A rep�blica do cashmere: conhe�a a rotina de Jo�o Doria, o prefeito eleito de SP

Pablo Saborido/Folhapress
O prefeito eleito de S�o Paulo, Jo�o Doria Jr.
O prefeito eleito de S�o Paulo, Jo�o Doria Jr.

Todo dia ele faz tudo sempre igual. Jo�o Doria Junior, 58, acorda antes das 6h para levantar peso ao lado da mulher, a artista Bia Doria, 56. Toma caf� da manh� com ela e parte da rua It�lia, no Jardim Europa, antes das 9h.

Leva tr�s minutos, de Porsche blindado, Pajero ou Jimny, para chegar � sede do Grupo Lide, seu conglomerado de empresas (produtora de eventos, editora, ag�ncia de comunica��o, entre outras) no Plaza Iguatemi. Com 21 andares, � um dos metros quadrados mais caros da cidade. � l� que fica seu escrit�rio, al�m da ag�ncia de publicidade Africa e a gestora de recursos de Moise Safra.

"Durante a semana, �s vezes Jo�o vai a p� at� a escola dos filhos e ao P�o de A��car, ambos na vizinhan�a", disse nota enviada pela assessoria do futuro prefeito, que declinou pedido de entrevista para esta reportagem.

Aos finais de semana, afirma ir a p� � missa na Igreja S�o Jos�, a tr�s minutos de caminhada.

Meio-dia e meia. Hor�rio oficial de almo�o de Doria, que atravessa a avenida Faria Lima para ir ao restaurante Piselli SUD, no shopping Iguatemi. Escolhe uma mesa redonda reclusa, colada a uma parede coberta por plantas. Seus prediletos: peixe com crosta de alho-por� (R$ 89) e ravi�li recheado de queijo fontina com creme de trufa negra e cogumelos seco e fresco (R$ 74).

Jantares acontecem em restaurantes das cercanias da casa, como os tamb�m italianos Serafina, no shopping JK, e o La Tambouille, na avenida Nove de Julho.

A fam�lia vai pouco ao centro. Em entrevista � Folha h� duas semanas, a futura primeira-dama mostrou pouca familiaridade com o Minhoc�o ("Quase nunca fui l�. � tipo um viaduto, n�?"). Mas ela se lembrou bem da rua Avanhandava, "aquela vielinha tortinha onde fica a Famiglia Mancini".

Ali, os gar�ons s�o s� elogios aos Doria. O casal tem fama de simp�tico e generoso -os vallets tamb�m ganham gorjeta, em notas de R$ 50 enroladas e passadas de uma palma da m�o para a outra, num aperto que um deles define como "firme".

GAVETAS SOB MEDIDA

A arquiteta Brunete Fraccaroli, idade n�o declarada ("vou mentir se voc� perguntar"), conhece o novo prefeito h� d�cadas. "Ele me chamou para fazer o primeiro apartamento dele, quando ainda n�o era riiiico", conta ela. E atesta que ele � zeloso com suas casas, por ser o lugar onde mais gosta de ficar.

A resid�ncia que ela decorou, por exemplo, era um tr�s quartos no Morumbi, no condom�nio Place des Vosges, e tinha decora��o cl�ssica. "Ele gosta de ch�o de m�rmore, mas um m�rmore simples. Aproveitou os m�veis que j� tinha, inclusive", lembra.

Trabalhar com Doria foi um processo de aprendizado, ela diz. O cliente dobrava suas camisas e mostrava para ela. Fraccaroli media e desenhava gavetas do tamanho exato. "Ele chegava em casa e as bab�s recolhiam os brinquedos dos filhos, para n�o ficar bagun�ado. Eu sou meio que nem ele, tenho TOC", diz Fraccaroli.

