Carros elétricos e híbridos
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A desconfiança com o novo sempre fez parte da natureza humana. Foi assim no fim do século 19, quando as pessoas olharam torto para aqueles carros a combustão que ousavam substituir as charretes puxadas por cavalos. E se repetiu ao longo da história: o forno micro-ondas era algo assustador para muitos e nem os tijolos na forma dos primeiros celulares passaram ilesos. O mesmo ocorre agora com o carro elétrico.

Um dos caminhos inevitáveis para a descarbonização, os veículos movidos exclusivamente a baterias ainda suscitam dúvidas, continuam cercados de mitos e geram um pé atrás por parte do consumidor. Ao mesmo tempo, a despeito das desconfianças, sempre somos compelidos pelo frenesi de experimentar tais novidades. E o veículo elétrico (VE) obviamente atiça esse instinto.

Para quem quer experimentar este gostinho de inovação tecnológica, mas ainda tem muitas incertezas, Autoesporte preparou uma série de reportagens sobre o tema. Este guia do carro elétrico, que começa agora, vai explicar de forma simples como funciona um veículo zero combustão, como conjunto e carregamento, e quais suas peculiaridades, como manutenção e duração das baterias.

Baterias são dispostas em módulos (quase sempre) no assoalho do carro  — Foto: Autoesporte
Baterias são dispostas em módulos (quase sempre) no assoalho do carro — Foto: Autoesporte

O princípio de tudo: a bateria

A bateria é basicamente a alma do carro elétrico. É a peça responsável por distribuir energia para mover um ou mais motores elétricos que o veículo tenha (conforme o projeto), além de alimentar os outros sistemas do automóvel.

Nos carros elétricos, as baterias são dispostas em módulos dentro de um pack quase sempre posicionado no assoalho do veículo para melhorar o centro de gravidade e não comprometer a estabilidade. Este pack é selado para garantir que não entre poeira ou água no sistema - ou seja, não dá choque na chuva.

O número de módulos varia conforme o modelo - pode passar de 12. Ao mesmo tempo, cada módulo destes é composto de dezenas - às vezes, centenas ou milhares - de células. Elas são a menor das unidades dentro deste universo das baterias do carro elétrico.

Tempo de carregamento varia conforme o modelo e a bateria  — Foto: André Schaun
Tempo de carregamento varia conforme o modelo e a bateria — Foto: André Schaun

Porém, o caro leitor já deve ter lido diversas vezes aqui na Autoesporte sobre capacidade das baterias, que conversam diretamente com o tempo de carregamento, o desempenho e o alcance que aquele veículo terá.

“O que implica na capacidade da bateria, que é a capacidade energética que ela tem e normalmente para a qual o carro foi projetado, é a química da bateria. Cada química vai ter uma capacidade energética específica, tensão específica e temperatura de trabalho”, explica Nelson Fernando, responsável técnico da Dotta VHE, empresa especializada em híbridos e elétricos.

O elemento mais comum atualmente das baterias de carros elétricos é o íon de lítio. Dentro das peças, contudo, costuma haver outros compostos químicos, como ferro, fosfato, cobalto e manganês.

Em geral são utilizadas células dos tipos NMC (lítio - óxidos de níquel-manganês-cobalto) ou NCA (lítio - óxidos de níquel-cobalto-alumínio), que, apesar de terem densidade de energia menor que as chamadas LCO (lítio - óxido de cobalto), têm vida útil muito maior. Desta forma, podem suportar de 2 mil a 3 mil ciclos de recarga/descarga.

Ciclos de recarga

Segundo Raul Beck, coordenador do Comitê de Veículos Elétricos e Híbridos da SAE Brasil, as baterias de alta capacidade nos VEs são projetadas para atingir autonomias de 300 km a 600 km, ou mais. Elas trabalham com tensões acima de 300 volts, mas podem chegar a 800V ou 1.000V.

