• Em depoimento a Daniela Carasco
Atualizado em
Manoela Serra é autora do livro “O Diário Bipolar” (Foto: Arquivo pessoal)

Manoela Serra é autora do livro “O Diário Bipolar” (Foto: Arquivo pessoal)

“Eu tinha só cinco anos quando comecei a demonstrar sintomas de mudanças repentinas de humor. Não digo que fui uma criança com várias personalidades, mas fui várias crianças em uma. Reagi à vida das mais diferentes formas possíveis. Se aos 5, eu era extremamente falante e extrovertida; aos 6, fiquei absolutamente tímida e dependente. As mudanças eram sempre muito bruscas.

Os ciclos eram incessantes. Quando entrei na puberdade, me tornei uma pré-adolescente raivosa. Minha irmã gêmea, Janaina, era meu alvo principal. Eu a agredia tanto física, quanto verbalmente, todos os dias. A raiva veio acompanhada de uma postura completamente independente e autossuficiente, diferente de tudo o que eu já havia sido.

Até que aos 15 anos, entrei em depressão. Fiquei irreconhecível. Me vi completamente doente, debilitada, dependente e entregue a um vazio profundo. Chorava copiosamente. Minha pele e meu cabelo pareciam ter morrido comigo. De repente, minha família se viu obrigada a tomar conta de uma menina grosseira, incontrolável.

Comecei então o tratamento, desisti dos estudos. Deixei de ir à escola no segundo colegial, me tornei uma pessoa reclusa. A minha vida inteira parou. Dois anos depois, veio outra ciclagem, que só fui entender o que era dez anos mais tarde: mudanças de humor de uma pessoa bipolar. De um dia para o outro, acordei completamente bem, mesmo sob o efeito dos antidepressivos.

Minha primeira decisão foi retornar às aulas de inglês. Eu adorava! No primeiro dia, entrei na sala e diante de uma correção de exercícios, surtei. Saí correndo da sala aos prantos. Sem entender nada, a professora me pegou no colo e ficamos ali, chorando. Apesar de a bipolaridade agir diretamente na memória, que vai se perdendo aos poucos, essa é uma das lembranças mais marcantes que ainda guardo.

Carente de informações – naquela época, início dos anos 2.000, os computadores estavam começando a chegar às casas -, as pessoas me julgavam mimada, fresca. Tinha gente que me mandava passear, enquanto em casa eu estava tentando tirar a minha vida. Eu estava assolada por uma doença muito cruel, que vem acompanhada por um forte sentimento de morte. Minha alma estava longe. Perdi os estudos, possíveis trabalhos, amigos...

Se um dia você se sente poderosa; no outro, depende até de alguém para pentear o cabelo. Minha mãe ficou desesperada. Já meu pai entrou em negação. Ele não conseguia acreditar que eu estava mal.

Só fui diagnosticada de fato com transtorno bipolar aos 25 anos. Eu acordava depressiva, de tarde estava alegre e, à noite, completamente enfurecida. É passar, em menos de 24 horas, de um estágio de euforia para outro de ira. Eu estava pronta para tirar a minha própria vida. Durante dias, pensei de que maneira agir sem deixar minha família traumatizada. Mas de tanto pensar, desisti. No fundo, tive sorte. Em meio a um ataque de fúria, minha irmã me ofereceu ajuda. Me colocou contra a parede e disse que se eu não aceitasse, nunca mais falaria comigo. Fiquei desesperada.

Aceitei me consultar com uma médica que tratava uma conhecida. Foi sensacional! Lembro dela me dizer com todas as letras: ‘A gente vai ficar bem’. Saí de lá flutuando. Já me sentia curada. A esperança me guiou e, desde então, nunca mais me deixou.

Hoje, aos 32 anos, sou uma mulher tratada, não curada. Tenho consciência de que a bipolaridade não tem cura, mas não perco a fé. Além dos cinco comprimidos diários, aprendi a me controlar. Pude me conhecer durante todo esse tempo. Desenvolvi meus mecanismos de defesa, na verdade, minha filosofia de vida, que se resume em quatro pilares e que serve pra todos: pedir ajuda sempre – não somos uma ilha -, sorrir sempre – a vida fica mais leve -, dialogar sempre – não guarde nada que te adoece -, e sempre, tentar ao máximo, se amar –você é sua maior companhia, seja seu melhor amigo!”