• André Bernardo
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Uma câmera [de celular] na mão e uma ideia [louca] na cabeça. para esta reportagem, misturamos o humor de charles chaplin no filme O grande ditador, de 1940, com os filtros dos apps atuais de fotos (Foto: Revista Galileu)

Uma câmera [de celular] na mão e uma ideia [louca] na cabeça. para esta reportagem, misturamos o humor de charles chaplin no filme O grande ditador, de 1940, com os filtros dos apps atuais de fotos (Foto: Revista Galileu)

O professor de história de um colégio particular resolveu “decorar” a sala de aula com símbolos nazistas. Atento aos detalhes, chegou a se paramentar como oficial do Terceiro Reich, com direito à cruz suástica no braço esquerdo. A “aula temática” sobre regimes totalitários logo suscitou protesto nas redes sociais, inclusive de pais de alunos e da comunidade judaica.

Na mesma semana, outro caso veio à tona: o da estagiária de Filosofia que exigiu da turma de uma escola pública a saudação “Heil, Hitler!”. Uma aluna que teria se recusado a obedecê-la levou um puxão de orelha e um tapa na perna. Na mesma hora, a aspirante a professora foi denunciada à direção e afastada de suas atividades.

Dois meses depois, uma suástica foi pichada no meio da Estrela de Davi no muro de um clube israelita. Coincidência ou não, uma praça com o nome de Shimon Peres, símbolo da luta pela paz no Oriente Médio, tinha sido inaugurada um dia antes a poucos metros dali.
Passados três meses, mais uma pichação de suástica virou notícia: desta vez, na estátua de um artista negro.

Os episódios relatados aconteceram bem longe de Charlottesville, cidade dos Estados Unidos em que manifestações de grupos racistas, em agosto, despertaram o debate sobre extremistas no mundo inteiro — durante os conflitos, uma pessoa morreu e dezenas ficaram feridas. Esses casos que abrem a reportagem foram registrados aqui mesmo no Brasil, entre abril e setembro deste ano, em quatro cidades: respectivamente, Recife (PE), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ) e Pará de Minas (MG).

Mas, afinal, quantos simpatizantes de Hitler existem hoje no país? Responder a essa questão é uma missão quase impossível, já que não há dados oficiais sobre o tema, somente os reunidos em estudos. A estimativa de Adriana Abreu Magalhães Dias, doutoranda em Antropologia Social pela Unicamp, é que esse número já bateu a casa dos 200 mil. Segundo levantamento de 2013, o Brasil tinha cerca de 148 mil simpatizantes do regime nazista, espalhados por seis estados: Santa Catarina (45 mil), Rio Grande do Sul (42 mil), São Paulo (29 mil), Paraná (18 mil), Distrito Federal (8 mil) e Minas Gerais (6 mil). Em São Paulo, esses simpatizantes se dividem em 25 grupos, de acordo com dados da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), órgão da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Os mais representativos são Front 88, Impacto Hooligan (IH) e White Power (WPSP).

“Neonazismo é um movimento de extrema-direita pautado pelo ódio às minorias. Segundo a ótica neonazista, o outro, seja ele judeu, negro, gay, nordestino ou deficiente físico, é sempre o culpado por tudo”, define a antropóloga que, por segurança, não mostra o rosto à imprensa nem posta fotos na internet.

Pelos critérios da pesquisadora, simpatizante é todo internauta que, ao longo de um ano, fez download de mais de cem arquivos, acima de 100 megabytes cada, relativos a temas como eugenia, xenofobia e antissemitismo. “O simpatizante de hoje pode se tornar o militante de amanhã”, alerta ela. “Desses 200 mil, pelo menos 10% fazem parte de células neonazistas e 1% já virou foragido da Justiça.”

Para se juntar a um desses grupos, o candidato tem que ter apenas um pré-requisito: ser branco. Dependendo da facção, praticar algum tipo de arte marcial e saber manejar armas brancas, como estilete e soco inglês, é recomendável. Os integrantes, em sua maioria, são homens e jovens. “Sabe aquele jovem que não consegue ingressar na universidade, não arranja um bom emprego e não tem uma motivação na vida? Então, é a presa mais fácil para esses grupos extremistas”, diz a pesquisadora.

Os líderes, geralmente, têm entre 25 e 30 anos, nível superior completo e bons empregos. Já os prosélitos, de 16 a 25 anos, com Ensino Médio e Fundamental e das classes C e D, cuidam do “trabalho sujo”, como sair às ruas para afixar cartazes e fazer pichações de cunho racista. Quanto às poucas mulheres, elas existem para dar “apoio emocional” aos integrantes ou para justificar as agressões deles. Nesses casos, os agressores alegam que as namoradas foram assediadas. “São vistas, na maioria das vezes, como aparelho reprodutor e nada mais”, diz a antropóloga.

O interesse de Dias pelo tema começou em 2002, quando cursava Ciências Sociais na Unicamp. Em uma disciplina sobre identidade judaica, ficou abismada ao saber da existência de extremistas que negam o extermínio de 6 milhões de judeus na Segunda Guerra. De acordo com os “ativistas da negação”, o Holocausto não teria acontecido da maneira como os historiadores descrevem: os campos de extermínio não teriam sido nada além de campos de prisioneiros e o número de judeus mortos — a maioria por doença ou bombardeio dos aliados — não teria passado de 1 milhão.

Foi então que Dias lançou mão de suas habilidades em informática para desenvolver um programa que rastreia sites, blogs e fóruns de conteúdo neonazista. Na ocasião, chegou a impressionantes 7,6 mil fontes em português, espanhol e inglês. Cinco anos depois, quando concluiu o mestrado em Antropologia Social e defendeu a dissertação Os Anacronautas do Teutonismo Virtual: Uma Etnografia do Neonazismo na Internet, esse número havia subido para 12,6 mil. Mais recentemente, em 2009, o total de sites já tinha passado de 20,5 mil — a maior parte deles hospedada em provedores fora do Brasil, como de ilhas da Polinésia, que garantem anonimato aos criadores. Na ponta do lápis, o aumento foi de 170% em sete anos.

Confira a reportagem na íntegra na edição de outubro da GALILEU, já nas bancas. Você também pode assinar a revista, por R$ 4,90, ou lê-la no app da revista ou no app do Globo Mais.