Escritório propõe elementos arquitetônicos para adaptar prédios comuns ao pós-pandemia (Foto: Divulgação / Martin Lejarraga)

Proposta inclui maior presença de vegetação nos telhados, estruturas para produção eólica de energia e  passarelas entre os espaços suspensos de lazer dos edíficios 

É a pergunta que mais se tem feito a arquitetos e urbanistas desde que a pandemia da Covid-19 atingiu o mundo: o que vai ser das nossas cidades quando isso passar? Entre especulações sobre êxodos urbanos e propostas de remodelação total das cidades, Jose Maria Mateo, do escritório espanhol Martin Lejarraga, tem uma resposta interessante: ao invés de demolir, é necessário adaptar. Em parceria com os demais profissionais do escritório, o arquiteto desenhou uma série de recursos que podem ser implementados em diversos tipos de construção ao redor do mundo para tornar a vida urbana mais sustentável, mais autossuficiente e mais colaborativa. Sua visão para o futuro inclui jardins verticais, parques e quadras esportivas nos telhados, passarelas entre prédios, e estruturas para geração de energia eólica e solar nas coberturas dos edifícios. “Ao invés de pensar nas cidades como uma página em branco, nós já temos um papel desenhado e precisamos torná-lo não apenas mais agradável mas também mais útil para as pessoas, aumentando a presença da natureza”, diz Mateo à Casa Vogue.

O projeto foi batizado de Natural and Urban Devices (NUDes, na sigla em inglês). A ideia propõe uma série de recursos (“devices”, em inglês) que transformariam a vida urbana, com foco sobretudo em questões de sustentabilidade que devem ganhar ainda mais força no mundo pós-Covid. Nos exteriores, o projeto prevê mais varandas, espaços de lazer e parques ao ar livre construídos nos telhados de edifícios, geradores de energia eólica, painéis solares, jardins e hortas verticais e até chaminés purificadoras de ar.

Escritório propõe elementos arquitetônicos para adaptar prédios comuns ao pós-pandemia (Foto: Divulgação / Martin Lejarraga)

Para os interiores, o estúdio acredita que o lar do pós-pandemia também priorizará o contato com exterior, com mais área externa, pés-direitos maiores para contribuir para o bem-estar, materiais recicláveis, espaços mais flexíveis e maior presença de vegetação. “Eu não vejo nenhum empecilho técnico para acoplar este tipo de recurso aos prédios atuais. Nós não desenhamos cinco instrumentos que seriam acoplados em toda cidade ou em todo prédio. O projeto tem mais o espírito de um conceito de design que seria adaptado a cada edifício e a cada centro urbano. É preciso pensar qual(s) proposta(s) atende melhor aqueles moradores especificamente”, explica Mateo.

Escritório propõe elementos arquitetônicos para adaptar prédios comuns ao pós-pandemia (Foto: Divulgação / Martin Lejarraga)

Interiores incluem ambientes mais flexíveis, maior presença da vegetaçaõ, pé-direito alto para maior sensação de bem-estar e maior contato com o mundo exterior através de varandas 

A ideia, é claro, tem limitações. Começando por edifícios históricos e tombados que não podem ser modificados. E passando também pela enorme desigualdade social explícita na distribuição urbana de grandes metrópoles ao redor do mundo. Pensando na realidade brasileira, é difícil envisionar jardins verticais, hortas comunitárias e energia eólica sendo aplicados em larga escala em um país onde quase metade da população não tem acesso sequer à coleta de esgoto (48% da população mais especificamente, segundo o Instituto Trata Brasil) e onde 35 milhões não têm acesso à água tratada (o número equivale quase à população inteira do Canadá, e os dados também são do Instituto Trata Brasil). Mas para Mateo, o nível de auto-organização visto em muitas regiões com menos acesso a recursos é um exemplo do que seu time propõe. “Nestas regiões e nestas partes das cidades, a população já tem uma maneira colaborativa de construir as coisas. Elas não chamam arquitetos, elas vão lá e fazem por si próprias. Isso, para mim, é uma demonstração de que a sociedade consegue organizar a si mesma ”, argumenta.

Pode parecer inusitado que um arquiteto tenha em mente um plano que não seria necessariamente executado por profissionais do ramo. Mas para Mateo, este tipo de iniciativa colaborativa já está cada vez mais presente na sociedade. Por que não aplicá-la à arquitetura e ao urbanismo? “Nós já temos iniciativas como Airbnb, BlaBlaCar e outras tendências colaborativas que estão em curso na sociedade moderna. Por que não as aplicamos na arquitetura? Por que não criamos nossa própria cidade, para que ela seja um organismo em mutação, e não um corpo fixo?”, questiona.

Escritório propõe elementos arquitetônicos para adaptar prédios comuns ao pós-pandemia (Foto: Divulgação / Martin Lejarraga)

“Depois da pandemia, pensamos que talvez todos os moradores de um prédio poderiam se juntar e pensar ‘por que não criamos um parque no nosso telhado’? E talvez eles pudessem entrar em contato com o prédio ao lado e ver se os moradores não gostariam de adotar também a ideia. Dessa forma, poderiam ser criados dois parques nos telhados de edifícios interconectados por uma passarela, por exemplo”, continua o arquiteto.

"O objetivo de arquitetos e designers não é mais fazer prédios bonitos, ou interiores agradáveis; nosso objetivo agora é sermos aqueles que entregarão mudanças a respeito da sustentabilidade em nossos centros urbanos"

Jose Maria Mateo

A criação de áreas verdes como a do exemplo é um dos pontos mais fundamentais da proposta de Mateo, que acredita que o contato com a natureza é a nova maneira de se fazer arquitetura, daqui para frente — tanto para as fachadas quanto para os interiores. Inspirado por ideias e conceitos como os da arquitetura biofílica, o escritório espanhol acredita que a maior presença de vegetação nas casas e cidades é o melhor caminho para ambientes mais saudáveis, em todos os aspectos.

“Eu acho que arquitetos e profissionais do design precisam se preocupar com muito mais do que fazer belos edifícios e belas cidades. Nosso objetivo não é mais fazer prédios bonitos, ou interiores agradáveis; nosso objetivo agora é sermos aqueles que entregarão mudanças a respeito da sustentabilidade em nossos centros urbanos”, afirma o arquiteto.

Por ora, o projeto do escritório espanhol ainda é mais um conceito do que um plano de ação. Segundo Mateo, a empresa de arquitetura vem trabalhando para convencer clientes e empresas a respeito da viabilidade e dos benefícios deste tipo de iniciativa. “O time está tentando transformar o conceito do design em uma proposta mais técnica, para que investidores vejam que essa é uma possibilidade real, e não apenas o sonho de um arquiteto enlouquecido”, brinca. “Nós realmente precisamos trabalhar para convencer autoridades locais, autoridades nacionais, investidores e empresas. Porque eu acho que esta é uma mudança para a qual a sociedade já está preparada”.