posa com a equipe da obra no terreno da Cidade Matarazzo, para a câmera de Vik Muniz


Sob um insuspeitado calor de outono, um táxi preto manobra para dentro do imenso canteiro de obras, pisando numa terra vermelha que há muito São Paulo esqueceu-se que possuía, debaixo de camadas e camadas de asfalto. Do carro, vestindo preto dos pés ao... tronco – a cabeça reluz despida de qualquer peça de vestuário ou fio de cabelo –, emerge a figura corpulenta e não menos elegante do maior arquiteto francês vivo. Jean Nouvel está ali para promover o seu primeiro projeto em solo brasileiro, a Torre Rosewood, mix de hotel e residencial de um luxo inédito por essas bandas, a ser erguido em meio aos edifícios históricos do antigo Hospital Matarazzo, que, por sua vez, vão se converter em centros de cultura e consumo.

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Enquanto rega uma muda de árvore, símbolo do prédio verde que surgirá neste local até 2018, em algum ponto do terreno, atrás deuma câmera, Vik Muniz tenta transformar a mise-en-scène em arte, sob a batuta de Alexandre Allard, idealizador do complexo, também presente. Entre um clique e outro, Nouvel conversou com a Casa Vogue sobre o projeto, sobre outros gênios da profissão, e sobre os prazeres do mundo em que vivemos. A seguir, a entrevista exclusiva.

VÍDEO: Jean Nouvel projeta um prédio verde em SP

Jean Nouvel (Foto: Divulgação)

O projeto da Torre Rosewood, em São Paulo, prevista para 2018


No alto de seus 70 anos, você continua a exigir muito de si próprio, a experimentar, a criar coisas novas. Como consegue lidar com tudo  o que faz a essa altura da vida?

É uma filosofia. Quando se é jovem, é para a vida toda. Eu conheço muitos jovens que são, na verdade, muito velhos. Então, tento ser um velho muito jovem. Tenho uma equipe grande, com gente de diferentes idades e acho que juventude contamina. Quando você está num time jovem, fala com gente jovem, seu cérebro vai nessa direção, absorve muita informação. Penso que a velhice vemde estar desconectado, de manter referências de 50 anos atrás. 

Essa vitalidade criativa pode ser vista em alguns de seus novos projetos. Tanto neste aqui em São Paulo quanto nos edifícios que recentemente finalizou em Sydney e no Chipre, há muita vegetação cobrindo as fachadas, algo  que você não costumava fazer. Por que essa leva de prédios verdes agora?

Não se trata tanto de usar vegetação em todos os prédios, mas, sim, de criar novas atmosferas. Quando se faz arquitetura, você tenta dar algo para as pessoas que vão habitá-la – a arquitetura é um presente. E quando se é um hedonista como eu, você pesquisa uma infinidade de pequenos prazeres ligados à luz, à sombra, às maneiras de emoldurar a paisagem e a várias outras coisas. Frequentemente, quando a paisagem urbana é muito seca, com todo esse concreto, estar perto de vegetação, poder tocá-la no meio da cidade, produz um certo tipo de memória. Não é que eu queira pôr uma “salada” em cada varanda, tem mais a ver com pertencer a uma geografia, a uma vizinhança, a um parque. Aqui mesmo [na Cidade Matarazzo], o que fiz foi pensar numa continuação da vegetação que já existia, que é muito poderosa.

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Jean Nouvel  (Foto: Roland Halbe)

Feito coma firma local PTWArchitects e o paisagista Patrick Blanc, o edifício One Central Park (2014), em Sydney, inaugurou a atual leva de prédios cobertos de verde de Jean Nouvel

Paulo Mendes da Rocha sempre diz que o atributo mais importante de um edifício é o seu endereço – em que ponto da cidade ele se situa e como se relaciona com ela. Você concorda?

Esse é um bom pretexto para construir prédios estúpidos em áreas boas. Construtoras costumam repetir isso: “O que é importante? O endereço, o endereço, o endereço...”. Não concordo. Num bom endereço, você tem de usar o poder da história e da genealogia do lugar. E questionar: por que ele é um bom endereço? Que tipo de informações positivas existem sobre o bairro? Há quanto tempo ele é assim? Você tem de conhecer tudo. 

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Zaha Hadid foi a primeira dessa geração estelar de arquitetos verdadeiramente globais – a sua geração – a morrer. Você já chegou a pensar sobre o que vai ser do Ateliers Jean Nouvel quando Jean Nouvel não estiver mais por aqui?

Acho que a continuidade possível para escritórios como o meu ou o da Zaha é uma continuidade do espírito. A questão é não copiar o que foi feito antes. Zaha inventou construções dinâmicas, cheias de surpresas, com um vocabulário flexível, adaptável a diversas situações. Penso que esse espírito poderia perdurar, e tenho certeza de que a equipe dela é capaz disso. No meu caso é um pouco diferente, porque a minha filosofia é, toda vez, inventar o edifício certo para cada lugar. Eu nunca repito o vocabulário. Não é uma crítica a quem o faz, só quero dizer que é muito difícil imitar o que faço.

O que alguém que sempre se considerou um hedonista, como você, gosta de fazer da vida além da arquitetura? O que lhe dá prazer?

Primeiro, fazer arquitetura é um prazer, não é exatamente um trabalho. Sou um amante da arquitetura. Depois, gosto de estar em locais de lazer. Por exemplo, eu passo bastante tempo em Saint- -Paul-de-Vence [cidade no sul da França onde Nouvel tem casa], sou muito amigo do dono do La Colombe d’Or [famoso hotel onde no passado hospedavam-se artistas como Matisse e Miró], gosto de nadar, de caminhar, de ter amigos ao meu redor – nem todos arquitetos!

Jean Nouvel  (Foto: Yiorgis Yerolymbos/cortesia da Nice Day Developments)

Mais verde no trabalho recente de Jean Nouvel: o edifício White Walls (2015), em Nicosia, no Chipre, em parceria com o estúdio Takis Sophocleous Architects, une áreas residenciais e comerciais, de onde a vegetação transborda

Você diria que São Paulo é um “lugar hedonista”? 

Não a conheço o suficiente ainda, mas sinto uma boa energia aqui. É claro que São Paulo é uma cidade brutalista, que se construiu muito rapidamente, sem ordem. Então, acho que cabe aos arquitetos locais transformar a cidade para que possa oferecer mais prazer aos seus habitantes.