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    DW

    Ingrid Betancourt: "�s vezes, � imposs�vel perdoar"

    DA DEUTSCHE WELLE

    26/09/2016 11h18

    Ingrid Betancourt foi sequestrada pela guerrilha colombiana e mantida em cativeiro por seis anos na selva. Desde que foi resgatada, em julho de 2008, ela luta pelo fim da guerra civil em seu pa�s.

    Poucos dias antes da assinatura do tratado de paz entre o governo colombiano e as For�as Armadas Revolucion�rias da Col�mbia (Farc), nesta segunda-feira (26/09), a rep�rter da DW Astrid Prange se encontrou com Betancourt em Paris, seu segundo lar. A apar�ncia dela era calma, am�vel e determinada. Mas, mesmo nesse momento repleto de esperan�a, o drama do sequestro e a pol�tica continuam determinando sua vida.

    Na entrevista � DW, ela falou sobre os anos no cativeiro, a capacidade de perdoar e o acordo de paz na Col�mbia, ao qual muitos se op�em, disse.

    "Na Col�mbia, uma parte da sociedade est� profundamente ligada � luta como meio de vida. H� o neg�cio belicoso que enriquece muita gente, h� a pol�tica da guerra que d� poder a muitos l�deres, e h� a corrup��o que depende dos combates", afirmou Betancourt.

    Deutsche Welle: Qual foi a primeira coisa que lhe veio � cabe�a ao escutar sobre as negocia��es de paz entre o governo colombiano e os rebeldes das Farc, em 2012?
    Ingrid Betancourt: N�s n�o nos surpreendemos realmente com a not�cia. Mas mesmo que estiv�ssemos esperando, quando isso aconteceu, eu me vi muito emocionada. Eu me lembro de ter ido � Bas�lica de Sacr� Coeur para agradecer, foi incr�vel, porque encontrei tantos outros colombianos fazendo o mesmo. Passamos algumas horas somente celebrando, nos abra�ando e chorando.

    O que a ajudou a superar o sofrimento do cativeiro?
    A voz da minha m�e pelas ondas de r�dio foi a minha maior esp�cie de conselho de seguran�a. Ela me ajudou a ficar pensando que eu era um ser humano, que era amada e que era importante. Na selva, a f� tamb�m se torna algo bem real; isso me ajudou a entender o que estava acontecendo comigo e mudou minhas quest�es. No come�o, eu indagava: por que eu? Mas ent�o isso mudou para: como posso fazer o melhor disso? Como posso me tornar uma pessoa melhor? Como posso entender o que devo aprender aqui? Isso n�o teria sido poss�vel sem a f�. Se voc� n�o acredita que Deus est� ali e que h� uma raz�o, se voc� n�o entende isso, ent�o voc� est� fadado a cair na amargura e na vingan�a.

    Durante todos esses anos na selva, voc� teve medo de talvez nunca ser libertada?
    Eu me lembro dos guardas dizendo que eu n�o seria libertada antes de ser av�. Isso me torturou no sentido de que eu passei a calcular a idade da minha filha, do meu filho e o que isso significava em termos de tempo. Emocionalmente, isso foi realmente muito doloroso. Mas eu sempre pensei que voltaria para casa um dia. Algumas vezes, essa casa era at� mesmo a morte, porque isso era uma forma de escapar do controle da guerrilha, uma forma de liberta��o. Mas quando fui resgatada, como tudo aconteceu t�o de repente e n�o t�nhamos como prever o que estava para acontecer, a emo��o foi enorme.

    Voc� acha que o acordo de paz entre o governo colombiano e os rebeldes das Farc leva suficientemente em considera��o o sofrimento das v�timas?
    O que � suficiente? Nada � suficiente. No meu caso, o que poderia ser justi�a para mim? Nada! Como substituir as pessoas de quem senti falta? Meu pai se foi enquanto eu estava em cativeiro. Como substituir os anos sem meus filhos? Ent�o, n�o acredito que esta seja a pergunta certa.

    Qual seria ent�o a pergunta certa?
    Para mim, a pergunta certa a se fazer e a se responder �: por que estamos fazendo isso? Acho que fazemos isso para que, no futuro, nenhum colombiano sofra o que sofremos. Temos a resposta certa, porque estamos salvando vidas. Estamos poupando traumas, protegendo fam�lias e dando aos colombianos a oportunidade de ser um pa�s em paz.

    Na minha gera��o, nunca vivenciamos o que isso significa. Como colombiana, a �nica maneira de me relacionar com meu pa�s � atrav�s do sofrimento. Espero que meus filhos e meus netos se relacionem com um pa�s lindo, de uma forma positiva e amorosa.

