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A importância das bonecas negras (Foto: Getty Images)

A importância das bonecas negras (Foto: Getty Images)

Há muito tempo já se discute sobre a presença de bonecas negras na vida das crianças. Fala-se sobre a importância dessa representação e em como isso as auxilia positivamente. Mas hoje quero dar um salto nessa discussão. Em 1939, iniciou-se um experimento que foi repetido na década passada em vários países, chamado ‘The Clark Doll Experiment’, onde crianças brancas e negras ficavam na frente de uma boneca branca e outra preta e começavam a responder e a adjetivar o que elas pensavam das bonecas. Perguntavam qual era a bonita, qual era a feia, qual consideravam inteligente, com qual gostariam de brincar, qual mais se parecia com elas…


No geral, tudo o que tinha significado positivo era apontado como sendo característica das bonecas brancas. No final, para choque de nós, espectadores, perguntavam para as crianças negras se elas sabiam que eram negras. E mesmo sabendo que eram negras, as crianças, ainda assim, colocavam adjetivos negativos nas bonecas que eram mais parecidas com elas. Isso gerou um debate na sociedade e nas famílias mais atentas, em busca de uma solução.

Empresas que produzem brinquedos começaram a ter bonecas negras nos seus catálogos, essas bonecas passaram a ter diferentes profissões, visuais e traços variados, de bebês a vampiras. Empreendedores autônomos passaram a fabricar bonecas negras e algo floresceu. A representação negra entrou na indústria dos brinquedos. Famílias negras passaram a celebrar cada vez que uma boneca negra aparecia no comercial. Até nas redes sociais, os momentos de leveza e diversão cresceram quando essas bonecas passaram a ser replicadas por aí. Ainda assim, elas não são encontradas em todas as lojas, fazendo da busca por um presente uma tarefa para os pais procurarem lojas virtuais – como a Preta Pretinha, que foi a primeira loja a vender bonecas de pano negras e inclusivas – e encomendarem. O efeito nas crianças é visível.
 

“Um brinquedo é também um ensinamento de valores de convivência”

Lázaro Ramos


Eu, como pai, padrinho, tio, percebo o olhar das crianças quando recebem essas bonecas. Algumas, por exemplo, nem têm noção do quão político é elas terem a possibilidade de segurar essa boneca nas mãos. Vira um objeto que transforma sua autoestima, sem elas perceberem o que isso vai lhes trazer de frutos no futuro. Me lembrei de um episódio do seriado Black-Ish em que uma família negra está conversando sentada à mesa, quando o pai fala: ‘Obama é o primeiro presidente negro da história’. E a filha de 6 anos questiona: ‘Primeiro?’.  E o pai nota que ela já está numa outra fase da história. E começa a contar sobre o passado de luta, tentando criar nos filhos uma consciência da história negra no mundo.


Tudo isso faz parte do nosso processo de construção de identidade, e dessa vez, quero fazer uma provocação: que crianças brancas também tenham bonecas negras. É aí que elas começam a depositar seus afetos, olhar as possibilidades, se relacionar, criar desejos e novos olhares. Um brinquedo é também um ensinamento de valores de convivência. Uma criança branca que olha para uma boneca negra como um poço de possibilidades, e não como algo a ser rejeitado, é uma semente importante a ser plantada para o mundo que desejamos. De igualdade e afeto.
 

. (Foto: Bob Wolfenson)

(Foto: Bob Wolfenson)

Lázaro Ramos é ator, apresentador, diretor e escritor, casado com a atriz Taís Araujo e pai de João Vicente, 9 anos, e Maria Antônia, 5