Doria � t�o caseiro que recebe no lar o profissional que corta seu cabelo. Nega que aplique toxina botul�nica na testa, por mais que amigos tratem o assunto como fato consumado e recomendem o profissional que faz aplica��es na casa de vips. Bia j� contou em conversas p�blicas que o marido � adepto das luzes inversas nos cabelos (tingimento gradual de mechas para tons mais escuros, escondendo fios brancos).

Mas um procedimento que o obrigou a sair de casa recentemente foi a aplica��o de "lentes de contato dentais", facetas que s�o colocadas sobre os dentes, que ficam mais brancos e retil�neos, feita nos �ltimos meses. "Ele nega, mas fui eu que recomendei o dentista", diz a amiga Brunete.

ESCOLA P�BLICA

Antes de empreender na pol�tica, Doria trabalhava at� as 20h, passava em casa para trocar de roupa e sa�a com a mulher. Tal rotina deve mudar a partir de 1� de janeiro. Como todos os prefeitos desde Marta Suplicy, Doria —eleito no primeiro turno com 53,29% dos votos v�lidos vai despachar do Edif�cio Matarazzo, que observa a cidade sobre o vale do Anhangaba�, numa das pontas do viaduto do Ch�, no cora��o do centro. Ser� uma retomada de outra �poca em que ele frequentava o centro diariamente.

Na d�cada de 1970, Doria estudou ali perto, na Escola Estadual Professora Marina Cintra, na Consola��o. Foi uma �poca em que sua fam�lia enfrentava problemas financeiros. Seu pai, dono de ag�ncia de publicidade e deputado federal, havia quebrado. Da� a escola p�blica.

Jo�o Agripino da Costa Doria (1919-2000) assumiu o cargo parlamentar pelo PDC em 1963, mas teve o mandato cassado e os direitos pol�ticos suspensos por dez anos pelo regime militar em abril do ano seguinte. Com a medida, exilou-se em Paris.

Foi aproveitando o capital pol�tico do pai, que Doria Jr. estreou na vida p�blica, aos 26 anos, como secret�rio municipal de Turismo e presidente da Paulistur (ag�ncia de fomento ao turismo) na prefeitura de Mario Covas (1983-1985). Abriu a pr�pria produtora de eventos e acabou na televis�o, fazendo programas no estilo Amaury Junior, mas com um p� na �rea de neg�cios. Alguns de seus programas foram "Sucesso", na Band, e "Show Bussiness", na Rede TV!.

No �ltimo ano, voltou tr�s vezes ao col�gio p�blico da adolesc�ncia -a mais recente delas para pedir seu hist�rico escolar, que exibiu no hor�rio eleitoral. "Nas outras, ele veio visitar mesmo. Trouxe umas mudas de �rvore que plantamos. � muito querido aqui", lembra Tina Betholo, diretora. Querido e admirado: a garotada da escola est� usando agasalho amarrado no peito, imitando o ex-aluno famoso.

"Ele sempre foi assim, arrumadinho. Podia n�o ter dinheiro, mas dava um jeito de estar com boas camisas, bons su�teres", diz Fl�vio Ant�nio Corr�a (conhecido no mundo publicit�rio como Faveco), que foi chefe de Doria 40 anos atr�s.

Em seu escrit�rio em Higien�polis, ele se recorda: "O pai dele me ligou e falou: 'Voc� fica com o meu menino a�?' [usa a m�o como telefone imagin�rio]. Eu fiquei. N�o teve entrevista, mas vi nos olhos dele que ele era bom".

CLUBE PRIVADO

Na semana passada, em um evento no Pal�cio dos Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin (padrinho pol�tico de Doria) viu o empres�rio Fl�vio Rocha (dono da Riachuelo) e recordou: "Foi l� onde tudo come�ou". Foi na casa de Rocha, vizinha da de Doria, que Alckmin declarou pela primeira vez que apoiava o gestor na disputa pela prefeitura. "Apesar de sermos muito amigos e as nossas esposas tamb�m, n�o temos o h�bito de nos frequentarmos privadamente", diz Rocha.

