• Fernanda Montano
Atualizado em
Primeira infancia (Foto: Getty Images)

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Albert Einstein já dizia que a criatividade é a inteligência se divertindo. Não é à toa que, quando pensamos nesse conceito, imaginamos algo inédito e diferente. Mas ela não se limita a isso. Em todo desafio ou situação que enfrentamos, precisamos ser criativos para achar uma solução – é por isso que muitos especialistas definem a criatividade como capacidade para resolver problemas. “Sempre recomendo que as pessoas pensem sobre algo que precisa ser resolvido como um labirinto. Há uma entrada para ele, mas muitos caminhos diferentes para a solução. Somente as pessoas que estão dispostas a ‘brincar’ e arriscar bater em um beco sem saída, em vez de tomar o caminho direto e seguro, provavelmente chegarão a uma verdadeira solução criativa”, defende a professora de Psicologia e pesquisadora de Criatividade Beth Hennessey, da Wellesley College, em Massachusetts (EUA).


Quando falamos em problema, não necessariamente é algo ruim, mas, sim, uma situação que precisa ser resolvida. Pensando no universo infantil, fica fácil entender por que costuma-se dizer que as crianças são criativas. Afinal, para elas tudo é um desafio. “Segundo o pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott, desde que nasce, o bebê é um ser criativo, porque está a todo momento criando esse mundo ao qual agora faz parte”, diz a psicóloga Daphne Melamed, do Hospital Pequeno Príncipe (PR). Alguns pesquisadores defendem que a criatividade não é nata, mas se desenvolve como capacidade para dominar situações, equilibrar realidade e desejo. Seria algo que não nasce com as crianças, mas se desenvolve nelas, principalmente com o faz de conta ao usar a brincadeira para resolver um problema. Você pode ver isso quando seu filho amarra um tecido no pescoço e sai ‘voando’ pela casa. Ele sabe que é apenas uma criança, mas é como se fosse um super-herói. “Pesquisadores russos dizem que a criatividade decorre da consciência que as crianças tomam do mundo adulto. Elas querem fazer coisas daquele universo, mas como não podem,  inventam”, afirma Tânia Ramos Fortuna, professora e coordenadora geral do programa de extensão universitária Quem Quer Brincar?, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Segundo ela, existem três tipos de criatividade: a primitiva, que representa os lampejos criativos e espontâneos; a secundária, que envolve um trabalho mental de conhecimento, como os grandes cientistas; e a integrativa, que junta o súbito ao trabalho mental, reconhecida nos grandes artistas. “Seja fazendo roupas para a boneca, desenhando ou brincando com os amigos, para tudo isso a criança precisa de determinadas condutas, como aceitação no grupo, compreender o todo, entender as regras, e em todos esses momentos ela usa a inteligência criativa”, diz.

Sem medo de ser feliz

Também relacionamos as crianças à criatividade porque elas têm algo fundamental para tal capacidade: a espontaneidade, a ousadia, a liberdade para errar. “A criança nasce sem bloqueios, aprende algumas coisas e seu repertório começa a se constituir. Pelo fato de não ter medo, ela se expressa sempre que tem oportunidade, daí muita gente dizer que são mais criativas. Na verdade, elas arriscam-se sem medo”, afirma Humberto Massareto, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa, de Portugal, e autor do livro Potencializando sua Criatividade (DVS Editora).

Você provavelmente já deixou de fazer algo por medo de não dar certo, não é? Por isso costumamos dizer que perdemos nossa capacidade criativa ao longo do tempo. Na verdade, ela está sempre lá, mas se não nos permitimos, é tomada pelo pensamento racional. “A capacidade criativa é algo que pode ser alimentado e crescer ao longo do tempo. Mas o que muitas vezes perdemos à medida que envelhecemos é a motivação para ser criativo, assumir riscos, tentar algo novo, perseverar em meio a dificuldades e falhas. Precisamos de motivação intrínseca para a criatividade. Temos de abordar um problema com o entusiasmo e a convicção de que, se nós trabalharmos muito, podemos ter o talento e as habilidades necessárias para chegar a um produto surpreendente”, diz Beth Hennessey.

Nada de fórmulas prontas

Quando falamos que tudo que a criança precisa para desenvolver sua capacidade criativa é um ambiente favorável, fica claro que não estamos nos referindo a brinquedos caros ou passeios elaborados. Muito pelo contrário! Para que uma bateria de plástico se dá para criar uma banda de música com panelas, colheres, cordas e caixas de papelão? Ou, então, porque sempre dar um desenho pronto daquele personagem favorito para colorir se ela pode criar novos seres em uma folha branca? Confira quatro dicas de Luciane Motta, da Casa do Brincar, em São Paulo (SP), para fugir do convencional e estimular a imaginação do seu filho:
1 No lugar de fantasias prontas, que tal vários cortes coloridos de tecidos com texturas variadas para que a criança invente seu próprio personagem? Um pedaço de pano pode virar uma saia de princesa, um turbante de mago ou a capa de um super-herói.
2 Para brincar de casinha, ajude-o a recolher pedrinhas, folhas secas e galhos, que podem virar comidas em panelinhas.
3 Na hora de desenhar, experimente papéis com cores e texturas variadas. Por exemplo, cartões ou cartolinas pretas rendem um ótimo suporte para desenhar com giz de cera e lápis de cor brancos ou amarelos. Também dá para usar lixa (daquelas de construção mesmo, que custam poucos centavos cada folha) e desenhar com giz de lousa.
4 Transforme a caixa que vem com as compras do supermercado em casinha, avião, barco, berço de boneca, túnel para passar os carrinhos de brinquedo embaixo. São construções que exigem concentração e criatividade. Você ajuda com os cortes e colagens para dar forma ao novo brinquedo e seu filho participa criando e interagindo, pintando e decorando a peça.

