• Maria Clara Vieira
Atualizado em
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 Leandro Ramires e o filho, Benício (Foto: Alexandre Rezende/Editora Globo)

Síndrome de Dravet. O nome difícil é de uma doença rara que afeta 1 pessoa a cada 20 mil. O pequeno Benício, de 7 anos, está entre os portadores. Até o ano passado, ele sofria diversas convulsões diárias, que variavam de intensidade: desde leves espasmos musculares até os mais fortes, que impediam a criança de respirar e deixaram sequelas.

A vida de Benício seguia com todas as dificuldades que a doença impõe, como as dezenas de internações que ele teve de enfrentar em tão pouco tempo de existência. Até que tudo mudou. Uma substância natural chamada canabidiol (CBD), capaz de minimizar a quantidade de crises, reacendeu a esperança de alcançar mais qualidade de vida para o pequeno paciente.
 
Há um ano, CRESCER contou a história do menino, que é criado apenas pelo pai, o médico oncologista Leandro Ramires. Ao descobrir os benefícios que o canabidiol poderia trazer para o filho, Leandro não poupou esforços para conseguir legalizar a importação da substância, que até então era proibida no Brasil por ser extraída da planta da maconha.

Após toda uma saga ao lado de pais e mães de outras crianças que também precisam do CBD, Leandro conseguiu, finalmente, importar legalmente o produto para o filho. De acordo com o pai, desde que o tratamento com canabidiol teve início, a criança só evoluiu. As crises diminuíram em 90%, o número de comprimidos diários foi reduzido e a vida ganhou novas perspectivas.

Animado com os resultados, Leandro participou da fundação da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (AMA+ME), cujo objetivo é lutar pelo direito de produzir o CBD em território brasileiro, para que haja um controle químico e sanitário, além de ampliar o acesso e reduzir custos do produto. 

Como pai e médico incansável que é, Leandro também começou a pesquisar os efeitos do uso do CBD com um grupo de pacientes associados à AMA+ME. “Nosso estudo mostra que o CBD tem resultados três vezes melhores do que os anticonvulsivantes normais”, afirma ele. “Ninguém que usa o CBD ficou com o quadro estável ou piorou. Todos tiveram algum tipo de melhora, e 63% deixaram de ser internados”, conta Leandro. Os resultados da pesquisa acabaram de ser apresentados em um fórum na Unicamp e, em setembro, serão mostrados em um evento em Campos do Jordão (SP). O artigo completo será publicado na revista científica internacional Epilepsy.

A seguir, confira depoimento na íntegra que Leandro Ramires concedeu recentemente à CRESCER.

maconha_canabidiol_remedio_crianca 3 (Foto: Alexandre Rezende)

Leandro dá o CBD ao filho, Benício (Foto: Alexandre Rezende/Editora Globo)

“Antes do canabidiol, o meu filho tomava 15 comprimidos por dia para conter as crises epiléticas. Mesmo assim, ele tinha muitas convulsões diariamente. Eu corria com ele para o hospital pelo menos três vezes por semana. Benício foi internado 48 vezes em seis anos de vida. Iniciamos o uso do CBD há 1 ano e 3 meses. Desde então, ele nunca mais teve de ser internado, nunca mais o levei para a emergência do hospital. A redução das crises foi de 90%. Hoje em dia, só acontece quando ele pega alguma infecção. Graças ao CBD, ele não precisa mais de tantos remédios: agora só toma 4 comprimidos por dia.

Meu filho completou 7 anos e está se desenvolvendo como nunca. A cada dia, tenho uma nova surpresa. Antes, ele só dormia comigo, acordava muito durante a noite e tinha bruxismo. Agora, vai sozinho para a cama e dorme bem. É a coisa mais bonitinha desse mundo. Ele tirou os tutores da perna, aprendeu a acender e apagar a luz, está começando a ganhar independência para tomar banho, passou a limpar a própria boca, está obedecendo ao que falo, entende quando digo sim e não, parou de jogar tudo no chão, está começando a se comunicar do jeito dele. Ganhou habilidade de pegar talheres, já bebe no copo com as próprias mãos, brinca melhor, sobe e desce escada com mais agilidade e me chama quando quer alguma coisa. Aos poucos, está crescendo. Está superfeliz e risonho. É outra vida.

Benício ainda usa fralda, porque ficou com sequelas das convulsões que teve nos anos anteriores. Logo que ele começou a usar o canabidiol, achei que poderia começar a frequentar a escola, mas ele ainda não vai por conta dessas sequelas. Ele está melhorando a convivência com os outros. Ainda tem certa dificuldade de interagir, mas adora as pessoas. Hoje ele está mais seguro e mais desperto. O meu outro filho, Diego, 20 anos, faz faculdade de engenharia e também mora comigo. Ele tem me ajudado muito com o Benicio. Somos nós três em casa.

Como coordenador do serviço de mastologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), eu trabalho muito. Então preciso de ajuda com o Benício. Conto com uma cuidadora de segunda a sexta, que auxilia na preparação do meu filho para que ele possa iniciar a escola no ano que vem. Toda semana, ele faz duas sessões de terapia ocupacional e duas consultas com fonoaudióloga. Também frequenta sessões com psicóloga comportamental duas vezes por mês. Aos finais de semana, a gente brinca, passeia um pouco, levo no parquinho. O Benício também adora piscina. Temos vivido momentos maravilhosos.

Durante um ano, lutamos pela reclassificação do canabidiol, para facilitar o tratamento. Hoje, meu filho tem a autorização para importar a substância. Mas a trajetória continua difícil. Quando o produto chegava no Brasil, a Receita Federal costumava reter – e isso prejudicava as famílias. A própria Anvisa uma vez afirmou que, por conta disso, apenas 20% das pessoas que tinham autorização importavam pelos meios legais. Só muito recentemente a Anvisa e a Receita Federal definiram que essa retenção não deve mais acontecer, e o CBD importado pode chegar na casa do paciente sem pagar imposto. Acredito que agora ficará mais fácil.

A maior dificuldade, hoje, não é conseguir a autorização para importar, mas sim encontrar um médico que receite o CBD. Esperamos disseminar os benefícios do canabidiol com pesquisas, artigos científicos e congressos, para que cada vez mais neurologistas aprendam sobre a substância.

O neuropediatra do meu filho está vibrando com os resultados, está impressionado, e virou um entusiasta da causa. Para mim, enquanto pai, ver essa melhora do meu filho traz a melhor sensação possível. É a sensação de dever cumprido, no sentido de garantir a vida dele. Eu me sinto realizado. Esse é o melhor presente que um pai pode ter. Da tragédia e da doença, consegui um estímulo para lutar por uma causa. Estou envolvido até a alma.”

Leandro Ramires, médico oncologista, pai de Benício, 7 anos, e Diego, 20.

Veja a melhora de Benício no vídeo gravado por Leandro: 

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