• 27/02/2015
  • Por Cynthia Garcia; fotos fernando guerra / FG + SG
Atualizado em
Editorial Aires Mateus (Foto: Fernando Guerra / FG + SG)

Um anexo minimalista projeta-se para a frente a partir da edificação mais antiga; o volume abriga apenas a área íntima da família – no térreo, a ala dos filhos, Francisco, 14, e Lopo, 11, e no piso superior, os aposentos do casal, com quarto, sala de banho e dois closets

A arquitetura dos irmãos portugueses Manuel e Francisco Aires Mateus é um ato de profunda reflexão, movido pelo desejo de transformá-la em uma experiência. “Arquitetura é, sobretudo, um arco do tempo, porém sua questão central se resume em habitar, usar, viver, tendo como ponto de partida o local”, teoriza Manuel, que mora com a mulher Sofia, arquiteta com escritório próprio, e os filhos Francisco, 14 anos, e Lopo, 11, em uma casa de complexa simplicidade, com o reducionismo característico da arquitetura portuguesa que segue o chamado estilo Chão, baseado nos ensinamentos do mestre Álvaro Siza, admirado pelos Aires Mateus.

Desde 2004, a família vive na rua São Mamede ao Caldas, uma via estreita que serpenteia o morro do Castelo de São Jorge, ou Castelo, como os lisboetas denominam o bairro que abriga a Sé, a catedral da cidade, um monumento gótico do século 12 tombado pela Unesco que ele admira de seu jardim gramado que tem até poço e cisterna. A casa é um conjunto incomum de 600 m², com décor minimalista e espaços que desfilam diante do olhar. Após o hall, há uma sucessão de ambientes interligados por arcos e escadas de pedra no térreo de um pequeno prédio residencial, erguido após o grande terremoto de 1755 que devastou Lisboa, obrigando a reconstrução da capital. “Ocupamos o rés do chão, que antes foi a zona de serviços com a lavanderia, as cocheiras e os aposentos dos funcionários”, revela sobre o espaço hoje composto de hall, quarto de visitas, sala de jantar, cozinha, serviço, varanda, um home theater onde antes era a cisterna e as quatro salas paralelas que compõem o estar. Em vez de uma ala social concentrada em uma área única, ele optou por fazer vãos entre quatro cômodos da antiga construção, criando um living sequencial que incorpora a espessura de 80 cm das paredes originais, ganhando em beleza.

Editorial Aires Mateus (Foto: Fernando Guerra / FG + SG)

Vista da sequência de salas que o arquiteto uniu na reforma para formar uma grande área de estar

Outro acréscimo das camadas do passado no projeto é o piso, feito de pedra lioz, rústica, sem nenhum polimento. Esse calcário de coloração bege, típico de Lisboa, é o mesmo que se contempla no Mosteiro dos Jerônimos (1502) e na Torre de Belém (1514), símbolos máximos da arquitetura manuelina. Durante as escavações da reforma foram descobertas pedras lioz medievais e romanas da época em que Portugal era a colônia de Portucale. “As pedras sempre foram reutilizadas de um período para outro. Aqui, temos alguns blocos maciços milenares”, revela Manuel sobre sua aventura na arqueologia lisboeta.

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Mas ela não para aí. Ao longo do jardim de 500 m² encontra-se o anexo, unido ao corpo principal da residência pela biblioteca. Um bloco alvo, retangular, semienterrado, que guarda apenas a área íntima. No térreo, a ala dos “miúdos”, com dois quartos, banheiro e quarto de brincar. Acima, a monástica suíte do casal, com cama baixa e arcazes paralelos às paredes, design do arquiteto em pinho do Oregon, que também reveste o piso e a escada do anexo. “Da minha cama, vejo a árvore, os dois torreões da Praça do Comércio, a principal de Lisboa, e o Tejo”, diz Manuel, que, junto a Francisco, seu irmão, forma a incensada dupla de profissionais do ofício de criar e construir que fincou o escritório Aires Mateus na ponta da arquitetura contemporânea europeia.

*Matéria publicada em Casa Vogue #354 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)

Editorial Aires Mateus (Foto: Fernando Guerra / FG + SG)

Na sala de jantar banhada pela luz proveniente de um óculo do séc. 18, a mesa de bétula é de Manuel Aires Mateus, enquanto as cadeiras são de Jasper Morrison para a Vitra

Editorial Aires Mateus (Foto: Fernando Guerra / FG + SG)

O quarto do casal traz cama e arcazes de pinho do Oregon, que reveste todo o piso do anexo do qual faz parte

Editorial Aires Mateus (Foto: Fernando Guerra / FG + SG)

A biblioteca, com mesa de teca desenhada pelo arquiteto e quadro de Eduardo Chillida (ao fundo)

Editorial Aires Mateus (Foto: Fernando Guerra / FG + SG)

Detalhe da fachada do volume que conecta o prédio antigo com o anexo novo, em que se vê cantaria de pedra lioz

Editorial Aires Mateus (Foto: Fernando Guerra / FG + SG)

O arquiteto Manuel Aires Mateus

Editorial Aires Mateus (Foto: Fernando Guerra / FG + SG)

A antiga cisterna é hoje um home theater, onde se manteve o revestimento de azulejos portugueses do séc. 18 e pedra lioz

Editorial Aires Mateus (Foto: Fernando Guerra / FG + SG)

Outro marco de Lisboa: a Sé, catedral erguida no séc.12, também pode ser vista a partir da casa

Editorial Aires Mateus (Foto: Fernando Guerra / FG + SG)

Do jardim, passando a antiga fonte transformada em claraboia para a cisterna abaixo, avista-se o Tejo