Criativos e curiosos (Foto: Thinkstock)

Foto: Thinkstock

Incentivando a Criatividade

Para que seu filho tenha tais habilidades no futuro, não é só na hora de desenhar ou construir brinquedos que você estimula a capacidade imaginativa e a curiosidade dele. Veja como incentivar e criar um ambiente favorável a isso:

Estabeleça um relacionamento não possessivo, para que seu filho desenvolva independência e autonomia.
Incentive o entusiasmo pela vida, a conduta interrogativa, a curiosidade e a paixão pelo que o cerca.
Estimule diferentes interesses.
Invente brincadeiras particulares de vocês. Em viagens de carro cansativas, por exemplo, sugira localizar elementos na natureza, como quem avista primeiro vacas, carros vermelhos ou casas amarelas.
Dê abertura para que a criança tenha experiências próprias e explore seu mundo interior. Pergunte o que ela está sentindo, estimule-a a refletir sobre os sentimentos.
Demonstre respeito e confiança, mostre que aquilo que a criança faz tem valor, encoraje os desejos exploratórios.
Traduza as vivências e emoções em imagens. Tente folhear revistas e livros e criar indagações, como “qual dessas figuras representa melhor o que a gente está sentindo agora, ao cozinhar essa comida gostosa?”
Peça para a criança falar de suas preferências musicais, por exemplo, e conte sobre seus próprios gostos na mesma idade que ela.
Incentive seu filho a buscar histórias e fatos interessantes de seus artistas preferidos, como onde nasceu e como iniciou  a carreira.

Conexões cerebrais

O cérebro humano é responsável por comportamentos complexos e criativos, tais como pensamento artístico, científico e matemático. Para que isso aconteça, é necessária uma ampla rede neural, que irá manipular imagens, símbolos e outras construções mentais por meio de uma variedade de domínios, que podemos chamar de cognição. Esta se distingue pela flexibilidade com que as representações mentais podem ser construídas e manipuladas para gerar novas ideias e ações. “As funções cognitivas são um conjunto de habilidades que nos auxiliam na aprendizagem, a lembrar de coisas, planejar e executar nossas atividades e também a monitorar nosso comportamento, se o que estamos fazendo está correto ou não, e mudar para que não voltemos a cometer esses erros. A criatividade está inserida nesse processo”, explica a psicóloga Graça Ramos Oliveira.

Olhando para o cérebro de maneira bem simples, podemos dizer que o lado esquerdo é responsável pela ação e atividade lógica, como ler, escrever, ir de um ponto a outro guiando-se por um mapa, enquanto ao lado direito competem emoção, sensibilidade e senso artístico. A capacidade criativa seria a junção de tudo isso. “A criatividade decorre do uso integrado do cérebro, hemisférios direito e esquerdo em conjunto, mas, como ao longo do tempo e da evolução não se privilegiou o uso do hemisfério direito, esse perdeu um pouco o jeito e necessita de provocação maior”, afirma Humberto Massareto.

Para estimular isso, ele afirma que todas as pessoas deveriam programar-se para fazer pelo menos uma coisa diferente por semana. “Pode ser, por exemplo, experimentar um alimento novo, mudar o caminho para a escola ou trabalho, comer com a mão trocada, tomar banho no escuro. São dicas para manter o cérebro ativo e preparado para respostas inusitadas ou surpreendentes. Afinal, o mundo já está pleno de respostas previsíveis”, diz.
Seu filho com certeza vai gostar de desafios como esses, simples de propor no dia a dia e que vão ajudar a manter o cérebro dele maleável e conectado, fator fundamental para exercer a capacidade criativa. Foi o que mostrou uma pesquisa da Universidade de Warwick, na Inglaterra, divulgada recentemente. Segundo o estudo, quanto mais variável é o cérebro e quanto mais as suas diferentes partes frequentemente se conectam umas com as outras, mais a pessoa terá QI elevado e, claro, criatividade.

Criativos e curiosos (Foto: Crescer)

Futuro criativo

A criatividade será útil para a criança não só na infância, mas também na vida adulta, seja nos relacionamentos ou no mercado de trabalho. “A curiosidade e a agilidade mental são determinantes para o sucesso. São habilidades que devem ser incorporadas desde os primeiros anos de vida. Pessoas criativas conseguem ser flexíveis e mais capazes de absorver e se adaptar aos avanços tecnológicos e tirar mais proveito de novas oportunidades”, lembra Graça Oliveira. Seguindo o mesmo pensamento, Humberto Massareto afirma que seres humanos criativos são fundamentais para um futuro mais próspero. “Para se construir um país com papel de destaque nos cenários atual e futuro, não há alternativa que não envolva educação, criatividade e inovação”, diz.

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