• Daniele Zebini e Malu Echeverria
Atualizado em
 (Foto: Bruno Marçal/Editora Globo)

(Foto: Bruno Marçal/Editora Globo)

Qual pai e mãe não gostaria de ter nas mãos a cura para uma doença do filho? A resposta unânime para esta questão levou milhares de famílias a congelar as células-tronco do sangue do cordão umbilical de seus bebês em bancos privados desde que o serviço chegou ao Brasil, no início dos anos 2000. A expectativa é utilizar o material em uma eventual necessidade futura, especialmente no tratamento de doenças do sangue, como a leucemia. Ainda hoje, o assunto gera polêmica, visto que as chances de uso autólogo (do próprio indivíduo) do sangue do cordão congelado em banco privado são mínimas, ao passo que o armazenamento em bancos públicos, com acesso a toda a população, aumenta essa estatística em virtude da diversidade de doadores. Esse fato levou, inclusive, a uma queda da procura do serviço na rede particular em 32%, segundo o último relatório feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2015.

A questão é que, com os avanços tecnológicos, novas pesquisas mostram que o potencial das aplicações só tende a crescer. Um estudo recente realizado pela Stanford University School of Medicine (EUA) concluiu que uma proteína encontrada no sangue do cordão umbilical pode reverter os efeitos das perdas mentais associadas à idade. E não é apenas para tratar o cérebro de adultos que as células-tronco têm sido usadas.

Uma outra pesquisa, feita com crianças de 2 a 5 anos diagnosticadas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), da Universidade Duke (EUA), mostrou que terapias realizadas com o sangue do cordão da própria criança ajudavam a aliviar os sintomas de comportamento do TEA, especialmente nos casos mais graves. A hipótese dos cientistas é de que as células-tronco atuariam na modulação de processos inflamatórios cerebrais. Descobertas desse tipo retomam o debate sobre congelar – ou não – o sangue do cordão na hora do parto.

"92.545 unidades de sangue de cordão umbilical já foram armazenadas em bancos particulares no Brasil"

Antes de tudo, vale entender por que esse material é tão precioso. O sangue do cordão umbilical é rico em células-tronco hematopoiéticas, que têm o potencial de reparar o sistema sanguíneo do corpo e, por isso, servem para o tratamento de doenças hematológicas, como leucemias, linfomas, talassemias, etc. O que muitas vezes não fica claro para os pais, no entanto, é que, “como essas doenças são geralmente genéticas, o paciente fica impossibilitado de utilizar suas próprias células para um tratamento. Nesse caso, é necessário buscar um doador compatível [em banco público]”, alerta Mariane Secco, pesquisadora do Centro de Pesquisa sobre o genoma humano e células-tronco da USP e diretora científica da StemCorp (SP). Para se ter ideia, a probabilidade de um indivíduo até os 20 anos utilizar suas próprias células do sangue do cordão é de 0,04% a 0,0005%, ou seja, mínima. A chance de ser 100% compatível com irmãos de mesmos pais é de 25%, enquanto a de ser compatível com outros familiares é menor.

Segundo os dados mais recentes da Anvisa (2013), das 92.545 unidades de sangue de cordão umbilical armazenadas em bancos particulares no Brasil (desde 2000), apenas cinco crianças puderam utilizar seu próprio material genético armazenado. Por isso, o congelamento em um dos bancos públicos oferece mais possibilidades. A Rede BrasilCord, que reúne os 13 Bancos Públicos de Sangue do Cordão Umbilical e Placentário (BSCUP), administrado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), tem 21 mil unidades congeladas e já utilizou 184 para transplantes (desde o surgimento do primeiro banco público em 2001).

Conheça os bancos públicos para congelar as células do cordão |  Acesse: app.revistacrescer.globo.com (Foto: Foto Bruno Marçal/Editora Globo)

Conheça os bancos públicos para congelar as células do cordão | Acesse: app.revistacrescer.globo.com (Foto: Bruno Marçal/Editora Globo)


Sobre custos e benefícios

Além das reduzidas chances de uso, outro ponto a ser levado em consideração é o valor do investimento. O preço para a coleta e o isolamento das células-tronco do sangue do cordão pode variar, mas fica em torno de R$ 3 mil, mais a taxa de armazenamento, por volta de R$ 600 ao ano. É por esse motivo que a relações públicas Samira Stefanutto Nemer Ribeiro, 33 anos, tem se questionado se foi um bom negócio congelar o cordão das filhas Lara, 9, e Julia, 5. “Eu não vou dizer que me arrependo, mas todo ano a taxa de armazenamento aumenta e estamos com essa ‘dívida’ para o resto da vida. Ao mesmo tempo, não quero deixar de pagar porque posso precisar dele um dia”, pondera. Quando a família opta por doar o material a um banco público, por outro lado, os gastos ficam por conta do Sistema Único de Saúde (SUS).

