• Giovanna Forcioni
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Aí vai mais uma razão para você estimular seu filho, seja menino ou menina, a brincar de boneca. E quem está dizendo isso não somos nós, mas, sim, a ciência! Uma pesquisa feita pela Universidade de Cardife (Reino Unido) sugeriu que esse tipo de brincadeira ajuda as crianças a também desenvolver habilidades emocionais, como a empatia, por exemplo. 

Bebê menino brincando de boneca, carrinho, ursinho de pelúcia (Foto: Unsplash)

Bebê menino brincando de boneca, carrinho, ursinho de pelúcia (Foto: Unsplash)

Os neurocientistas monitoraram 33 meninos e meninas, com idades entre 4 e 8 anos, para entender como seus cérebros se comportavam quando brincavam com bonecas e com jogos eletrônicos. Os pequenos foram deixados em uma sala, livres para interagir da forma que quisessem. Enquanto isso, foram equipados com uma espécie de "capacete", que, por meio de infravermelhos, monitorava a atividade cerebral. 

A partir daí, os pesquisadores fizeram observações e tiraram algumas conclusões. A primeira foi que, quando mexiam com as bonecas, as crianças conversavam diretamente com elas, falando na segunda pessoa ("você"). Já com os jogos eletrônicos, isso não acontecia. As personagens eram tratadas pelos pequenos "com mais distanciamento", na terceira pessoa ("ele/ela").

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Enquanto interagiam com as bonecas, as crianças tendiam a falar com mais frequência sobre seus próprios pensamentos e sobre "as emoções do brinquedo", se colocando no lugar do outro, como num exercício de empatia. Foi, então, que os pesquisadores perceberam que as bonecas conseguem fazer algo que outras brincadeiras, como jogos eletrônicos, não fazem. Elas ajudam a ativar regiões cerebrais associadas ao processamento de habilidades sociais.

Isso significa que esse tipo de briquedo pode ser uma ferramenta para ensinar as crianças a lidar melhor com os próprios sentimentos e com os das pessoas a sua volta. E tem mais: a pesquisa também mostrou que esses benefícios são observados tanto em meninos quanto em meninas, estejam eles brincando sozinhos ou não.

“Quando as crianças criam mundos imaginários e encenam com bonecas, elas verbalizam primeiro em voz alta e só depois internalizam a mensagem sobre pensamentos, emoções e sentimentos do outro. Isso pode ser muito benéfico a longo prazo, porque pode levá-las a ter mais facilidade em processar questões sociais e emocionais”, explica a neurocientista Sarah Gerson, uma das autoras do estudo. 

A importância do faz de conta

A pesquisa feita no Reino Unido conseguiu provar a importância da brincadeira com bonecas, especificamente. Mas não são só elas que podem ajudar seu filho a desenvolver habilidades sociais, como a empatia. Outros tipos de brinquedos e atividades também têm esse poder. Qualquer proposta que envolva dramatização e atuação pode levar aos mesmos resultados.

É isso o que diz Janine Dogde, presidente da IPA Brasil – Associação Brasileira pelo Direito de Brincar e à Cultura. Na entrevista a seguir, ela comenta o estudo britânico e fala sobre a importância do brincar (com ou sem bonecas). 

O que o estudo traz de novidade?
Do ponto de vista pedagógico, não é novidade a importância do role play (faz de conta, em inglês). O que é novidade é que, de uns anos para cá, estamos conseguindo uma ajuda da neurociência para mapear essa atividade cerebral durante a brincadeira. Com isso, conseguimos dar ainda mais credibilidade para aquilo que já observávamos faz tempo. O estudo traz um respaldo mais objetivo, de que não dá mais para ficar questionando se os benefícios do brincar e do faz de conta realmente existem ou não.

E quais são esses benefícios?
O faz de conta talvez seja um dos aspectos mais importantes do brincar da criança. O próprio estudo focou na ideia da imaginação, da empatia, das habilidades sociais... Hoje falamos muito sobre um conceito de "flexibilidade cognitiva", que é a habilidade de contemplar vários aspectos de uma situação. E brincar de faz de conta é justamente experimentar várias possibilidades de um mesmo contexto, sempre guiado a partir dos interesses de cada criança. Sabe aquela ideia tão valorizada no mundo dos adultos de "pensar fora da caixa"? É a mesma lógica.

Brinquedos de madeira e blocos de montar (Foto: Pixabay)

Brinquedos de madeira e blocos de montar (Foto: Pixabay)

Mas como isso ajuda as crianças a desenvolver e aprimorar habilidades sociais?
O faz de conta oferece um espaço seguro para a criança experimentar aquilo que ela está observando e sentindo no dia a dia. Porque é o momento em que ela consegue controlar o sentimento e a reação de todos os personagens envolvidos na brincadeira. Pode observar: o faz de conta normalmente envolve algum conflito, como o bichinho de pelúcia que, por exemplo, não quis comer verduras. Aí a criança se coloca no papel de resolver a situação. Ou seja, é o tipo de brincadeira que dá a chance de a criança experimentar e explorar várias formas de driblar um problema e estabelecer regras. A resolução de conflitos é uma habilidade fundamental para qualquer relação com outras pessoas. 

Então, o faz de conta também é uma forma de a criança entrar em contato com as próprias emoções?
Não temos uma cultura de falar sobre emoções difíceis. Com a melhor das boas intenções, a gente, enquanto pais e adultos, tenta poupar as crianças de viver a raiva, a frustração... Mas são emoções fundamentais e necessárias. O brincar preenche um pouco esse papel de colocar tudo para fora. Além de tudo, o faz de conta ajuda a criança a não só entrar em contato com a emoção, mas também a verbalizá-la. É o tipo de brincadeira que facilita o desenvolvimento da linguagem, porque o pequeno vai imitando situações que vê no dia a dia. Por exemplo, ao brincar de médico, ela tende a repetir o comportamento que vê nas consultas com o pediatra. E o mais curioso de tudo é que, no faz de conta, a criança brinca em voz alta. Justamente ali ela está praticando a linguagem, com palavras, tom de voz, posicionamento.

Ordem nos brinquedos (Foto: Getty Images)

(Foto: Getty Images)

Essas habilidades a gente consegue desenvolver mesmo se a criança brincar sozinha?
As duas coisas são importantes, tanto brincar sozinha quanto em grupo. A criança sozinha está controlando 100% do que está acontecendo. Então, ali ela consegue acessar sentimentos que para ela são mais intensos. A presença de outra criança só enriquece, mas na maioria das vezes a brincadeira gira em torno de situações mais corriqueiras, como ir à escola ou ao médico. Em grupo, elas desenvolvem também a habilidade de ouvir. No faz de conta, tudo é criado e improvisado. Para saber como conduzir, você precisa necessariamente prestar atenção no outro e no que ele está criando, para que você possa criar também. 

Conseguimos observar esses benefícios apenas quando o faz de conta envolve algum tipo de brinquedo, como as bonecas?
Não é o brinquedo em si que vai ajudar a trazer esses benefícios, ele apenas faz parte do processo. O brinquedo dá mais oportunidades para explorar, isso é fato. Mas é preciso encontrar um equilíbrio. Deixar muitos brinquedos à disposição, por exemplo, pode gerar um overloading de estímulos. Dar dez brinquedos de uma vez não é interessante. E nem presentear com bonecos que já têm expressões ou comportamentos muito bem definidos. O melhor brinquedo é aquele que permite que a criança defina o que quer fazer com ele.