• Adriana Toledo
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Amizades depois dos filhos (Foto: Thinkstock)

Esqueci, pela primeira vez, de telefonar no seu aniversário, porque a gravidez rareou minha memória. Só que nem ousei empregar esse argumento, pois soaria patético a quem nunca ficou à mercê dos hormônios da gestação. Como se não bastasse, faltei à comemoração, porque o peso da barriga venceu minha intenção.

Combinamos de passear no parque com nossas recém-nascidas, mas achei prudente empregar cada meia hora livre em sono, para reparar o estrago físico e emocional das noites (ou meses) em claro. Sua vida virou do avesso, você precisou do meu ombro, dos meus conselhos e da minha companhia, saltando para o topo da minha lista de prioridades.

Acontece que, no primeiro fim de semana, minha filha ficou doente, mobilizando minha atenção e lhe jogando para segundo plano. No sábado seguinte, foi a introdução de alimentos que me amarrou à cozinha, em busca de uma logística de preparo e armazenamento que me garantisse uma trégua na quinzena subsequente. No terceiro, uma votação em família (numerosa, diga-se, já que somos eu, meu marido, Lorena e meus queridos enteados, João, de 13 anos, e Marina, de 16) elegeu democraticamente um passeio ao ar livre e uma visita a uma exposição, e o programa tomou meu dia inteiro, considerando as pausas para papinha, trocas de fralda, mamadas e cochilos da Lorena.

Não me esqueci de você nem deixei de me preocupar um dia sequer, mas, no quarto final de semana de ausência, eu estava constrangida demais para propor um encontro a quem sempre esteve a postos para me acolher prontamente.

Eu, que passava 80% do meu tempo livre na sua casa ou pendurada contigo ao telefone, já não palpito nas suas decisões profissionais, não estou a par da sua programação de férias e perdi o bonde do seu dia a dia—nem me lembro da última vez que tivemos uma conversa franca, maquinando teorias, planos e reflexões no meio da madrugada. Na verdade, falta assunto até para meia hora, já que meu conceito de empolgação, calcado na conquista do sentar ou do engatinhar, não dá muita margem para interação.

Seus gêmeos, que têm apenas três dias de diferença da Lorena, já brincam, comem papinha e exibem bochechas fofíssimas. Mas, da última vez que os vi, em seus primeiros dias de vida, eles ainda nem saíam do bebê-conforto.

Você trabalha do meu lado e faz três meses que tentamos marcar um almoço. Mas eu preciso economizar no horário para sair a tempo de amamentar e colocar a Lorena para dormir—e você também não consegue se deslocar, porque suas responsabilidades mal cabem no expediente. Nossas conversas ao telefone se resumem a um “está tudo ótimo”, porque uma atualização fidedigna do último semestre demandaria um tempo de que nós não dispomos.

Mas a graça da vida é que, mais dia, menos dia, você vai se pegar rindo alto, ao encontrar uma foto nossa em uma ocasião memorável. Ou um de nós vai ter dúvidas, para as quais só o outro será capaz de oferecer respostas. Vai precisar de mim novamente e, passada a turbulência do pós-parto, eu vou agradecer a oportunidade de me redimir e vou estar aqui, para o que der e vier.

Eu vou discar seu número para desabafar. Você vai me ligar para contar que espera um bebê e, a partir dali, nossos universos de fraldas, brinquedos e mamadas entrarão em sintonia novamente. Você vai segurar minha filha no colo, com os olhos cheios de ternura, no papel de tio (a) que lhe cabe. E, quando ela crescer, será por meio de suas recordações que ela conhecerá uma parte minha especial, responsável por construir a mãe que me tornei.
E é por isso, por tudo isso, que essa distância temporária não me trai nem deixa dúvidas: nós continuaremos, sim, indiscutível, incomparável e inexoravelmente amigos!

*Tentei resumir o sentimento das mães que, assim como eu, sentem a falta e também sabem a falta que fazem aos seus velhos e bons. Se o seu tempo está igualmente curto para se expressar e registrar, fique à vontade para compartilhar!

Um beijo e até a próxima.

Adriana Toledo (Foto: arquivo pessoal)

ADRIANA TOLEDO é jornalista e mãe da Lorena, de 6 meses. Quer escrever para ela? Mande um e-mail para atoledo@edglobo.com.br.