“Nestes casos, os requisitos de correntes de recarga e descarga são ainda mais brandos, devido à alta capacidade da bateria”, ressalta o engenheiro especialista em baterias.

Quanto maior a capacidade do carregador, menor o tempo de recarga da bateria  — Foto: Raphael Panaro/Autoesporte
Quanto maior a capacidade do carregador, menor o tempo de recarga da bateria — Foto: Raphael Panaro/Autoesporte

Na lógica de funcionamento do carro elétrico, tais baterias são carregadas, seja em tomadas comuns, carregadores residenciais ou pontos de recarga pública - trataremos dos tipos de recarga, aparelhos e custos em outro conteúdo.

Vale lembrar novamente que os tempos de carga variam conforme o aparelho e as baterias. Quanto maior a capacidade da mesma, em geral menor é o tempo de recarga e maior é o alcance do veículo.

Só que, ao contrário da crendice usual, não se deve chegar ao nível mais baixo possível de carga para fazer o “reabastecimento”. Isso, inclusive, detona a durabilidade da bateria. O ideal é sempre manter os níveis de carga entre 20% e limitar o máximo em 80% - os VEs permitem que você configure um patamar do nível de carregamento da peça ao recarregar.

“Você mata a sua bateria se deixá-la zerar. Manter a carga o máximo possível entre 20% e 80% vai contribuir, e muito, para uma maior vida útil da bateria”, avisa Nelson Fernando, da Dotta VHE.

Os motores elétricos

Como dito, as baterias vão transmitir a energia para alimentar os equipamentos periféricos de tensão leve do veículo, além da bateria comum de 12V, mas principalmente fornecer energia para o motor elétrico. Este, sim, o responsável por tracionar as rodas e movimentar o veículo.

Existem padrões nos bocais de carregamento no carro elétrico  — Foto: Renato Durães/Autoesporte
Existem padrões nos bocais de carregamento no carro elétrico — Foto: Renato Durães/Autoesporte

“Os motores elétricos são alimentados por sofisticados conversores eletrônicos de potência, que transformam a energia em corrente contínua proveniente das baterias em corrente alternada na frequência, tensão e corrente adequadas para alimentar o motor e gerar, assim, torque e velocidades controladas”, diz Wanderlei Marinho, membro do Comitê de Elétricos e Híbridos da SAE.

Quem for dirigir um carro elétrico pela primeira vez vai se assustar com o fato de a aceleração ser quase que imediata. É pisar no pedal que o motor responde prontamente. Isso se dá pelo torque instantâneo que esse tipo de conjunto motriz oferece.

Isso porque o motor elétrico está conectado diretamente ao diferencial, sem necessidade de uma caixa de câmbio convencional, o que geraria mais peso e perda de energia. Tanto que nos VEs, geralmente, só existem duas marchas e ao engatar a ré o sistema simplesmente inverte a rotação do motor.

Menos peças e fluidos

Tais conjuntos, naturalmente, são bem mais compactos e simples que as unidades de combustão tradicionais. Fato que mesmo os motores elétricos têm rolamentos. Porém, as semelhanças principais com os de combustão quase param por aí. Tais powertrains não usam correias, óleos lubrificantes, velas, filtros de óleo ou combustível etc.

GWM Ora 03 Skin e BYD Dolphin são rivais elétricos de R$ 150 mil no Brasil  — Foto: Renato Durães
GWM Ora 03 Skin e BYD Dolphin são rivais elétricos de R$ 150 mil no Brasil — Foto: Renato Durães

Existem, porém, alguns fluidos importantes. Um específico que lubrifica o conjunto motor/transmissão. Mas o que mais chama a atenção no conjunto é o sistema de refrigeração.

As baterias e o motor são sensíveis a temperaturas extremas. Excesso de calor ou frio comprometem sua durabilidade. Para tal, os carros elétricos se valem do mesmo líquido de arrefecimento usado nos veículos a combustão e que deve ser checado na manutenção do carro elétrico - que também será esmiuçada em outro capítulo desta série.

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