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Retirada dos EUA

Entre oportunidades e riscos, China reavalia seu papel no Afeganistão

O avanço acelerado do grupo Talibã no Afeganistão é a consequência mais imediata da retirada das tropas americanas do país, mas a saída dos EUA depois de 20 anos também deve ter repercussões no equilíbrio de forças da vizinhança. A tendência é que a China passe a ter um papel maior no Afeganistão, não necessariamente em busca de influência regional, embora isso seja importante numa era de competição global com os EUA, mas sobretudo por questões domésticas que tocam em suas prioridades políticas e econômicas.

O chanceler chinês, Wang Yi, em encontro com Mullah Abdul Ghani Baradar, chefe político do Talibã, em encontro no dia 28 de julho em Tianjin

O interesse de Pequim pela manutenção da estabilidade no Afeganistão é movido por duas preocupações. A principal é impedir que o país sirva como base de lançamento para ataques de separatistas islâmicos da etnia uigur na província chinesa de Xinjiang, que compartilha uma fronteira de 76 quilômetros com o Afeganistão.

A outra é garantir segurança para os investimentos feitos dentro da Iniciativa do Cinturão e Rota (também conhecida como a “nova rota da seda”), o megaprojeto de infraestrutura lançado por Pequim em 2013. O Afeganistão é um elo importante da rota entre a China e várias repúblicas da Ásia Central e tem como vizinho o Paquistão, onde estão projetos de infraestrutura bilionários patrocinados por Pequim.

No mês passado o governo de Pequim ofereceu uma recepção calorosa a uma delegação do Talibã para dois dias de conversas na cidade costeira de Tianjin, no Noroeste da China. Dois dias antes, no mesmo cenário, o governo chinês recebera com frieza a vice-secretária de Estado americana, Wendy Sherman.

Na crescente disputa com Washington, o fracasso dos EUA no Afeganistão é também uma oportunidade para a China atacar a política externa americana. Crítico da presença americana no país, Pequim agora condena os EUA pela retirada apressada e o potencial de caos que ela deixa para trás.

Para garantir sua segurança doméstica e os investimentos chineses na Ásia Central, “Pequim vai entrar mais fundo nas questões regionais”, prevê a analista Claudia Chia, coautora de um extenso raio-x da política chinesa para o Afeganistão publicado recentemente pelo Instituto de Estudos do Sul da Ásia da Universidade Nacional de Cingapura. Isso também pode significar presença militar no Afeganistão.

Muitos analistas são céticos quanto à possibilidade de uma intervenção militar chinesa. Para Chia, no curto prazo Pequim irá focar principalmente no fornecimento de assistência humanitária e em investimentos de baixo risco. Ao mesmo tempo, ela considera “altamente provável que a China envie uma força de manutenção de paz” ao país para blindar-se de ameaças a seus interesses internos e regionais. Dadas as relações próximas com Moscou, “é plausível” que essa força seja constituída por tropas chinesas e russas, diz ela.

Nos últimos 20 anos, a China manteve contatos tanto com o governo afegão quanto com o Talibã, buscando conquistar a confiança dos dois lados como mediador e se preparando para lidar com diferentes cenários. Os perigos para Pequim no envio de uma força militar ao Afeganistão com a bandeira chinesa são evidentes, como demonstram as intervenções da União Soviética e dos EUA no país conhecido como “o cemitério de impérios”.

O vácuo criado pela retirada americana oferece oportunidades e riscos à China, além de um novo teste para o seu papel de potência global em ascensão.

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