Antes de ser pol�tico, Doria sediava eventos ao redor de figuras p�blicas em sua casa. Em 2013, ofereceu jantares para Eduardo Paes, ent�o prefeito do Rio, e para Michel Temer. Em 2014, promoveu uma festa para A�cio Neves. H�, nos 3.304 m� de �rea constru�da, salas de jantar, salas de estar, quadras de futebol, t�nis e piscinas. Tudo no plural.

Um vizinho amigo, que frequenta o im�vel, diz que Doria � adepto do estilo "I love my backyard" (eu amo meu quintal, em ingl�s). Avaliada em R$ 46 milh�es, a propriedade foi apelidada na vizinhan�a de Clube Doria —� poss�vel ter uma vista privilegiada dela se voc� decolar de um avi�o no aeroporto de Congonhas. Em tom ir�nico, outro vizinho, que diz nunca ter visto o prefeito eleito na rua, sugere que Doria mora em um clube porque n�o foi aceito nos tradicionais.

A fam�lia Doria tentou fazer parte de duas associa��es esportivas de elite da cidade. Em 1994, Jo�o Doria Jr. foi indicado por cinco membros da Sociedade Harmonia de T�nis para se associar ao lugar. O processo envolvia ter seu nome exposto no quadro social do clube por dez dias, para que qualquer outro s�cio pudesse, de maneira an�nima vetar sua entrada. Foi o que aconteceu. Anos depois, recebeu tamb�m uma bola preta (veto irrecorr�vel) no Paulistano. Procurados, os dois clubes optaram por n�o comentar o ocorrido.

Doria n�o nega. Afirma, entretanto, que foi s�cio do Paulistano, mas "decidiu doar o t�tulo porque n�o frequentava o clube", sem precisar datas, e que foi convidado por Jo�o Borges, falecido ex-presidente do Harmonia, para se associar, mas declinou do convite. A fam�lia hoje � s�cia do Pinheiros.

MODA N�UTICA

Foi-se o tempo em que ele precisava garimpar seus pul�veres nos grandes magazines do centro. Hoje em dia, a imagem de Doria � associada a tecidos nobres. Especialmente ao cashmere, fibra tecida com os pelos de cabras da regi�o da Caxemira (fronteira da �ndia com o Paquist�o). Mas uma socialite amiga diz que seu tecido predileto � outro: "Gente, ele usa vicunha, que � muito mais fino!" (leia mais sobre os tecidos abaixo).

Desde que Doria iniciou a carreira pol�tica, seu guarda-roupa passou por outra mudan�a, na paleta de cores. Era comum v�-lo de pul�ver branco amarrado sobre a polo Ricardo Almeida vermelha, com o primeiro bot�o aberto, para dar um ar informal, cal�a branca e um sapat�nis da marca carioca Osklen. Mas, como essa combina��o de cores � associada ao PT, aposentou a combina��o em 2016.

Quem quiser ver o novo prefeito abastecendo o guarda-roupas com pe�as no estilo n�utico, como mocassins de camur�a, deve ir ao shopping Cidade Jardim, onde fica sua grife predileta. � l� que est� a �nica butique da Ralph Lauren na cidade. A loja vende cashmere e vicunha. E ainda tem um bar interno, onde � poss�vel bebericar drinques -Doria, entretanto, n�o bebe, disseram 15 gar�ons entrevistados em diversos restaurantes. Prefere �gua ou sucos.

A ger�ncia local da marca americana, cujo logotipo de cavalinho � onipresente nas jaquetas e pul�veres do empres�rio-prefeito, cogitou mandar um presente parabenizando o cliente VIP (ele foi ao desfile de inaugura��o da loja da marca, em 2015). Mas desistiu da ideia.

O que n�o impediu um afago na dire��o contr�ria. "Algum dia, quem sabe, todos os brasileiros poder�o usar Polo Ralph Lauren", disse o prefeito eleito h� duas semanas, projetando o que para ele era um futuro pr�spero. "Mas essa jaqueta que ele est� usando ultimamente n�o comprou aqui", disse um dos vendedores, chateado. E espeta: "Deve ter trazido de Miami".