Essa decisão, no entanto, deve ser feita durante a gravidez, já que não há como transferir o material de um banco privado para um público posteriormente. Para fazer a doação, a família deve entrar em contato com a Rede BrasilCord durante a gestação e fazer uma entrevista a fim de checar se a gestante se encaixa em alguns critérios (idade gestacional acima de 35 semanas, não ter certas doenças, como câncer, no histórico médico, entre outros). Outro ponto é que a coleta só é realizada em maternidades conveniadas com a Rede (ao todo são 17 no país). De acordo com Luís Fernando Bouzas, coordenador do Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome), nos bancos públicos as células podem ser utilizadas por qualquer pessoa, desde que haja compatibilidade (uso alogênico não aparentado), ou mesmo pelo próprio doador ou um parente seu, se estiverem disponíveis.

Por não saber exatamente como funcionava na prática a utilização das células do sangue do cordão umbilical, a jornalista Rita Lisauskas, 40, optou pelo congelamento das do filho, Samuel, hoje com 6 anos, em um banco privado. Mas se arrependeu depois de conversar com um amigo, o hematologista Murilo Chermont Azevedo, médico e doutor em Hematologia e Hemoterapia pela Faculdade de Medicina da USP e professor adjunto da Universidade Federal do Pará, e descobrir que as células armazenadas provavelmente não serão usadas para os fins prometidos pelo banco privado que ela contratou. “Eu me senti uma vítima, porque gastei R$ 6 mil para fazer a coleta, fora a taxa anual para manutenção. Paguei uma grana para uma coisa cuja chance de uso é pequena.”  Para Azevedo, os bancos privados utilizam a aflição dos pais em torno do “e se um dia for útil?” para convencê-los de que congelar o sangue do cordão nessas instituições é um bom negócio. “Em vários países da Europa, bancos privados não são permitidos por essa razão”, diz.

"A opção pelos bancos públicos amplia as chances de encontrar um doador e também as oportunidades de cura.”"

Murilo azevedo, hematologista


Já a engenheira Maria Amelia Marques Milani, 34, fez questão de doar as células do cordão umbilical de seu filho, Filippo, hoje com 3 anos, para um banco público. “Eu doei na esperança de que as pessoas se conscientizem sobre esse assunto, porque a meu ver faz mais sentido todo mundo doar para o banco público do que guardar as próprias células para talvez, quem sabe, usar um dia”, diz.

Se o congelamento do sangue do cordão continua em xeque por conta de alguns obstáculos, apesar das recentes descobertas da ciência, a atuação das células-tronco na cura de novas doenças – de diabetes a artrose – tende a crescer e pode mudar esse cenário nos próximos anos. É o que você vai ler a seguir.

Apostas para o futuro

Entenda como as células-tronco da polpa do dente, do tecido do cordão umbilical e da gordura - todas chamadas de mesenquimais (ctmS) - estão ampliando as perspectivas de tratamentos e curas em um amanhã não tão distante

Aplicações
Enquanto as células-tronco do sangue do cordão umbilical servem apenas para o tratamento de doenças hematológicas (pelo menos até agora), as CTMs oferecem outras aplicações. Elas são capazes de se diferenciar (isto é, se transformar) em outros tipos de células, o que permite que regenerem tecidos e órgãos lesados e atuem positivamente no sistema imunológico. Segundo a pesquisadora Mariane Secco, da StemCorp, elas poderão ser usadas na cura de doenças não genéticas, como desgastes nas articulações, incontinência urinária, tratamentos de queimaduras graves, tratamentos estéticos, tratamentos para doenças autoimunes, infarto do miocárdio, reconstrução de órgãos, entre outras, num futuro não muito distante – como já acontece em alguns países como Estados Unidos, Canadá, Japão e Nova Zelândia.

Armazenamento
Em primeiro lugar, saiba que tanto as células-tronco mesenquimais da polpa do dente de leite quanto as do tecido adiposo não são tão jovens quanto as coletadas do tecido do cordão umbilical. É como se as do tecido do cordão fossem um carro zero-quilômetros e as demais, veículos seminovos. “À medida que o tempo passa, as CTMs envelhecem assim como as células do resto do corpo e vão perdendo o poder proliferativo e de diferenciação”, diz Roberto Waddington, presidente da CordVida (SP). Sendo assim, quanto mais jovens as células congeladas, melhor. “Outra vantagem é que elas podem ser multiplicadas em laboratório (ao contrário das células-tronco do sangue do cordão). Então, de uma coleta é possível que o indivíduo utilize várias vezes ao longo da vida”, afirma Mariane. Como a tecnologia para armazenamento de CTMs é mais recente e poucas empresas detêm essa expertise no Brasil, ainda não há um relatório oficial de quantas unidades foram congeladas por aqui e se esse material já foi utilizado. Além disso, até o momento, elas só podem ser armazenadas em bancos privados.

