• Redação Galileu
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Restos humanos eram guardados como relíquias na Idade do Bronze. Acima:o esqueleto de uma mulher que foi enterrada com crânios e ossos de membros de pelo menos 3 pessoas que morreram entre 60 e 170 anos antes da mulher com quem foram enterrados (Foto: Tees Archaeology)

Restos humanos eram guardados como relíquias na Idade do Bronze. Acima:o esqueleto de uma mulher que foi enterrada com crânios e ossos de membros de pelo menos 3 pessoas que morreram entre 60 e 170 anos antes da mulher com quem foram enterrados (Foto: Tees Archaeology)

Durante a Idade do Bronze (4000 a.C. - 500 a.C), nossos antepassados que viviam na região da Grã-Bretanha tinham um hábito um tanto peculiar. Após realizarem uma espécie de curadoria, eles guardavam os restos mortais de outras pessoas como relíquias, que eram passadas de geração em geração. Em um artigo publicado na edição de agosto do periódico Antiquity, pesquisadores da Universidade de Bristol, no Reino Unido, relatam o achado inédito. 

Como explicam os cientistas, esse costume era uma maneira tangível de homenagear e lembrar dos mortos, transmitindo seu legado para outras comunidades próximas e por gerações. "Mesmo nas sociedades seculares modernas, os restos mortais são vistos como objetos particularmente poderosos, e isso parece ser verdade para as pessoas da Idade do Bronze", disse Thomas Booth, líder do estudo, em comunicado.

Enquanto estudavam esqueletos espalhados pela Grã-Bretanha, os arqueólogos começaram a perceber que muitos ossos eram enterrados muito depois da morte de seus donos, sugerindo que provavelmente aqueles artefatos eram guardados por algum motivo. Os pesquisadores deduziram para que as ossadas eram usadas após analisarem exames de datação por radiocarbono e tomografia computadorizada.

Instrumento musical feito de osso de uma coxa humana (Foto: Wiltshire Museum)

Instrumento musical feito de osso de uma coxa humana (Foto: Wiltshire Museum)

Segundo Booth, as pessoas separavam restos mortais de indivíduos que desempenharam papéis importantes em suas vidas ou em suas comunidades, como familiares, amigos e inimigos. "Dessa forma eles tinham uma relíquia para lembrar e talvez contar histórias sobre [os mortos]", contou o especialista.

Entre todos os artefatos analisados, um se destacou na visão dos cientistas: um osso de coxa humano encontrado em Wiltshire, sudoeste da Grã-Bretanha, que foi esculpido em forma de instrumento musical. O objeto foi encontrado enterrado com outro esqueleto, junto a outros itens, incluindo machados de pedra e bronze, uma placa de osso, uma presa e um objeto de metal pontiagudo.

Objeto de bronze pontiagudo encontrado em Wilsford ao lado do instrumento musical de osso humano (Foto: Wiltshire Museum, copyright University of Birmingham/David Bukachit)

Objeto de bronze pontiagudo encontrado em Wilsford ao lado do instrumento musical de osso humano (Foto: Wiltshire Museum, copyright University of Birmingham/David Bukachit)

"Embora fragmentos de ossos humanos tenham sido incluídos como bens mortais com os cadáveres, eles também foram mantidos nas casas dos vivos, enterrados sob o chão das casas e até mesmo colocados em exibição", contou Joanna Brück, principal autora do estudo e professora visitante da Universidade de Bristol. "Isso sugere que as pessoas da Idade do Bronze não viam os restos mortais humanos com a sensação de horror ou nojo que podemos sentir hoje."

A equipe também usou a tomografia microcomputadorizada (micro-TC) no Museu de História Natural da Inglaterra para observar as alterações microscópicas produzidas nos ossos por bactérias, para obter uma indicação de como o corpo foi tratado durante a decomposição. De acordo com a análise, os esqueletos foram tratados de maneira semelhante a de outros restos humanos da Idade do Bronze.

"Alguns foram cremados antes de serem despedaçados, alguns ossos foram exumados após o sepultamento e alguns foram descarnados ao serem deixados para se decompor no solo", relatou Booth. "Isso sugere que não havia um protocolo estabelecido para o tratamento de corpos cujos restos mortais eram destinados à curadoria, e as decisões e ritos que levaram à curadoria de seus restos ocorreram posteriormente."

Os arqueólogos acreditam que as descobertas podem dizer algo sobre como as comunidades da Idade do Bronze se baseavam no passado para criar suas próprias identidades sociais. "Esse estudo realmente destaca a estranheza e talvez a natureza incognoscível [desconhecida] do passado distante de uma perspectiva atual", ponderou Booth. "Parece que o poder desses restos mortais está na forma como eles referenciavam relacionamentos tangíveis entre as pessoas nessas comunidades e não como uma forma de conectar as pessoas com um passado mítico distante."