SOBRE CASHMERE E VICUNHA

O cashmere � um dos tecidos mais nobres e de confec��o mais complexa da moda. Suas tramas s�o feitas com pelos de cabras criadas nas montanhas da Caxemira, regi�o que compreende parte da �ndia, do Paquist�o e da China. S� � cashmere se a mat�ria-prima for pura. Assim como acontece com o fio de seda, h� marcas que misturam essa l� especial com poli�ster para baratear o produto.

Por isso um su�ter da rede popular americana Forever 21, com 9% de cashmere, custa cerca de R$ 70, e um Ralph Lauren com 100%, em torno de R$ 3.000.

Apesar da fama do concorrente caprino, h� um tipo de fio ainda mais valorizado e inacess�vel no mercado: o de vicunha, um camel�deo encontrado nos Alpes andinos e amea�ado de extin��o. S� produz 800 gramas de l� em toda a vida.

Uma das poucas tecelagens que produzem tecido 100% vicunha, a escocesa Holland & Sherry confecciona at� 18 ternos por ano com a mat�ria-prima. Cada um custa cerca de R$ 220 mil.

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Editoria de Arte/Folhapress
#arsao312. Mapa de lugares frequentados pelo prefeito Jo�o Doria em Sp

1. Resid�ncia
Rua It�lia, Jardim Europa
Uma das dez maiores da cidade, a mans�o tem porte de clube. Nos fins de semana, usufrui da piscina, sauna e academia privadas. A casa tamb�m serve para recep��es a poderosos como o presidente Michel Temer.

2. Escrit�rio do Grupo Doria
Av. Brig. Faria Lima
Serviu de bunker da campanha e, agora, da transi��o. Localizado em um edif�cio luxuoso, o escrit�rio tem retratos de Doria ao lado de personalidades como Donald Trump, o candidato republicano � Presid�ncia dos EUA, Neymar e Luiz In�cio Lula da Silva.

3. Ateli� Bia Doria
R. Br�s Melilo - Vila Nova Concei��o
Ao final de uma rua sem sa�da, um galp�o repleto de esculturas de m�rmore, madeira e bronze, que pesam at� 20 toneladas.

4. Casa de Fl�vio Rocha
Rua Alasca - Jardim Am�rica
A casa do empres�rio, dono da Riachuelo, foi o palco da formaliza��o do apoio do governador Geraldo Alckmin � pr�-candidatura de Doria. Os dois em geral se encontram em eventos sociais. As mulheres tamb�m mant�m bom relacionamento.

5. Casa de Marcos Arbaitman
Pra�a das Na��es Unidas - Jardim Europa
Empres�rio e amigo pessoal de Doria, Arbaitman ofereceu um jantar em sua homenagem em junho. As fam�lias se encontram com frequ�ncia.

6. Piselli SUD
Shopping Iguatemi - Av. Brig. Faria Lima
S� atravessar a rua na Faria Lima e ele almo�a no restaurante dentro do shopping Iguatemi.

7. La Tambouille
Avenida 9 de Julho - Itaim Bibi
Mesmo ap�s o fundador do restaurante, Giancarlo Bolla, morrer em 2014, o amigo Doria segue frequentando o restaurante italiano, especialmente aos fins de semana.

8. Restaurante Serafina
Complexo JK - Av. Presidente Juscelino Kubitschek
A unidade na Vila Nova Concei��o, dentro do shopping JK, pr�ximo ao ateli� de Bia, � uma op��o para o jantar.

9. Famiglia Mancini
Rua Avanhandava - Centro
A cantina italiana � um dos poucos lugares fora dos Jardins em que os Doria batem ponto. Os manobristas e gar�ons esperam ansiosamente pelas gorjetas de R$ 50.

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