Tecido do cordão umbilical
Essa coleta é feita por uma equipe especializada após o clampeamento e o corte do cordão durante o parto, como também acontece no caso da coleta do sangue do cordão. Nesse momento, retira-se o maior segmento do cordão, que é colocado em um frasco estéril. Ele segue para o laboratório, onde é processado para a extração da maior quantidade de células-tronco possível e, então, mantido em baixas temperaturas. A taxa de coleta e congelamento é um pouco mais barata do que a do sangue do cordão (R$ 2,5 mil), porém a de armazenamento, cobrada anualmente, tem preço similar (R$ 600).

Tecido adiposo
Embora a extração de CTMs do tecido adiposo seja menos conhecida do público leigo, as descobertas e aplicações são anteriores às realizadas com material coletado da polpa do dente. Uma pesquisa feita pela PUC-RS, de Porto Alegre, em 2005, por exemplo, usou esse tipo de células de adultos em feridas pós-operatórias de pacientes submetidos à abdominoplastia com melhoras significativas na cicatrização das mesmas. Esse material também já é usado no EUA para tratamentos estéticos de rejuvenecimento (em adultos, claro). O procedimento da retirada para o congelamento é minimamente invasivo e pode ser feito em consultório com anestesia local. Retira-se uma quantia pequena de gordura, como se fosse uma minilipoaspiração, com equipamento usado em cirurgias plásticas. Em seguida, o material é processado em laboratório para que as células-tronco sejam isoladas e, então, congeladas. Os valores, em média, são: R$ 3.500 para a coleta e congelamento; R$ 600 de anuidade.

Polpa do dente de leite
Aqui, vai ter que rolar uma negociação com o seu filho sobre a nova “função” da fada do dente. Muito louvável, aliás. Isso porque o procedimento para congelar a polpa do dente (feito por clínicas que congelam o cordão) precisa acontecer em até 48 horas depois que ele cai. Basta guardar o material em um kit especial (fornecido pela clínica) e entregar nesse prazo ao banco. O investimento fica em torno de R$ 2 mil para coletar e congelar e R$ 500 ao ano como taxa de armazenamento. Uma pesquisa em andamento da Universidade de Sheffield (Reino Unido), cujos primeiros resultados foram apresentados no ano passado, já recuperou a audição de animais com o uso de tecidos auditivos fabricados a partir de células-tronco provenientes da polpa do dente. Outro estudo está sendo conduzido no Brasil pela Universidade de São Paulo (USP) desde 2013. Desenvolvido pela equipe da bióloga Patrícia Beltrão Braga, em parceria com o professor e neurocientista Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia (EUA), o projeto Fada do Dente arrecada dentes de leite de crianças com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). O objetivo é transformar as células-tronco encontradas nesse material em neurônios e, a partir daí, identificar diferenças biológicas nos neurônios com autismo e buscar novos tratamentos para o TEA.

Decisão muito particular
Não há como prever o futuro, ou seja, se o seu filho vai precisar usar as próprias células-tronco ou das de doadores um dia. Contudo, as perspectivas são, sem dúvida, promissoras. Por isso, de modo geral, os especialistas da área afirmam que, sim, a família que tiver condições financeiras para tanto deve lançar mão de tal oportunidade. Entre elas está a hematologista Andrea Kondo, coordenadora médica do laboratório de terapia celular do Hospital Albert Einstein (SP). “Esse é um produto que vai ser jogado fora. Logo, a decisão deve ser tomada no momento do parto [no caso do cordão]. Não há como recuperá-lo depois. E eu entendo que isso pode gerar angústia entre os pais. No momento em que optam por guardar o cordão, porém, devem estar conscientes de que, embora os resultados iniciais sejam animadores, não há garantias”, diz. Pelo menos agora, diante de tantas novas possibilidades, você tem mais tempo (e informação) para mudar de ideia depois.

Outras fontes: Alberto D’Áuria, ginecologista e obstetra, diretor médico da Cryopraxis (RJ); Criogênesis (SP); Eliseo Sekiya, hematologista, CordCell (SP); Nelson Hamerschlak, hematologista, coordenador médico do Serviço de Hematologia do Hospital Israelita Albert Einstein (SP)

Os valores desta reportagem são uma média de acordo com pesquisa feita pela CRESCER em três clínicas de São Paulo.

Rodapé Instagram (Foto: Crescer)

Você já curtiu Crescer no Facebook?