    O povo colombiano ser� questionado em plebiscito se concorda com o acordo de paz. Por qu�? H� muitos que se op�em ao acordo?
    Por um lado, parece estranho que um pa�s que sofreu tanto com a viol�ncia e a guerra discuta se quer ou n�o a paz. Mas, na Col�mbia, uma parte da sociedade est� profundamente ligada � luta como meio de vida. H� o neg�cio belicoso que enriquece muita gente, h� a pol�tica da guerra que d� poder a muitos l�deres, e h� a corrup��o que depende dos combates. As pessoas que votam "n�o" n�o podem dizer que querem a continuidade da guerra. Ent�o, elas usam outros argumentos, e � isso o que est� acontecendo.

    O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, era considerado um linha-dura. Ele queria derrotar as Farc por meios militares. Agora, ele vai assinar um acordo de paz com os rebeldes. O que o fez mudar de ideia?

    De fato, Juan Manuel Santos era um linha-dura, mas ele � um l�der com uma reflex�o sobre a hist�ria da Col�mbia. E ele entendeu que, com a morte dos primeiros l�deres das Farc –Manuel Marulanda, Raul Reyes, Alfonso Cano–, esses foram substitu�dos por pessoas mais jovens, que n�o tinham as mesmas habilidades militares, que estavam abertas a uma solu��o pol�tica. Ele aproveitou a oportunidade com uma contraparte que estava disposta a negociar a paz.

    Voc� chegou a conhec�-lo?
    Sim, muito!

    Voc� o convenceu a mudar de id�ia?
    N�o! Acho que ele estava realmente convencido de que esse era o caminho a seguir. E eu s� posso aplaudir, porque h� tantas for�as locais que querem que a guerra continue, sem fim! Acho que ele � destemido e corajoso. Se for bem-sucedido em seu plano, ser� o colombiano que lembraremos na hist�ria.

    Parece que a maior parte das v�timas, como voc�, est� clamando por reconcilia��o. Voc� pode falar pela maioria delas?
    Perd�o � algo muito pessoal e �ntimo. Perd�o n�o � algo que se pode falar pelos outros, porque ele engloba n�o somente seu desejo e vontade, sua reflex�o e intelectualidade, mas tamb�m suas emo��es. E quem est� no controle das pr�prias emo��es? Eu ainda luto com as minhas! Ent�o, mesmo que eu tenha me comprometido a perdoar, eu compreendo perfeitamente que outras v�timas sejam incapazes disso. Dependendo do sofrimento e da forma como se lida com isso, �s vezes, � imposs�vel perdoar.

    Voc� acha que existe uma chance real de reintegrar os rebeldes das Farc � sociedade? Eles poder�o garantir o pr�prio sustento em tempos de paz? Ou ser�o contratados pelos cart�is de droga?
    Este � o grande desafio que enfrentamos como sociedade. Os colombianos s�o convidados a receber essas pessoas das Farc, que ir�o entregar suas armas e ser desmobilizadas. Eles [os ex-guerrilheiros] devem ser capazes de exercer uma atividade que seja digna, com a qual possam viver legalmente, fora da mis�ria e da pobreza.Exemplos anteriores semelhantes a essa situa��o s�o o caso dos paramilitares. E esse foi uma esp�cie de fiasco, porque alguns l�deres foram extraditados, e o resultado dessas extradi��es n�o foi muito claro, pois acabaram passando menos tempo na pris�o do que passariam na Col�mbia. Mais do que isso: muitas organiza��es paramilitares mudaram, simplesmente, de r�tulo e se tornaram organiza��es criminosas ligadas ao narcotr�fico e tamb�m a outras atividades ilegais. A presen�a delas � perturbante para a seguran�a dos cidad�os ainda hoje na Col�mbia.

    Voc� sempre esteve envolvida com a pol�tica. Voc� pensa em concorrer � presid�ncia na pr�xima elei��o?
    (sorrindo) De forma alguma! Eu nunca pensei em me candidatar para a presid�ncia nem para um mandato no Parlamento.

    N�o h� plano algum de voltar � pol�tica colombiana, mesmo se o presidente Santos lhe pedisse?
    N�o. Isso n�o quer dizer que eu n�o v� voltar. Mas as coisas podem mudar. N�o tenho uma bola de cristal, ent�o, n�o posso dizer nunca. Mas h� outros fatores determinantes que fazem com que uma resposta a essa pergunta seja muito complicada.

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